sábado, 16 de maio de 2015

SÍNTESE SOBRE MARIA


Quando chegou a plenitude dos tempos, mandou o seu Filho, nascido de mulher… para que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4,4-5). Constantemente na história da salvação, Deus manifesta o seu amor de Pai junto a seu povo. O amor é revelado por meio de uma eleição: uma jovem é separada para que por meio dela o Filho de Deus pudesse assumir a humanidade decaída com o pecado. Assim como por meio de uma mulher (Eva), o pecado “entrou” no mundo, Deus separa uma mulher para que por meio dela chegue a Salvação: dá-se uma nova criação. Há um novo Adão e, do seu lado é tirada a mulher, a nova Eva; um novo povo é constituído.
Maria é a Mulher do sim. O sim dado ao Amor. A obediência dada por amor. A entrega dada no amor. Desta maneira, Maria tem uma grande importância na história da salvação e na vida de muitos cristãos e sua figura é tradicionalmente reconhecida na Igreja Católica.
                                                                         por  Pe. Jair Cardoso Alves Neto

 MARIA NO NOVO TESTAMENTO

Certamente, a Virgem tem na Bíblia um lugar discreto. Ela aí é representada toda em função de Cristo e não por si mesma. Mas sua importância consiste na estreiteza de seus laços com Cristo.
Maria está presente em todos os momentos de importância fundamental na história da salvação: não somente no princípio (cf. Lc 1 – 2) e no fim (cf. Jo 19,27) da vida de Cristo, mistérios da Encarnação e da morte redentora, mas na inauguração de seu ministério (cf. Jo 2) e no nascimento da Igreja (cf. At 1,14). Presença discreta, na maior parte das vezes, silenciosa, animada pelo ideal de uma fé pura, e de um amor pronto a compreender e a servir aos desejos de Deus e dos homens (cf. Lc 1,38-39.46-56; Jo 2,3) (BOFF, 2004).
Esta presença revela seu sentido total, e com toda a Escritura se a recolocarmos nos grandes quadros e correntes da teologia bíblica onde eles se situam, Maria aparece no término da história do povo eleito como correspondente de Abraão: Ela se apossa, pela fé, da promessa que ele havia recebido na fé. Ela é o ponto culminante onde o povo eleito dá nascimento a seu Deus e se torna a Igreja. Se alagarmos a perspectiva da história de Israel à história cósmica, segundo as insinuações de João e de Lucas, se compreendermos que Cristo inaugura uma nova criação, Maria aparece no início da salvação, como restauração de Eva: Ela acolhe a promessa de vida onde a primeira mulher havia acolhido a palavra de morte e se torna perto da nova árvore da vida a mãe dos vivos (LAURENTIN, 1965).
Referência Bibliográfica: PRESBÍTEROS - UM SITE DE REFERÊNCIA PARA O CLERO CATÓLICO; file:///D:/maria%20marta/documento/Virgem%20Maria/S%C3%ADntese%20de%20Mariologia%20%C2%AB%20Presb%C3%ADteros.htm
ALVAREZ, Carlos G. Maria Discípula e Mensageira do Evangelho. São Paulo: Paulus, 2005. (Coleção do Celam).



sábado, 9 de maio de 2015

A LADAINHA DE LORETO E A ORIGEM DAS LADAINHAS



   A palavra “ladainha” vem do grego e significa “súplica”. Mas desde o início da Igreja ela foi utilizada para indicar não quaisquer súplicas, mas as que eram rezadas em conjunto pelos fiéis que iam em procissão às diversas igrejas. Há, naturalmente, numerosas ladainhas, dependendo do que é pedido nas diversas procissões.
 Quando a casa na qual morou Nossa Senhora na Palestina foi transportada milagrosamente para a cidade de Loreto (Itália), em 1291, a feliz novidade espalhou-se rapidamente, dando início a numerosas peregrinações. Com o correr do tempo, uma série de súplicas a Nossa Senhora foi sendo composta pelos peregrinos que ali iam, os quais A invocavam por seus principais títulos de glória. Posteriormente essa ladainha era cantada diariamente no Santuário, e os peregrinos que de lá voltavam a popularizaram em todo o orbe católico. Chama-se “lauretana” por ter sua origem em Loreto.
  Algumas invocações têm sido acrescentadas pelos Papas ao longo dos tempos, outras são agregadas para honrar a proteção de Nossa Senhora a alguma Ordem religiosa, como fazem os carmelitas, os quais rezam a ladainha “lauretana-carmelitana”, com quatro invocações a mais. Mas o corpo central das ladainhas permanece o mesmo.
   A Ladainha Lauretana ou Ladainha da Santíssima Virgem foi composta quando há pouco se encerrava a Idade Média. Guarda esse nome devido à aprovação do Papa Sixto V, no ano de 1587, dada à ladainha habitualmente utilizada pelos fiéis que frequentavam a Santa Casa de Loreto. Com essa aprovação, as demais ladainhas acabaram por ser suprimidas. Alguns dos títulos que constam atualmente foram acrescentados solenemente à ladainha original por uma série de Papas ao longo da história.

