sábado, 25 de outubro de 2014

DEUS POR PAI MARIA POR MÃE


§30. Como na geração natural e corporal há um pai e uma mãe, assim também na geração sobrenatural e espiritual há um pai, que é Deus, e uma mãe, que é Maria.
- Todos os verdadeiros filhos de Deus e predestinados têm a Deus por pai e a Maria por mãe; e quem a não tem por mãe, não tem Deus por Pai.
- Eis porque os réprobos, como os heréticos, os cismáticos etc., que odeiam ou olham com desprezo ou com indiferença a Santíssima Virgem, não têm Deus por pai, ainda que disto se gloriem, porque não têm Maria por mãe. Pois se a tivessem por mãe, honrá-la-iam e amá-la-iam como um verdadeiro e bom filho ama e honra naturalmente sua mãe, que lhe deu a vida.
- O sinal mais infalível e indubitável para distinguir um herético, um homem de má doutrina, um réprobo de um predestinado, é que o herético e o réprobo não têm senão desprezo ou indiferença pela Santíssima Virgem. Com suas palavras e exemplos, abertamente ou às ocultas, esforçam-se por lhe diminuir o culto e o amor, e isso por vezes sob belos pretextos.
Ah! Deus Pai não disse a Maria para habitar com eles, porque são Esaús.
§31. Deus Filho quer ser formado e, por assim dizer, encarnar todos os dias por intermédio de sua muito amada Mãe, nos Seus membros, e diz-lhe: “Recebe Israel por herança” (Eclo 24, 13). É como se dissesse: Meu Pai deu-me por herança todas as nações da Terra, todos os homens, bons e maus, predestinados e réprobos. Conduzirei uns com vara de ouro e outros com vara de ferro.
Serei Pai e Advogado de uns, Justo Vingador de outros e Juiz de todos.
- Mas Vós, minha Mãe, não tereis por herança e posse senão os predestinados, de quem Israel é figura. - Como sua boa mãe os dareis à luz, os alimentareis e educareis; como sua soberana os conduzireis, governareis e defendereis.
§32. “Um homem e um homem nasceu d'Ela” (Sl 86, 5), diz o Espírito Santo. Segundo a explicação de alguns Santos Padres, o primeiro homem que nasceu de Maria foi o Homem-Deus, Jesus Cristo; o segundo é um homem impuro, filho de Deus e de Maria por adoção.
- Se Jesus Cristo, cabeça dos homens, nasceu d'Ela, todos os predestinados, membros desta cabeça, também d'Ela devem nascer, por uma consequência necessária.
- A mesma mãe não pode dar à luz a cabeça ou o chefe sem os membros, nem os membros sem a cabeça: isso seria uma monstruosidade da natureza.
- Do mesmo modo, na ordem da graça, a cabeça e os membros nascem também duma só mãe. Se um membro do Corpo Místico de Jesus Cristo, quer dizer, um predestinado, nascesse de outra mãe que não fosse Maria, que gerou a Cabeça, não seria um predestinado nem um membro de Jesus Cristo, mas sim um monstro na ordem da graça.
§33. Além disso, Jesus Cristo é hoje, como aliás sempre, o fruto de Maria, como o Céu e a Terra lho repetem mil e mil vezes por dia: “... bendito é o fruto do Vosso ventre, Jesus”.
- Por isso é certo que Jesus Cristo é tão realmente o fruto e a obra de Maria para cada homem em particular, que o possui, como para todo o mundo em geral. De maneira que, se algum fiel tem Jesus Cristo formado no seu coração, pode dizer ousadamente:
“Graças a Maria! O que eu possuo é fruto e obra sua, e sem Ela não o teria”.
