sábado, 28 de fevereiro de 2015

David Garrett and Andrea Bocelli, 230613 Cologne, Ave Maria

OS CRISTÃOS E MARIA

  

  Enquanto Ele assim falava, uma mulher levantou a voz do meio do povo e disse-lhe: “Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos que te amamentaram!” Mas Jesus replicou-lhe: “Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e a guardam” (Lc 11, 27-28).
  Num primeiro momento, as palavras de Jesus que acabamos de escutar poderiam dar-nos a impressão de contrariarem a devoção a Nossa Senhora. O Senhor parece querer dizer-nos: “Não louveis o homem; não é o parentesco de sangue que conta, mas somente o cumprimento da palavra em unidade de espírito e de coração”. Se, porém, ouvirmos essas palavras no contexto do Evangelho inteiro, abrem-se para nós perspectivas novas e surpreendentes que nos permitem chegar ao próprio fundo do qual brota a devoção a Maria e às orientações que daí decorrem.

Maria, a “Profetisa”
  Em São Lucas, a frase de Jesus ao declarar bem-aventurados os que ouvem a palavra de Deus (Lc 11, 28) corresponde exatamente à saudação de Isabel: “Bem-aventurada és tu que creste” (Lc 1, 45). E essa íntima vinculação ainda se vê reforçada por dois versículos em que o Evangelista diz: Maria guardava todas essas palavras, meditando-as no seu coração (Lc 2, 19 e 51); Nossa Senhora relacionava-as, ponderava-as e aprofundava no seu significado. São Lucas deixa claro, assim, que a bem-aventurança daqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática se realiza em primeiro lugar e com maior profundidade nEla; que Ela é parente do Senhor antes de mais nada pelo coração, e que, por trazer em si a Palavra de Deus, pôde tornar-se também o trono da sua Encarnação: “Antes de ser Mãe segundo o corpo, Maria já o era segundo o espírito”, diz Santo Agostinho.
  Nossa Senhora guardava as palavras de Deus no seu coração, relacionava-as entre si, meditava-as e aprofundava no seu significado. Ao fazer essa afirmação, Lucas quer apontar Maria como fonte da tradição, mas mostra-nos também que nEla se tornou visível aquilo que foi durante séculos o mistério de Israel e que seria a missão da Igreja ao longo de toda a história: ser a morada da Palavra de Deus, o porto em que essa Palavra encontra abrigo seguro no meio dos altos e baixos da história, das suas tempestades, das suas vicissitudes, da sua fatuidade e dos seus vazios e fracassos num sentido ou em outro. Em todos esses altos e baixos em que nada parece perdurar, é Israel, é a Igreja fiel, representada em Maria, que guarda a Palavra, que a conserva, difunde e transmite através da turbulência dos tempos, para que possa reviver e produzir fruto uma e outra vez.
  Maria torna-se assim, no Evangelho de São Lucas, uma interpretação viva da parábola do semeador e da semente (cfr. Lc 8, 4-18): o seu coração é a terra fértil e profunda em que a semente pode arraigar. Não se assemelha ao solo pedregoso e raso, em que as coisas resvalam ou são levadas pela água, e que só retém o “hoje”. Não é como aqueles em quem os pardais da inconsciência cotidiana devoram tudo o que poderia penetrar até o coração, nem traz em si os espinhos da riqueza, das emaranhadas preocupações terrenas, da afirmação da posse pela posse, que também impedem o acesso às camadas mais profundas do coração e da existência. Ela é o campo de terra fértil em que a semente pode penetrar, abrigar-se, deitar raízes e amadurecer. Dá-se nEla esse processo pelo qual, à medida que as forças da existência se tornam seiva e alimento da Palavra, a própria pessoa se deixa transformar na semente e assim se torna Palavra, Ícone vivo, Imagem luminosa de Deus, totalmente moldada pela sua missão. Por sua vez, essa Palavra adquire nEla uma nova força, manifestando-se em toda a sua riqueza e diversidade.
  Maria guardava a palavra e indica-nos assim o caminho. Vivemos num tempo em que os corações todos são solo duro e pedregoso em que resvala tudo o que é profundo, em que os pardais devoram diariamente toda a Palavra que pretendia chegar ao nosso íntimo, e em que os espinhos da cobiça pelas riquezas encobrem tudo o que é profundo. Vivemos – mesmo na Igreja – dominados pela mentalidade imediatista, para a qual só importa o que se pode fazer e calcular, e que perdeu a capacidade de reconhecer que não é só o que se pode contar que na verdade conta. A fecundidade profunda, as forças que realmente moldam e modificam a história, só podem brotar daquilo que amadureceu por longo tempo, daquilo que tem raízes fundas, daquilo que foi provado e meditado, daquilo que foi vivido e sofrido. Da mesma forma, a força da Igreja, a sua capacidade de transformar o mundo, não pode derivar de que, em curto prazo, promova uma coisa aqui e outra ali; consiste em que nos oferece uma dimensão interior na qual podemos recolher-nos, para que se faça silêncio em nós e a Palavra torne a amadurecer e a dar fruto.
Os Padres da Igreja chamavam a Maria a Profetisa. E “Profetisa” não significava para eles alguém que fizesse obras ou previsões miraculosas, mas alguém que estava embebido do Espírito de Deus e assim podia enxergar e dar fruto. Hoje, precisamos deixar que voltassem a dizer-nos isso. Há entre nós, e em todo o Ocidente, um anelo pela meditação e uma fuga para tudo o que vem da Ásia, pois o cristianismo parece ter-se reduzido a um mero ativismo. Mas se apenas tomarmos de empréstimo de maneira imediatista meia dúzia de “técnicas espirituais” das religiões asiáticas, não será nelas que encontraremos a esperada profundidade, pois também elas passarão a ser meros instrumentos do nosso egoísmo, instrumentos que nos servirão apenas para tornar a nossa ânsia de eficácia ainda mais febril.
  Convém que, no meio deste nosso ativismo, não esqueçamos que também o cristianismo tem a sua meditação, o seu centro meditativo, representado pela atitude receptiva da Mãe do Senhor. Novamente é Ela quem deve mostrar-nos o caminho para a meditação cristã, para o recolhimento da nossa vida nesse silêncio fecundo do qual procede à verdadeira força.
  Foi por isso que nós, os bispos [da Alemanha], dirigimos uma instrução aos fiéis deste país por ocasião do mês de maio. Parecia-nos importante que voltássemos a aprender o elemento mariano do cristianismo, essa capacidade concentrada de ouvir que se torna um campo fecundo para a Palavra. Foi por isso que animamos os fiéis a voltarem a rezar orações marianas, como por exemplo, o terço, tão desacreditado. Afinal, rezá-lo quer dizer precisamente que renunciamos ao nosso ativismo, que renunciamos a inventar novidades continuamente, que nos entregamos serena e despreocupadamente ao ritmo das ave-marias e que, afinando e harmonizando o nosso coração com elas, nos tornamos suavemente mais silenciosos, mais alegres e mais ricos por dentro.