A Ladainha da Santíssima Virgem segue a seguinte estrutura:
   Maria, a santa: Primeira parte é composta por três avocações* que destacam: a santidade de Maria como pessoa, seu papel como Mãe (genitora) de Jesus Cristo e sua vocação como virgem.
Maria, a mãe: Segunda parte composta por doze avocações referentes à maternidade de Maria.
Maria, a virgem: Terceira parte formada por seis títulos honra Maria como virgem, tratando não só de seus méritos como tal, mas também da eficácia de sua virgindade.
Símbolos de Maria: Depois se seguem treze avocações simbólicas, em sua maioria retirados do Antigo Testamento, e referentes a Nossa Senhora, evidenciando suas virtudes e seu papel como corredentora da humanidade.
Maria, a Intercessora: Os quatros títulos seguintes exaltam o papel de Maria como intercessora nas obras de misericórdia espirituais e corporais.
Maria, a Rainha: E no último trecho da ladainha exaltamos por meio de treze títulos Maria como Rainha.

Composição da Ladainha
    No início da Ladainha Lauretana, as invocações não se dirigem a Nossa Senhora, mas a Nosso Senhor e à Santíssima Trindade, pois dizemos Senhor, tende piedade de nós, Jesus Cristo, ouvi-nos, etc. Depois invocamos o Padre Eterno, o Filho e o Espírito Santo.

Por quê?
   Tudo em Nossa Senhora nos conduz a seu divino Filho, e por meio d'Ele à Santíssima Trindade, que é nosso fim último. Isto é algo que os protestantes não entendem ou não querem entender: Maria Santíssima é o melhor caminho para se chegar a Deus.
Após essa introdução da ladainha, seguem-se três invocações, nas quais pronunciamos o nome da Virgem (Santa Maria) e lembramos dois de seus principais privilégios: o ser Mãe de Deus e Virgem das virgens. A seguir, há um grupo de 13 invocações para honrarmos a Maternidade de Nossa Senhora, e outras seis para honrar sua Virgindade. Em seguida, 13 figuras simbólicas; quatro invocações de sua misericórdia e, finalmente, 12 invocações d'Ela enquanto Rainha gloriosa e poderosa.
   Em geral, é no grupo das 13 invocações com figuras simbólicas que surgem as maiores dificuldades de compreensão. Nossa civilização fechou-se para o simbolismo, e aquilo que poderia ser até evidente em outras épocas, hoje ficou obscurecido pelo exclusivismo concedido ao espírito prático. A própria vida contemporânea contribui para isto. Assim, por exemplo, como explicar ou ressaltar, a pessoas que ficam fechadas em cidades feias e perigosas, a beleza de uma estrela? Igualmente, o ritmo de vida corrida e excitante de hoje não favorece a meditação ou a contemplação das maravilhas da criação.