- Podem aplicar-se à Santíssima Virgem, com mais verdade ainda do que São Paulo as aplicava a si próprio, estas palavras: “Filhinhos meus, por quem eu sinto de novo as dores do parto, até que Cristo se forme em vós” (Gl 4, 19): Todos os dias dou à luz os filhos de Deus, até que meu Filho Jesus Cristo seja neles formado em toda a plenitude da sua idade.
- Santo Agostinho, ultrapassando-se a si mesmo e a tudo o que eu acabo de dizer, afirma que os predestinados, para se tornarem conformes à imagem do Filho de Deus, vivem neste mundo escondidos no seio da Santíssima Virgem. Lá são guardados, alimentados, sustentados e criados por esta boa Mãe, até que Ela os gere para a glória depois da morte. Este é propriamente o dia do seu nascimento, pois é assim que a Igreja chama a morte dos justos.
Ó Mistério de graça, escondido aos réprobos e tão pouco conhecido dos predestinados!
§34. Deus Espírito Santo quer formar n'Ela e por Ela eleitos, e diz-lhe: “Lança raízes entre os meus escolhidos” (Eclo 24, 13).
- Ó minha bem-amada e minha esposa, lança as raízes de todas as tuas virtudes nos meus eleitos, a fim de que eles cresçam de virtude em virtude e de graça em graça. Tive tanta complacência em Ti, quando vivias na Terra, praticando as mais sublimes virtudes, que desejo encontrar-te ainda na Terra, sem que deixes de estar no Céu. Reproduze-te, para isso, nos meus eleitos: que Eu possa ver neles, com agrado, as raízes da tua fé invencível, da tua humildade profunda, da tua mortificação universal, da tua oração sublime e ardente caridade, da tua firme esperança e de todas as tuas virtudes. Tu continuas a ser minha esposa tão fiel, tão pura e tão fecunda como nunca. Que a tua fé me dê fiéis; dê-me virgens a tua pureza, e a tua fecundidade, eleitos e templos.
§35. Depois de lançar as suas raízes numa alma, Maria opera nela maravilhas de graça que só Ela pode produzir, pois só Ela é a Virgem Fecunda que tem sido e será sempre sem igual em pureza e fecundidade. Maria produziu, com o Espírito Santo, a maior maravilha de quantas existiram ou existirão: o Homem-Deus.
- Produzirá ainda, consequentemente, as coisas mais admiráveis que hão de existir nos últimos tempos.
- A formação e educação dos grandes santos, que hão de vir no fim do mundo, estão-lhe reservadas, pois só esta Virgem Singular e Miraculosa pode produzir, em união com o Espírito Santo, coisas singulares e extraordinárias.
§36. Tendo-a encontrado numa alma, o Espírito Santo, seu Esposo, voa para lá, entra plenamente e comunica-se a essa alma abundantemente e na mesma medida em que ela dá lugar a Maria.
- Uma das grandes razões por que o Espírito Santo não opera agora maravilhas retumbantes nas almas é que não encontra nelas uma união bastante íntima com a sua fiel e indissolúvel esposa. Digo inseparável esposa porque desde que este Amor substancial do Pai e do Filho desposou Maria para produzir Jesus Cristo, Cabeça dos eleitos, e Jesus Cristo nos eleitos, nunca mais a repudiou, porque Ela foi sempre fiel e fecunda.
Quando o Espírito Santo, seu Esposo, encontra Maria numa alma, voa para ela, entra nela com plenitude e comunicasse-lhe tanto mais abundantemente quanto maior lugar esta alma dá à sua Esposa.

Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem Maria São Luis Maria Grignion de Monfort



sábado, 18 de outubro de 2014

MARIA ESPOSA DO ESPIRITO SANTO


   §20. Sendo o Espírito Santo estéril em Deus, isto é, não produzindo nenhuma outra Pessoa Divina, tornou-se fecundo por Maria, a quem desposou. Foi com Ela e n'Ela e d'Ela que formou a sua obra-prima: um Deus feito homem, e que forma todos os dias, até o fim dos séculos, os predestinados e os membros do corpo que tem por cabeça o adorável Jesus. É por isso que, quanto mais numa alma Ele encontra Maria, sua amada e inseparável esposa, tanto mais operante e poderoso se torna para produzir Jesus Cristo nessa alma e essa alma em Jesus Cristo.
   §21. Não se quer dizer com isto que a Santíssima Virgem dê ao Espírito Santo a fecundidade, como se Ele a não tivesse. Ele é Deus e, por isso, possui a fecundidade (ou a capacidade de produzir) tal como o Pai e o Filho, embora a não transforme em ato, produzindo outra pessoa divina. O que se quer dizer é que o Espírito Santo reduz a ato a sua fecundidade por intermédio da Santíssima Virgem. Mas o Espírito Santo quer servir-se d'Ela, embora disso não tenha uma necessidade absoluta, para produzir n'Ela e por Ela Jesus Cristo e os Seus membros. Mistério de graça, escondido mesmo aos cristãos mais sábios e mais espirituais!

Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem Maria São Luis Maria Grignion de Monfort



domingo, 12 de outubro de 2014

NOSSA SENHORA APARECIDA


Padroeira do Brasil – Possui a Basílica na cidade de Aparecida do Norte
     A história nos conta que nos idos de 1717, por ocasião da passagem pela região do governador da Capitania de São Paulo, Dom Pedro de Almeida – Conde de Assumar, e sua comitiva, foi solicitado aos pescadores que encontrassem nas águas do rio Paraíba do Sul a maior quantidade possível de peixes. Entre os pescadores estavam Domingos Martins Garcia, João Alves e Felipe Pedroso.
Lançaram suas redes várias vezes e não conseguiam pescar nada. Já estavam desanimados quando, de repente, na altura do Porto de Itaguaçu, percebem algo estranho na rede. Era o corpo de uma imagem feita de terracota. Em seguida, lançaram as redes novamente ao rio e acharam a cabeça que se encaixa direitinho no corpo da imagem. Após terem recolhido a imagem conseguiram grande quantidade de peixes e sentiram que o acontecido era um sinal dos céus. Os habitantes do lugar logo atribuíram o fato a um milagre da Virgem, que passaram a chamar Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Felipe Pedroso improvisou um altar em sua casa, no qual colocou a pequena imagem onde passaram a rezar o terço com toda a vizinhança. Em 1733, Felipe deu de presente a imagem a seu filho Atanásio Pedroso, que mandou construir um oratório. Logo depois, começaram a ocorrer prodígios extraordinários e a fama de Nossa Senhora Aparecida se espalhou. O número de peregrinos começou a aumentar de forma espetacular e a devoção se estendeu a todo o país.

O grito de independência
    O Brasil tornou-se independente sob a maternal proteção de Nossa Senhora Aparecida. D. Pedro, então Príncipe Regente, viajando do Rio de Janeiro para São Paulo, quis rezar diante da imagem da Aparecida. Prometeu-lhe consagrar o Brasil, caso resolvesse favoravelmente sua complicada situação política. Isto ocorreu no dia 22 de agosto de 1822. Quinze dias depois – a 7 de setembro, em São Paulo, na Colina do Ipiranga – nascia o Brasil independente, pelo brado histórico do Príncipe que se tornaria  o nosso primeiro Imperador com o nome de D. Pedro I.

Princesa Isabel e Virgem Aparecida
     A festa da Aparecida no ano de 1868 – até então celebrada em 8 de dezembro, dia da Imaculada Conceição,– encerrou-se com brilho especial. Com efeito, a Princesa Isabel, herdeira do trono brasileiro, quis dela participar ao lado de seu marido, o Conde d'Eu, na esperança de obterem da Senhora Aparecida a graça de um herdeiro. Para manifestar sua devoção, a Princesa doou à venerada Imagem um manto riquíssimo, ornado com vinte e um brilhantes, representando as vinte Províncias do Império mais a Capital. Anos depois, em 1884, Dona Isabel voltava a Aparecida em reconhecimento pela graça recebida. Feliz, vinha acompanhada não só do esposo, mas dos três herdeiros, os Príncipes D. Pedro, D. Luís e D. Antonio. A piedosa Princesa quis novamente honrar a milagrosa imagem da Senhora Aparecida oferecendo-lhe dessa vez uma riquíssima coroa de ouro, cravejada de brilhantes. Essa mesma coroa serviu, vinte anos depois, para a solene coroação da Imagem, por ordem do Papa São Pio X.