Amor que se desprende
Mas as palavras do Evangelho que acabamos de ouvir revelam-nos ainda um segundo aspecto mariano. Pertencem a esse grupo de passagens aparentemente penosas em que Jesus parece repelir a sua Mãe. Esses episódios começam quando o Senhor tem doze anos – “Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?” (Lc 2, 49) –, continuam por ocasião das bodas de Caná – “Mulher, que tenho eu a ver contigo?”(Jo 2, 4) – e quando os parentes de Jesus vão procurá-lo – “Aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3, 35) –, e chegam até o último momento, junto à Cruz, quando o Senhor se desprende dEla por completo, tornando-a Mãe de um outro 1 (Jo 19, 26), (1) O Apóstolo João: cfr. Jo 19, 26 (N. do T.).
  No entanto, nenhuma dessas passagens é antimariana. É precisamente diante da última negação aparente, a da Cruz, que percebemos o grande “sim” oculto nelas: a confirmação daquilo que a maternidade plena significa. Ser mãe quer dizer, por um lado, defender e cuidar, acolher e oferecer um espaço para a intimidade e o recolhimento. Mas este é apenas um aspecto. Assim como à concepção se segue o parto, ao acolhimento, cuidado e proteção deve seguir-se o desprendimento: deixar o outro livre para que seja ele mesmo, não segurá-lo junto de si, conservá-lo como se fosse coisa própria. O amor consumado reconhece-se em que deixa o outro ser ele mesmo, não o retém, antes solta-o, e se solta a si mesmo nesse desprendimento, levando à plenitude a maternidade e o amor por meio dessa renúncia silenciosa.
  Foi o que Maria fez. Ela aceitou que lhe tomassem o Filho, renunciou a Ele, e assim levou à plenitude aquele seu sim do princípio, da manhã da Anunciação. E fê-lo a tal ponto que se tornou Mãe de outro; mas foi precisamente nesse outro que recebeu de volta o seu Senhor, Ela que é Mãe de todos os cristãos.
Penso que temos especial necessidade de reaprender este segundo aspecto. O conflito de gerações do nosso tempo, do qual voltamos a tomar consciência com grande dramaticidade neste Ano Internacional da Criança, tem em parte a sua origem em que não gostamos nada da imprevisível liberdade do outro. Se temos um filho, este deve confirmar os nossos desejos de fazer carreira, espelhar o nosso ser, representar em última análise a realização do nosso eu. E assim não somos capazes de levar o amor à plenitude do desprendimento, de realizar esse ato maior e mais puro de dedicação que é o único capaz de trazer a unidade entre as pessoas.
  Assim está Maria diante de nós: como aquele sim levado à plenitude, que se faz inteiramente disponível para cuidar e para libertar, e que dessa forma experimenta essa vitória do Amor que é a Verdade.
  Os nossos predecessores construíram esta catedral como uma igreja dedicada a Nossa Senhora e nela representaram, de certa forma, o elemento mariano: o espaço que, entre as turbulências dos tempos, nos permite encontrar abrigo e, com ele, a liberdade. Decidamo-nos, pois, a amar a Santíssima Virgem e a responder ao íntimo chamado que nos dirige, para cumprirmos a missão que o Evangelho nos dá: Eis que todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso (Lc 1, 48-49).