Vejamos então o significado destas 13 invocações simbólicas.
Espelho de Justiça — Justiça, aqui, entende-se em seu sentido mais amplo de santidade. Nossa Senhora é chamada assim, porque Ela é um espelho da perfeição cristã. Toda perfeição pode ser admirada nEla, do mesmo modo como podemos admirar uma luz refletida na água.
Sede da Sabedoria — Nosso Senhor Jesus Cristo é a Sabedoria, pois, enquanto Deus, tudo sabe e tudo conhece. Ora, Nossa Senhora durante nove meses encerrou dentro de si seu divino Filho; Ela foi, portanto, a sede da Sabedoria. E continua a sê-lo, pois é nEla que encontramos infalivelmente a Nosso Senhor.
Causa de Nossa Alegria — a verdadeira alegria não é o riso. Rir muito nem sempre significa felicidade. É muito mais feliz a mãe carregando amorosamente seu filho do que um papalvo que ri à-toa. E a maior alegria que um homem pode ter é a de salvar-se e estar com Deus por toda a eternidade. Ora, antes da vinda de Nosso Senhor, o Céu estava fechado para nós. Foi o sacrifício do Calvário que nos reconciliou com o Criador e nos proporcionou a verdadeira e eterna felicidade. Como foi por meio de Nossa Senhora que o Redentor da humanidade veio à Terra, Maria Santíssima é, pois, a causa de nossa maior alegria.
Vaso Espiritual — Nada tem mais valor do que a verdadeira Fé. Na Paixão e Morte de Nosso Senhor, quando até os Apóstolos duvidaram e fugiram, foi Nossa Senhora quem recolheu e guardou, como num vaso sagrado, o tesouro da Fé inabalável.
Vaso Honorífico — Em nossa época, a honra quase não é considerada. Pelo contrário, muitas vezes a falta de caráter e a sem-vergonhice são louvadas. Mas a honra e a glória, na realidade, valem muito. E Nossa Senhora guardou cuidadosamente em sua alma todas a graças recebidas, e manteve a honra do gênero humano decaído. Se não tivesse existido Nossa Senhora, ficaria faltando na criação quem representasse a perfeição da criatura, fiel até o extremo heroísmo.
Vaso Insigne de Devoção — Devoto quer dizer dedicado a Deus. A criatura que mais se dedicou e viveu em função de Deus foi Nossa Senhora, tendo-o realizado de forma tal, que melhor é impossível.
Rosa Mística — A rosa é a rainha das flores. É aquela que possui de forma mais definida e esplêndida tudo quanto carateriza uma flor. Igualmente Nossa Senhora, no campo da vida espiritual ou mística, possui de forma mais primorosa tudo aquilo que representa a perfeição.
Torre de Davi — Lemos na Sagrada Escritura que o rei Davi tomou a fortaleza de Jerusalém dos jebuseus e edificou a cidade em torno dela. "E Davi habitou a fortaleza, e por isso se chamou cidade de Davi" (Paralipômenos, 11-7). Naturalmente, o rei Davi fortificou a cidade, para torná-la inexpugnável, e a dotou de forte guarnição. A Igreja Católica é a nova Jerusalém, e nela temos uma torre ou fortaleza que nenhum inimigo pode invadir ou destruir, que é Nossa Senhora. Ela constitui o ponto de maior resistência e melhor defesa. Por isso, nesta invocação honramos a Nossa Senhora reconhecendo que nunca houve, nem haverá, quem melhor proteja os fiéis e defenda a honra de Deus do que Ela.
Torre de Marfim — O marfim é um material que tem caraterísticas raras na natureza. Ele é ao mesmo tempo muito forte e muito claro. Igualmente Nossa Senhora é muito forte espiritualmente, a maior inimiga dos inimigos de Deus, e de uma pureza alvíssima. Assim Ela contraria a ideia falsa de que as coisas de Deus devam ser sempre muito doces, suaves e fracas, ou que a verdadeira força têm-na os impuros.
Casa de Ouro — O ouro é o mais nobre dos metais. Por isso, sempre que desejamos dar alguma coisa que seja insuperável, a oferecemos em ouro — uma medalha de ouro numa competição, por exemplo. Se tivéssemos que receber o próprio Deus, procuraríamos fazê-lo numa casa que não fosse superável, neste sentido uma casa de ouro. E a Virgem Santíssima é a casa de ouro que acolheu Nosso Senhor quando veio ao mundo.
Arca da Aliança — No Antigo Testamento, na Arca da Aliança ficavam guardadas as tábuas da lei dadas por Deus a Moisés e um punhado do maná recebido milagrosamente no deserto. Por isso ela lembrava as promessas e a proteção de Deus. Nossa Senhora é, no Novo Testamento, a Arca da Aliança que protege o povo eleito da Igreja Católica e lembra as infinitas misericórdias de Deus.
Porta do Céu — Nossa Senhora é invocada desse modo, pois foi por meio dEla que Jesus Cristo veio à Terra, e é por Ela que nos vêm todas as graças, as quais têm como finalidade nos levar ao Céu, nossa morada eterna. Assim, Ela favorece nossa entrada no Céu, como a porta favorece a entrada num local.
Estrela da Manhã — Pouco antes de nascer o sol, quando a escuridão é maior e vai começar a clarear, aparece no horizonte uma estrela de maior luminosidade. Depois, quando as outras estrelas desaparecem na claridade nascente, ela ainda permanece. Assim foi Nossa Senhora, pois seu nascimento significava que logo nasceria o Sol de Justiça, Nosso Senhor Jesus Cristo. E quando a Fé se perdia até entre o povo eleito, Ela continuava a acreditar e esperar. Ela é o modelo da perseverança na provação e o anúncio da Luz que virá.
   Temos assim, resumidamente, algumas explicações das invocações da Ladainha Lauretana.  Esperemos que a compreensão delas nos ajude a rezar com maior fervor tão meritória oração.