Rainha e Padroeira do Brasil
   Em 1903, os Bispos da Província Eclesiástica Meridional do Brasil, com vistas ao cinquentenário da proclamação do dogma da Imaculada Conceição, a transcorrer no ano seguinte, rogaram ao Santo Padre que mandasse coroar em seu nome a imagem de Nossa Senhora Aparecida.No dia 8 de setembro de 1904 reuniram-se em Aparecida oito Bispos e dois Abades, tendo à frente o Núncio Apostólico, D. Júlio Tonti, numerosos Sacerdotes e Freiras, autoridades civis e militares, além de uma grande multidão de fiéis procedentes dos mais recônditos rincões do território nacional. Após a Missa Solene celebrada pelo Núncio, o Bispo de Petrópolis, D. João B. Braga, proferiu vibrante sermão e leu a fórmula da Consagração do Brasil a Nossa Senhora Aparecida. O povo, de joelhos, ia repetindo. A seguir, o Bispo de São Paulo, D. José de Camargo Barros, cingiu a fronte da imagem com a coroa oferecida pela Princesa Isabel. Em 1930, atendendo ao sempre crescente aumento da devoção a Nossa Senhora Aparecida, e verificando as graças e favores insignes que Ela derramava sobre todo o País, o Papa Pio XI, a pedido dos Bispos brasileiros, a proclamou Padroeira do Brasil. Da capelinha improvisada, logo foi preciso outra maior, e depois outra, e hoje o Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida é a segunda maior igreja do mundo em área construída.

As graças e milagres continuam         
   A história de Aparecida tem o milagre na sua origem. Pinturas nas paredes da nave central da Basílica Velha representam de forma expressiva alguns dos primeiros milagres que se tomaram famosos. Essas graças e prodígios, entretanto, não cessaram com o correr do tempo. Maria Santíssima, de seu trono em Aparecida, continua ainda hoje a derramar sobre seus fiéis devotos chuvas de graças e bênçãos e a operar verdadeiros milagres.

A sacrílega profanação
   O Brasil se sentia tranquilo sob a proteção maternal da Senhora Aparecida. Talvez tranquilo demais, pois a decadência moral e religiosa dos últimos tempos –– que havia culminado com a introdução do divórcio em 1977 –– fazia temer que a Virgem Santíssima estivesse descontente com nosso País. Foi então que se deu um dos fatos mais graves de nossa História: no dia 16 de maio de 1978, durante a Missa vespertina, na Basílica Velha, um protestante fanático arrebatou de seu nicho a milagrosa imagem, jogando-a ao chão. Ela se partiu em mais de cento e sessenta fragmentos. A comoção em todo o Brasil foi enorme, e as pessoas piedosas procuraram oferecer atos de reparação por tamanha afronta à Padroeira, Nossa Senhora da Conceição Aparecida. A perfeita restauração da imagem foi mais um prodígio da Senhora Aparecida, desta vez pelas mãos de artistas e técnicos competentes.

