Maria é o “arquétipo” da Igreja, porque é
originalmente as duas coisas ao mesmo tempo: lugar de habitação real e corporal
do Verbo até a intimidade de uma única carne de mãe e filho, isto porém a
partir da condição espiritual de serva, com toda sua pessoa corporal e
psíquica, que não admite nenhuma lei própria a não ser a conformidade com a
vontade de Deus. Porque ela é Virgem, isto é, ouvinte exclusiva da Palavra, ela
se torna mãe, lugar de encarnação do Verbo. Seu “Seio” não é bem-aventurado
senão porque ela “ouviu e observou” a palavra de Deus (Lc 11, 27-28). Toda
contemplação deve sempre tomar Maria como modelo, para se precaver contra o
duplo perigo: considerar a Palavra como algo somente exterior, em vez de
considerá-la como mistério mais profundo no centro de nós mesmo, como aquele no
qual vivemos nos movemos, e existimos (At 17, 28); e considerar a Palavra como
uma palavra tão interior que a confundimos por fim com nosso próprio ser, com
uma sabedoria disponível à nossa vontade, tendo-nos sido naturalmente dada em
partilha, de uma vez para sempre...
O ser que escuta, absolutamente falando, é a
Virgem que concebe o Verbo e O gera como seu filho e como o Filho do Pai.
Entretanto, ainda que mãe, ela permanece serva; o Pai, só Ele é o Senhor, com o
Filho que é a vida de Maria e modela esta vida. Maria é função do fruto do seu
ventre. Mesmo após tê-lo gerado, carrega-O em si; ela não precisa olhar seu
coração que está cheio d’Ele, para encontrá-lo. Entretanto não se descuida de
olhar constantemente o menino que cresce a seu lado, o jovem, o homem, cujos
sentimentos e atos parecem-lhe sem cessar imprevistos e surpreendentes, a ponto
de cada vez mais não compreender o que Ele tem no pensamento quando Ele a deixa
no Templo sem avisá-la, ou não a recebe quando vem visitá-Lo, ou esconde seu
poder na vida pública e sacrifica sua vida, e quando por fim Ele lhe escapa,
dando-lhe, ainda ao pé da cruz, um filho estranho, João, em seu lugar. Ela
escuta, com todas as forças de seu corpo, o Verbo que ressoa de modo sempre
mais divino e aparentemente sempre mais estranho, O Verbo cujas dimensões quase
a esmagam e ao qual, no entanto ela deu de antemão e radicalmente o seu “sim”
para tudo. Ela se deixa conduzir “para onde não deseja”, tão pouco a Palavra
que ela segue representa sua própria sabedoria. Mas se identifica com essa
direção, tão profundamente está “semeada” no seu coração (Tg 1, 21) a Palavra
que ela ama.
Referência: Urs Von Balthasar - La Prière
Contemplative, Decclés de Brouwer, 1959, p. 25-26 e 27-28.
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