1- Damino, André, in “Na escola de Maria”, Ed. Paulinas, 4ª edição, São Paulo, 1962.
*- s.f. Ação ou efeito de avocar. Chamamento da causa a outro juízo.



sábado, 2 de maio de 2015

A OBEDIÊNCIA DE MARIA


   Com o pecado de nossos primeiros pais e sua expulsão do Paraíso, fruto de sua desobediência, Deus deixou para eles, no momento da maldição, a esperança de que pela raça da mulher seria esmagada a cabeça da serpente (cf. Gn 3,15). Em sua infinita Bondade, quis Deus reforçar aos homens essa sua promessa, através do profeta Isaías: “Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o seu nome será Deus Conosco” (Is 7,14)[1]. Quem seria esta mulher misteriosa que esmagaria a cabeça da serpente e que, num paradoxo humanamente irreconciliável, conceberia permanecendo sempre virgem, conforme a profecia de Isaías?
   Esta mulher, que a Santa Igreja proclama Mãe Puríssima e Virgem Gloriosa, ao anúncio de que conceberia o Filho do Altíssimo pela virtude do Espírito Santo sem conhecer homem algum (Cf. Lc 1,28-37), e certa de que “a Deus nenhuma coisa é impossível” (Cf. Lc 1,37)[2], realizou “da maneira mais perfeita a obediência da fé”[3], de que nos fala São Paulo (cf. Rm 1,5), quando disse: “Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Cf. Lc 1,38).[4]
   Deste modo, com seu consentimento, abraçando de todo o coração a vontade divina de salvação, Maria tornou-se Mãe de Jesus e “consagrou-se totalmente, como escrava do Senhor, à pessoa e obra de seu Filho”, para servir, na dependência d’Ele e com Ele, pela graça de Deus, ao Mistério da Redenção.[5] “Com razão, pois, os Santos Padres estimam Maria não como um mero instrumento passivo, senão como uma cooperadora da salvação humana, pela livre fé e obediência”.[6]
  Assim, comenta Santo Irineu: “o nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria. O que uma fez por incredulidade o desfez a outra pela fé”.[7] A este respeito, é interessante notar, com um autor francês, o modo como Deus transmitiu Sua vontade a ambas, sendo muito mais claro, incisivo e categórico com relação a Eva, o que não era necessário a Maria, porquanto sabia entender a vontade divina mesmo sem um mandato expresso, o que é o mais alto grau de obediência, como vimos no capítulo precedente:[8]
“No Paraíso Terrestre, o próprio Deus fez à primeira Eva uma proibição expressa, com a ameaça de uma terrível sanção: “Não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque, em qualquer dia que comeres dele, morrerás indubitavelmente” (Gn 2, 17)[9]. Contudo, a infortunada mãe dos homens desobedeceu a seu Criador.
   “A Maria, pelo contrário, por seu mensageiro celeste, Deus Se limita a exprimir um desejo do qual Ela poderia eximir-Se sem incorrer em sua maldição: “Achaste graça diante de Deus; eis que conceberás no teu seio e darás à luz um filho, a Quem colocarás o nome de Jesus” (Lc 1, 30-31).[10] Ora, se vemos a doce Virgem ficar atônita por um instante, não é pela hesitação diante da vontade de Deus, pois somente sua incomparável humildade e delicada pureza A fazem temer a insigne honra da maternidade divina.[11]“.