Advertência materna
     Maria Santíssima permitiu a quebra da milagrosa imagem da Aparecida para nos alertar, a fim de que abandonemos o estado de indiferentismo religioso em que se encontra imerso nosso povo; deixemos o uso das modas imorais, que tanto ofendem a Deus e contristam a Virgem toda pura; renunciemos à assistência de novelas e filmes imorais; combatamos os costumes que dissolvem nossa sociedade; enfim, restauremos em toda a sua força a verdadeira família cristã. Para tanto, impõe-se um real afervoramento confiante da terna e enlevada devoção Àquela que é a nossa Advogada clemente e cheia de doçura, a Senhora da Conceição Aparecida, Mãe de Deus e Mãe nossa. Ergamos, então, nossa súplica à excelsa Padroeira: Senhora Aparecida, salvai o Brasil!
Hoje peregrinos de todo o país e do exterior chegam aos milhares ao seu majestoso santuário em Aparecida, especialmente no mês de outubro, quando se celebra, no dia 12, a festa oficial da Rainha e Padroeira do Brasil.

Fonte: SÁ FREIRE, Rita de Cássia Pinho França de - Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos: Títulos Orações e Devoções. Ed. Petrus: 2010. São Paulo.

Rita de Sá Freire – Associada da Academia Marial de Aparecida


sábado, 11 de outubro de 2014

A VIRGINDADE DE MARIA



           Conhecemos muito pouco sobre a adolescência de Maria. E tudo nos é dado pelos Evangelhos Apócrifos. O que nos provém dos Evangelhos Canônicos refere-se a seu encontro com o Anjo Gabriel.
           Distinguimos um fato que nos basta para adivinhar a sequência: trata-se do voto de virgindade que fizera e que ela refere ao Anjo, no início de sua visita, com uma entonação que pode parecer um pouco estranha.
           Isso indica um propósito amadurecido. E, se pudermos supor como esse seu desígnio é verdadeiro, genuíno, apesar dos seus quinze anos, devemos imaginar que ela era criança precoce tendo, bem cedo, sondado a existência, e percorrido, com sábia maturidade, as dimensões da vida.
           Para julgar esse propósito de se manter virgem e compreender a agudeza de espírito, convém lembrar a mentalidade dos Judeus em relação à virgindade.
          A primeira lei do Criador dirigida a todos os seres viventes era “Crescei e multiplicai-vos.”1 E o primeiro instinto do povo escolhido (que se confundia com o seu primeiro e principal dever) era o de se comportar como povo, garantindo a sobrevivência.
         A mulher judia não conhece maior maldição do que a esterilidade, sinal do desprezo de Deus por ela. E, como não é possível conceber uma nova geração sem a carne, o ser que não pode procriar é um ser diminuído, desprezado, privado da imortalidade temporal, tendo fracassado em sua missão.
         Nós temos dificuldade em compreender esta ideia mosaica, este modo de agir segundo a Antiga Lei, pois estamos impregnados do Cristianismo e nele não podemos deixar de projetar novas luzes sobre antigas sombras.
          O ato de se consagrar à virgindade dava a uma jovem judia a chance de ser escolhida para ser a mãe do Messias. As Escrituras demonstravam que o Messias nasceria de uma virgem. Porém, a verdade histórica não era essa.  O texto de Isaías “O Senhor vos dará um sinal: eis que uma almahn (=virgem) conceberá, e dará à luz um filho, e o seu nome será Emanuel” (Is 7,14), segundo o texto hebraico o termo refere-se a uma donzela, mesmo casada. Mas pelo texto em grego o termo usado é parthenos (=virgem), pela tradução grega da Septuaginta 2.
         Além do mais, se a Virgem Maria conhecesse a origem virginal, a pergunta que fez ao Anjo não conteria um sentido pleno: “Como vai ser isso, se eu não conheço homem algum?” (Lc 1,34) Ela teria se expressado de forma contrária: “Isso não será possível, porque eu não conheço homem!”
          Guardando a virgindade no casamento, a Virgem se excluia, voluntariamente, segundo as concepções comuns, da dignidade de ser a mãe do Messias. Tal ponto de vista, é concorde com o caráter de Maria, sua extrema humildade, e a escolha deliberada de se colocar, sempre, em último lugar. E nós podemos adivinhar, então, que, se Deus a escolheu, ela nada havia feito para provocar ou estimular essa escolha.