2. A obediência de Maria em algumas passagens bíblicas
   E assim, toda a vida de Maria não foi senão um contínuo descobrir a vontade de Deus para submeter-se pronta e docilmente a ela. E se é verdade que “a obediência de Maria inspirou a concepção do Verbo de Deus; a obediência de Maria presidirá também ao nascimento do Salvador dos homens”[12] e à sua infância.
Assim, junto a São José, seu castíssimo esposo, observa-se Maria obedecendo ao decreto de recenseamento promulgado por César Augusto (Lc 2,2-5), sofrendo com humildade e sem reclamar o infortúnio de não encontrar uma porta aberta para abrigar sua pobreza, chegando a se refugiar num estábulo, onde se completou o grande mistério de amor. Tudo isto porque via naquela provação a manifestação da vontade divina.[13] Ali, na mais absoluta privação, “Maria obedece sempre e, sussurrando o “Fiat” da Encarnação, embala seu recém-nascido”.[14]
   Quarenta dias após o nascimento de Jesus, a voz de Deus fala novamente a Maria convidando-A a apresentar-se no Templo para purificar-Se. Mas, sendo Virgem Imaculada, cuja maternidade milagrosa não tinha sequer resquício da mancha do pecado original, como poderia essa lei de purificação atingi-la? “Pouco importa! Deus falou, Maria obedece e Se junta às outras mães, para compartilhar a humilhação”.[15] Nesta passagem (Lc 2,21-24), contempla-se Maria obediente às prescrições da Lei judaica; Ela, que não necessitava de uma purificação legal, como explica Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias:
   “porque concebida sem pecado original, virginalíssima, não tendo esposo homem, a não ser esposo Deus, estava por cima da Lei completamente. [...] E que sentido tem a Mãe entregar para Deus aquilo que é de Deus? É de Deus, pois Ele, Jesus, é Filho de Deus. Não tinha sentido Ela ir no Templo para isso. Entretanto Ela quer cumprir a Lei, e Ela quer cumprir nas minúcias. E chega ao Templo e coloca o Menino Jesus nas mãos de Simeão. E, portanto, Ela entrega a Deus o que é de Deus e sabe perfeitamente o que significa aquele gesto; aquele gesto significa que Ela está entregando o Menino Jesus para a Cruz. Porque quem recebe o Menino Jesus nesse momento é Simeão, mas mais tarde no Calvário, quem estará com os braços abertos para receber não mais o Menino Jesus, mas o próprio Filho de Deus feito homem, todo chagado, é a Cruz. A Cruz está de braços abertos.
   “Então, este ato é um ato que Ela cumpre porque quer ser obediente, mas cumpre com toda a compreensão da grande perspectiva que tem diante de si. E nós vemos então Nossa Senhora, nesse ato, ressaltando uma virtude extraordinária que é a virtude da obediência.[16]“
   Mas sua obediência não se limitava somente à lei judaica. “Ela praticou, igualmente, a obediência perfeita a todos os mandamentos, acompanhada da mais generosa prontidão em seguir todos os conselhos e inspirações do Espírito Santo”.[17] E quando Maria pensava prodigalizar a seu Divino Filho todas as efusões de sua ternura, aparece novamente o Anjo do Senhor, comunicando a ordem de partir para o Egito, pois Herodes, o cruel tirano, tramara a morte de Jesus (cf. Mt 2,14). “É o exílio, com suas incertezas e seus perigos. Maria, entretanto, não cessa de obedecer: repetindo seu ‘Fiat’, Ela aperta a seu coração angustiado o doce Salvador do mundo e foge a toda pressa para a terra do Egito”.[18]
Assim se deu até o início da vida pública de seu Filho, quando podemos ouvi-La intercedendo em favor dos esposos que passavam por um grande apuro, pela falta de vinho nas bodas de Caná, com palavras que servirão de recomendação desta virtude para todos os séculos: “Fazei o que ele vos disser” (Jo 2,5).[19].