A virgindade à imagem do Deus único
           O que é a virgindade?
           Seria mais do que apenas a abstenção das relações sexuais. Se ela fosse constituída apenas por essa abstenção, seria suspeita e poderia se fundamentar sobre uma ideia de mácula, ligada ao próprio uso da carne. Presume-se que, na mentalidade judaica, tenha havido alguma ideia nesse sentido, semelhante àquela da mentalidade primitiva. Mas não se encontra nenhum entendimento de condenação do casamento humano de Maria, que honrou com sua presença as núpcias de Cana.
          Ela deveria conceber a virgindade como o mais vivo sinal de total consagração a Deus criador e ao seu espírito. Logo, o que existe de mais puro na tradição judaica é que Israel tinha Deus como o Ser que estava acima de toda a natureza; um Deus único, transcendente, irrepresentável, que não se pode designar com um simples nome.
          A Virgem sabia, igualmente, que nós fomos criados, homens e mulheres, à imagem e à semelhança de Deus. A experiência que ela havia tido de sua diferença em relação às outras mulheres em nada a engrandeceu, mas fez com que crescesse em seu coração um apelo à solidão.
          E quando ela percebeu que era uma mulher, e compreendeu a honrosa possibilidade de ser mãe, ideou renunciar à maternidade, para unir-se aos outros e a Deus. Como sugere o pensamento judaico sobre a oblação, a oferenda das primícias, o melhor uso que se pode fazer da melhor das coisas, é sacrificá-la. José e o voto de virgindade de Maria
         É preciso compreender que, numa sociedade em que a virgindade não era nem conhecida nem salvaguardada (pois nenhuma instituição a preservava, modelo algum a consagrava), o voto de Maria só poderia ser efetivado no casamento.    O matrimônio tornara-se, então, uma necessidade: ela só poderia cumprir o desígnio escolhido, na realização de suas núpcias: somente o casamento poderia constituí-la virgem.
          Porém, como este enlace não podia ser contra a sua vocação virginal, Maria supunha que aquele que lhe fora designado como esposo, pela família, compreenderia e respeitaria o seu ideal. Este ato de abandono era, então, igualmente, um ato de fé.
          Jean Guitton nos diz: “Eu presumo que os dois, José e Maria, eram jovens e plenamente conscientes, habitando o presente com inteira disponibilidade, sem conhecer o extraordinário futuro que os aguardava. Imagino José jovem, forte, silvestre e vivaz, assim como o pastor libanês descrito no Cântico dos Cânticos.”3
           Por que ele não teria amado? Nem obtido o retorno do amor? (...) Sem dúvida, José tinha o sentimento de afinidade com aquela jovem, e sentia a imensa superioridade dela sobre ele. O amor do homem é modelado conforme o amor da mulher, que é a silenciosa educadora do elã viril. Maria purifica e virginiza José, assim como virginizaria tantos jovens, com o seu sorriso, e a estirpe sacerdotal, que lhe deve a conservação do estado da virgindade viril, aqui na terra.
          José e Maria haviam renunciado à paternidade e à maternidade; eles não sabiam o que os cercava, em termos de fecundidade nesse sacrifício; eles não tinham como pressentir o Inominado, o Incompreensível que sobreviria, serenamente, entre os dois.
          E, no entanto, a união entre José e Maria, não se assemelhava a uma união fechada em si mesma, como se fosse uma clausura, um claustro para duas pessoas ou para uma, somente. Esta união seria dominada pela esperança. Devia haver entre os dois, o pressentimento de que um mundo novo nasceria da harmonia e da concordância entre ambos.” A Virgindade.
            Os dois primeiros capítulos dos Evangelhos de São Mateus e de São Lucas afirmam claramente que Maria concebeu Jesus sem intervenção de varão: “o que nela foi concebido vem do Espírito Santo”, disse o anjo a São José (Mt 1, 20); e a Maria, que pergunta “Como se fará isso, pois não conheço homem?”, o anjo lhe responde: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra...” (Lc 1, 34-35).
          Por outro lado, o fato de Jesus na Cruz entregar sua Mãe aos cuidados de São João supõe que a Virgem não tinha outros filhos. Que os Evangelhos mencionem em certos trechos os “irmãos de Jesus” pode explicar-se pelo uso do termo “irmãos” em hebraico com o sentido de parentes próximos (Gn. 13, 8; etc.).
Outra hipótese seria supor que São José tivesse filhos de um matrimônio anterior. Também podemos considerar que o termo “irmãos” foi usado no sentido de membro do grupo de crentes, tal como é comum no Novo Testamento (cf. At 1, 15). A igreja sempre acreditou na virgindade de Maria, e a chama de “sempre virgem”4 antes, durante e depois do parto.
          A concepção virginal de Jesus deve ser entendida como obra do poder de Deus “porque a Deus nenhuma coisa é impossível” (Lc 1,37). Foge a toda compreensão e poder humanos. Não tem relação alguma com as representações mitológicas pagãs em que um deus se une a uma mulher realizando o papel do homem, como nos mitos gregos.
           A concepção virginal de Jesus é uma obra divina no seio de Maria similar à Criação. Isso é impossível de aceitar para o não crente, como era para os judeus e pagãos, entre os quais se inventou histórias grosseiras acerca da concepção de Jesus, como a que a atribui a um soldado romano chamado Pantheras. Na verdade, esse personagem é uma ficção literária, sobre o qual se inventou uma lenda para zombar dos cristãos. Partindo do ponto de vista da ciência histórica e filológica, o nome Pantheras (ou Pandera) é uma corruptela que parodia a palavra grega parthénos (=virgem). As pessoas, que utilizavam o grego como língua de comunicação em grande parte do império romano do oriente, ouviam os cristãos falarem de Jesus como o Filho da Virgem (huiós parthénou), e quando queriam zombar deles, chamavam-no de “filho de Pantheras”.5 Tais histórias testemunham que a Igreja sustentava a virgindade de Maria, ainda que parecesse impossível.
            O fato de Jesus ter sido concebido virginalmente é um sinal de que Ele é verdadeiramente Filho de Deus por natureza — daí que não tenha um pai humano — e, ao mesmo tempo, verdadeiro homem nascido de mulher (Gl 4,4). Nas passagens evangélicas, mostra-se a absoluta iniciativa de Deus na história humana para o advento da Salvação. E também que esta se insere na própria história, como mostram as genealogias de Jesus.   Pode-se compreender melhor a Jesus, concebido pelo Espírito Santo e sem intervenção de homem, como o novo Adão que inaugura uma nova criação. A ela pertence o homem novo redimido por Cristo (1Cor 15,47; Jb 3,34).
            A virgindade de Maria é sinal de sua fé sem vacilações e de sua entrega plena à vontade de Deus. Inclusive diz-se que, por essa fé, Maria concebe a Cristo antes em sua mente que em seu ventre, e que “mais bem-aventurada, pois, foi Maria em receber Cristo pela fé do que em conceber a carne de Cristo. A consanguinidade materna, de nada teria servido a Maria, se Ela não se tivesse sentido mais feliz em acolher Cristo no seu Coração, que no seu seio”. 6    Sendo virgem e mãe, Maria é também figura da Igreja e sua mais perfeita realização.
Papa destaca valor da virgindade consagrada
              Bento XVI recorda que a virgindade consagrada “uma expressão particular de vida consagrada, que refloresceu na Igreja depois do Concílio Vaticano II, mas cujas raízes são antigas”. Radicam “nos inícios da vida evangélica quando, como novidade inaudita, o coração de algumas mulheres começou a abrir-se ao desejo da virgindade consagrada: ou seja, ao desejo de dar a Deus todo o próprio ser. Funda-se num simples convite evangélico – ‘quem puder compreender, que compreenda’ – e no conselho paulino sobre a virgindade pelo Reino de Deus. E contudo nele ressoa todo o mistério cristão”.
             Bento XVI nos ensina que, quando surgiu, este “carisma não se configurava com particulares modalidades de vida, mas foi-se depois institucionalizando, pouco a pouco, até chegar a uma verdadeira consagração pública e solene, conferido pelo Bispo mediante um sugestivo rito litúrgico que fazia da mulher consagrada a sponsa Christi, imagem da Igreja esposa”.