3. O maior título de glória de Maria: o elogio de Jesus à Sua obediência
   O Evangelho narra ainda dois episódios, com vários aspectos semelhantes entre si, em que o valor da obediência de Nossa Senhora é exaltado de forma extraordinária pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo. Esta glorificação de sua submissão à vontade divina é sobretudo esplendorosa tendo-se presente que “o dogma mais importante da Virgem Maria é sua maternidade divina”.[20]
   O primeiro dos dois fatos, narrado por Lucas, deu-se numa ocasião em que, após Jesus ter curado um possesso, os fariseus passaram a acusá-Lo de fazer milagres em nome de Belzebu. O Divino Mestre estava rebatendo vitoriosamente essa blasfema calúnia quando, de súbito, uma mulher brada do meio da multidão que o escutava: “Bem-aventurado o ventre que Te trouxe, e os peitos que Te amamentaram” (Lc 11,27).[21] Nosso Senhor Jesus Cristo, porém, com palavras que ressaltam o valor da obediência, retrucou: “Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 11,28).[22]
   Para uma pessoa com pouca instrução teológica poderia parecer, à primeira vista, que Nosso Senhor não prestou a honra e homenagem devidas à Sua Mãe. Entretanto,
“…nessa resposta, de fato, Nosso Senhor proclamou para todas as gerações que a Virgem Maria seria glorificada não tanto por seus privilégios e sua dignidade de Mãe de Deus, quanto por haver ouvido e praticado integralmente a palavra e as ordens de Deus. Ter tomado como lei a vontade divina e cumprido com fidelidade e à custa de todos os sacrifícios os desígnios do Pai Celeste, eis — como disse Santo Agostinho — o mais belo título de glória de Maria.[23]“
   Ouvir a palavra de Deus e pô-la em prática é, evidentemente, obedecer, como explica Stöger: “obedecer significa escutar a manifestação da vontade de outrem ([...] αχουειν, υπαχουειν) e dar-lhe resposta”.[24] Portanto, estas palavras do Divino Salvador patenteiam que Nossa Senhora era mais feliz por ser obediente, escutando a palavra de Deus e pondo-a em prática, do que propriamente pela sua dignidade de Mãe de Deus, o que significa uma magnífica exaltação do valor da obediência praticada por Maria Santíssima. Para corroborar o sobredito, é oportuno colher nos Santos Evangelhos mais um episódio descrito por Mateus, em seu capítulo 12, versículos 46-50, que ilumina inteiramente os comentários acima aportados: “Jesus falava ainda à multidão, quando veio sua mãe e seus irmãos e esperavam do lado de fora a ocasião de lhe falar. Disse-lhe alguém: “Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem falar-te”. Jesus respondeu: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?” E, apontando com a mão para os seus discípulos, acrescentou: “Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.[25]“
   Entretanto, há uma preciosidade a mais. Depois de uma vida inteira de obediência, contempla-se, por fim, o momento de cumprir-se a profecia de Simeão: “uma espada transpassará tua alma” (Cf. Lc 2,35).[26] Assim como Maria apresentara-se obediente no Templo, levando o Terno Infante em seus braços, num ato supremo de obediência à vontade divina Ela também O oferecerá voluntariamente como Vítima no altar da Cruz, a fim de que seja operada a Redenção do gênero humano.
   “Deus falou, é preciso que Jesus, o inocente Filho de Maria, derrame seu sangue pela redenção do mundo. Ah! Desta vez ouviremos subir do Coração de Maria, de seu Coração de Mãe, um grito de revolta? Não. Maria permanece de pé junto à Cruz e, enquanto Jesus geme em amargo pranto, Ela cala-Se, com o coração transpassado de dor, e derrama em silêncio lágrimas de sangue. Inclinando a cabeça, Jesus expira, obedecendo até a morte de cruz, e ao mesmo tempo Maria, obediente e resignada, inclina também sua cabeça sobre seu coração quebrantado.
   “Ó heroica obediência de nossa Mãe, que exemplo e que lição destes aos cristãos de todos os séculos![27]“
   Pela obediência à vontade divina, Nossa Senhora cooperou real e imediatamente com seu Filho na grandiosa obra da Redenção dos homens, reparando aos pés da Cruz o pecado da desobediência de Adão e Eva perante a justiça divina, e merecendo, em união com Ele, todas as graças da Redenção. Quis Deus Pai que, ao Sangue derramado por seu Filho, fossem unidas as lágrimas de Maria como preço deste resgate, apesar de per se não ser absolutamente necessário. Em uma palavra: “Na economia da salvação, não há um Corredentor e uma Corredentora, mas um só Redentor e uma Corredentora. Neste sentido, pode-se dizer que a cooperação da Virgem é parte integral de nossa Redenção”.[28] Como disse o bem-aventurado Papa João Paulo II,
   “…Maria, a Mãe de Deus, é modelo para a Igreja [...]. Por sua adesão incondicional à vontade divina que lhe foi revelada, torna-se Mãe do Redentor, com uma participação íntima e toda especial na história da salvação. [...] Ao confessar-se serva do Senhor (Lc 1,38) e ao pronunciar o seu sim, acolhendo “em seu coração e em seu seio” o mistério de Cristo Redentor, Maria não foi instrumento meramente passivo nas mãos de Deus, mas cooperou na salvação dos homens com fé livre e inteira obediência. Sem nada tirar ou diminuir e nada acrescentar à ação daquele que é o único Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, Maria nos aponta as vias da salvação, vias que convergem todas       para Cristo, seu Filho, e para a sua obra redentora.[29]“
    Por esta razão, a tradição dos Padres da Igreja colocam Nossa Senhora como protótipo e modelo de obediência para todos os cristãos.