                                                                                                                                                                                       Por  Alexandre Martins, cm.

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1- (Gn 1,22) Na Versão original do grego, lê-se “sede fecundos, multiplicai-vos”.
2- versão da Bíblia hebraica para o grego koiné, traduzida entre o terceiro e o primeiro século a.C. em Alexandria (Egito). É a mais antiga tradução da bíblia hebraica para o grego, língua franca do Mediterrâneo oriental pelo tempo de Alexandre, o Grande. A tradução ficou conhecida como a Versão dos Setenta (ou Septuaginta, palavra latina que significa “setenta”), pois setenta e dois rabinos trabalharam nela e, segundo a história, teriam completado a tradução em setenta e dois dias. A Septuaginta foi usada como base para diversas traduções da Bíblia. A Septuaginta inclui alguns livros não encontrados na bíblia hebraica. Muitas bíblias da Reforma seguem o cânone judaico e excluem estes livros adicionais. Entretanto, católicos romanos incluem alguns destes livros em seu cânon e as Igrejas ortodoxas usam todos os livros conforme a Septuaginta. De grande significado para muitos cristãos e estudiosos da Bíblia, é citada no Novo Testamento e pelos Padres da Igreja. Recentes estudos acadêmicos troxeram um novo interesse sobre o tema nos estudos judaicos. Alguns dos pergaminhos do Mar Morto sugerem que o texto hebraico pode ter tido outras fontes que não apenas aquelas que formaram o texto massorético. Em vários casos, estes novos textos encontrados estão de acordo com a LXX.

Fontes:
3- GUITTON, Jean, La Vierge Marie, pág. 30, Editions Montaigne.
4- Constituição Dogmática Lumen Gentium, 52
5- VARO, Francisco. Rabí Jesús de Nazaret, B.A.C., Madrid, 2005, págs. 212-219.
6- s. Agostinho de Hipona, citado pela Exortação Apostólica “Signum Magnum” de Paulo VI, 10.
7- Disponível em http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?id=60134. Acesso em 02/03/2011


sábado, 4 de outubro de 2014

MARIA NOVA EVA


    Deus Pai, para dar a Maria o poder de produzir o seu Filho e todos os membros do seu Corpo Místico, comunicou-lhe a sua fecundidade, na medida em que uma simples criatura a podia receber. Deus Filho e Maria Como o novo Adão ao seu Paraíso Terrestre, assim desceu Deus Filho ao seio virginal de Maria para aí achar as suas delícias e operar, às escondidas, maravilhas de graça.
   O Deus feito homem encontrou a sua liberdade em se ver aprisionado no seio d'Ela; fez brilhar a sua força, deixando-se levar por essa jovem Virgem. Achou a sua glória, e a de seu Pai, escondendo os Seus esplendores a todas as criaturas da Terra, para só os revelar a Maria; glorificou a sua independência e majestade dependendo desta amável Virgem na sua concepção, nascimento, apresentação no templo, na sua vida oculta de trinta anos e, até, na sua morte. Maria devia assistir a essa morte, porque Jesus quis oferecer com Ela um mesmo sacrifício e ser imolado ao Eterno Pai com seu assentimento, como outrora Isaac também fora imolado à vontade de Deus pelo consentimento de Abraão. Foi Ela que o amamentou, nutriu, sustentou, criou e sacrificou por nós.

 São Luís Maria Grignion de Montfort