4. O exemplo de Maria na Igreja primitiva
   Em geral, “na patrística dos primeiros séculos se recolhe e desenvolve o paralelismo que estabeleceu São Paulo entre Adão e Cristo, tal como a referência a Maria, com relação a Eva, sob o aspecto da obediência”.[30] Durante o segundo e terceiro séculos, “São Justino, Santo Irineu e Tertuliano insistem sobre o paralelo entre Eva e Maria e mostram que, se a primeira concorreu para a nossa queda, a segunda colaborou na nossa redenção”.[31] Santo Irineu, por exemplo, afirmava que
   “…como Eva, seduzida pelas palavras do anjo (rebelde) se desviou de Deus e traiu a palavra dada, assim Maria ouviu do Anjo a boa nova da verdade e trouxe Deus em seu ventre por ter obedecido às suas palavras [...] O gênero humano acorrentado por uma virgem e libertado por uma virgem [...]; a prudência da serpente cede à simplicidade da pomba; foram quebrados os laços que nos prendiam à morte.[32]“
Pe. Flávio Roberto Lorenzato Fugyama, EP

  Trecho extraído da monografia “A obediência na escola espiritual de Plinio Correa de Oliveira”.

FONTES: ACADEMICO ARAUTOS,
 [4] “Ecce ancilla Domini; fiat mihi secundum verbum tuum”.
[5] “Ita Maria filia Adam, verbo divino consentiens, facta est Mater Iesu, ac salvificam voluntatem Dei, pleno corde et nullo retardata peccato, complectens, semetipsam ut Domini ancillam personae et operi Filii sui totaliter devovit, sub Ipso et cum Ipso, omnipotentis Dei gratia, mysterio redemptionis inserviens”. CONCÍLIO VATICANO II. Lumen Gentium. Constituição Dogmática sobre a Igreja, 21 nov. 1964. In: AAS 57 (1965) 56. p. 60. (Tradução do autor).
[6] “Merito igitur SS. Patres Mariam non mere passive a Deo adhibitam, sed libera fide et oboedientia humanae saluti cooperantem censent”. Loc. cit.
[7] “Sic autem et Evae inobedientiae nodus solutionem accepit per obedientiam Mariae. Quod enim alligavit virgo Eva per incredulitatem, hoc virgo Maria solvit per fidem”. (Contra Haereses, 3, 22, 4. In: MIGNE, J. P. Patrologiae Cursus Completus: Patrologiae Grecae. Turnholt: Typographi Brepols Editores Pontificii, 1857. Vol. 7. p. 959-960).
[8] Ver 1.2.1. deste trabalho.
[9] “De ligno autem scientiae boni et mali ne comedas; in quocumque enim die comederis ex eo, morte morieris”.
[10] “Ne timeas, Maria; invenisti enim gratiam apud Deum. Et ecce concipies in utero et paries filium et vocabis nomen eius Iesum”.
[11] A OBEDIÊNCIA: O MAIS BELO TÍTULO DE GLÓRIA DE MARIA. In: Arautos do Evangelho. São Paulo: [s.n.], n. 53, maio. 2006. p. 34. Artigo publicado originariamente em “L’Ami du Clergé Paroissial”. [s.l.]: [s.n.], 1905, p. 529-530.
[12] A OBEDIÊNCIA: O MAIS BELO TÍTULO DE GLÓRIA DE MARIA. In: Op. cit. p. 35.
[13] Cf. Loc. cit.
[14] Cf. Loc. cit.
[15] Cf. Loc. cit.
[16] CLÁ DIAS, João Scognamiglio. A obediência, virtude que mais custa e que é a mais bela!: Homilia. São Paulo, 29 dez. 2007. (Arquivo ITTA-IFAT).
[17] GARRIGOU-LAGRANGE, Réginald. La Mère du Sauveur et notre vie intérieure. Paris: Du Cerf, 1948. p. 144-147. Apud CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição comentado. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2011. Vol. 2. p. 226.
[18] A OBEDIÊNCIA: O MAIS BELO TÍTULO DE GLÓRIA DE MARIA. In: Op. cit. p. 35.
[19] “Quodcumque dixerit vobis, facite”.
[20] Cf. BANDERA, Armando. In: RODRIGUEZ VILLAR, Idelfonso. Conoce a tu Madre. Madrid: BAC, 1968. p. 89. Diz Roschini que este dogma é “o primeiro alicerce sobre o qual se levanta o edifício da grandeza mariana. É este um fato que excede de tal modo a força cognoscitiva do homem que deve ser enumerado entre os maiores mistérios de nossa fé. Que uma humilde mulher, descendente de Adão como nós, se torne Mãe de Deus, é um mistério tão sublime de elevação do homem e de condescendência divina, que deixa atônita qualquer inteligência, angélica ou humana, no século e na eternidade” (ROSCHINI, Gabriel M. Instruções Marianas. São Paulo: Paulinas, 1960. p. 42). Com efeito, “todos os títulos e grandezas de Maria dependem do fato colossal de sua maternidade divina. Maria é imaculada, cheia de graça, Co-redentora da humanidade, Rainha dos Céus e da Terra e Medianeira universal de todas as graças, etc., porque é a Mãe de Deus. A maternidade divina A coloca a tal altura, tão acima de todas as criaturas, que São Tomás de Aquino, tão sóbrio e discreto em suas apreciações, não hesita em qualificar sua dignidade como sendo de certo modo infinita. E seu grande comentarista, o Cardeal Caietano, diz que Maria, por sua maternidade divina, alcança os limites da divindade. Entre todas as criaturas, é Maria, sem dúvida alguma, a que tem maior afinidade com Deus”. (ROYO MARÍN, Antonio. Teología de la Perfección Cristiana. Madrid: BAC, 1968, p. 89).
[21] “Beatus venter, qui te portavit, et ubera, quae suxisti”.
[22] “Quinimmo beati, qui audiunt verbum Dei et custodiunt”.
[23] A OBEDIÊNCIA: O MAIS BELO TÍTULO DE GLÓRIA DE MARIA. In: Op. cit. p. 34.
[24] STÖGER, A. Obediência: I. Na Sagrada Escritura. In: FRIES, Heinrich. Dicionário de Teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. São Paulo: Loyola, 1970. Vol. 4. p. 29.
[25] “Adhuc eo loquente ad turbas, ecce mater et fratres eius stabant foris quaerentes loqui ei. Dixit autem ei quidam: ‘Ecce mater tua et fratres tui foris stant quaerentes loqui tecum’. At ille respondens dicenti sibi ait: ‘Quae est mater mea, et qui sunt fratres mei?’. Et extendens manum suam in discipulos suos dixit: ‘Ecce mater mea et fratres mei. Quicumque enim fecerit voluntatem Patris mei, qui in caelis est, ipse meus frater et soror et mater est’”.
[26] “tuam ipsius animam pertransiet gladius”.
[27] A OBEDIÊNCIA: O MAIS BELO TÍTULO DE GLÓRIA DE MARIA. In: Op. cit. p. 35.
[28] ROSCHINI, Gabriel M. Op. cit. p. 85-86. Id. A Mãe de Deus segundo a fé e a teologia. Madrid: [s.n.], 1955. p. 474-475. Apud ROYO MARÍN, Antonio. La Virgen María: Teología y espiritualidad marianas. Madrid: BAC, 1968. p. 152-153.
[29] Cf. JOÃO PAULO II. Homilia na Dedicação da Basílica Nacional de Aparecida. In: Pronunciamentos do Papa no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 125-130.
[30] Cf. LA OBEDIENCIA EVANGÉLICA EN LA VIDA CONSAGRADA. n. 2. In: L’Osservatore Romano, 7 dez. 1994. Disponível em:
[31] TANQUEREY, Adolphe. O dogma e a vida interior. Trad. M. Costa Maia. Lisboa: Aster, 1961. p. 135.
[32] “Quemadmodum enim illa per angeli sermonem seducta est, ut effugeret Deum, praevaricata verbum eius; ita et haec per angelicum sermonem evangelizata est, ut portaret Deum, obediens eius verbo. [...] Et quemadmodum astrictum est morti genus humanum per Virginem, salvatur per Virginem [...] serpentis prudentia devicta in columbae simplicitate, vinculis autem illis resolutis, per quae alligati eramus morti”. (Contra Haereses, 5, 19, 1. In: MIGNE, J. P. Patrologiae Cursus Completus: Patrologiae Grecae. Turnholt: Typographi Brepols Editores Pontificii, 1857. Vol. 7. p. 1175-1176).