Fonte: Pope Benedict XVI waves as he arrives to bless the traditional Crib in St Peter's Square at the Vatican Por Joseph Ratzinger - Meditação na última semana de maio, na catedral de Nossa Senhora de Munique, 31.05.1979.



sábado, 21 de fevereiro de 2015

MARIA COMO CO-REDENTORA

   
  
        “Em vós, Senhora, tenho colocado toda a minha esperança e de vós espero a minha salvação... Maria é toda a esperança de nossa salvação (...) Pois, só por vosso intermédio esperamos a salvação’ (Glórias de Maria – Afonso Maria de Ligório – p. 21). Como se não fosse suficiente elevar Maria a posição de Co-Redentora, isso é, Redentora junto com Cristo, alguns documentos católicos vão além, colocando nela ‘toda a esperança de salvação’. Sugere assim não apenas ser ela uma redentora, mas a única redentora. (...) Tal tese teria sido desenvolvida a partir do fato de Maria ter sofrido, como mãe, ao pé da cruz de seu filho. Ora, se Maria sofreu junto com Jesus, logo é Redentora junto com Ele, concluem.” (pág. 61 e 64).
      
       Agora o senhor faz menção a um dos maiores e mais bonitos documentos sobre a Virgem Santíssima: “Glórias de Maria”, escrito  por Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787) que é um dos 33 Doutores da Igreja. Como eu ainda não havia lido esse livro, fiquei pasmo ao ver um Doutor da Igreja escrevendo: “Em vós, Senhora, tenho colocado toda a minha esperança e de vós espero a minha salvação”. Não me contive e fui em busca de um exemplar dessa magnífica obra. Quando abri o livro tive a confirmação daquilo que suspeita-va: Santo Afonso nunca escreveu isto. No livro de Santo Afonso está claramente escrito na mesma página 21 citada no seu livro: “Dirijo-me também a vós, ó Maria, minha Mãe dulcíssima e Senhora. Sabeis que, depois de Jesus, em vós tenho colocado a minha esperança de minha salvação”, pensamento que Santo Afonso repete na página 98: “Depois de Deus, outra esperança não temos senão Maria e por isso a invoca como única esperança nossa depois de Deus”. Penso que o senhor deve ter copiado isso de alguma fonte errada ou ter tido uma distração, porém é bom que procure consertar esse erro, pois tenho que dizer que ficou muito parecido com um “levantar falso testemunho contra teu próximo” (Ex 20,16).

        Quanto ao título Co-Redentora dado a Maria, reflete toda a participação intensa que Maria Santíssima teve no mistério da Salvação. Certamente, como o senhor falou, o sofrimento de Maria ao pé da cruz junto com seu Filho, é um dos motivos desse título. Num belo sermão, São Bernardo, Doutor da Igreja, fala do sofrimento da Mãe: “Verdadeiramente, ó santa Mãe, uma espada traspassou tua alma. Aliás, somente traspassando-a, penetraria na carne do Filho. De fato, visto que o teu Jesus – de todos certamente, mas especialmente teu – a lança cruel, abrindo-lhe o lado sem poupar um morto, não atingiu a alma dele, mas ela traspassou a tua alma. A alma dele já ali não estava, a tua, porém, não podia ser arrancada dali. Por isto a violência da dor penetrou em tua alma e nós te proclamamos, com justiça, mais do que mártir, porque a compaixão ultrapassou a dor da paixão corporal” (Liturgia das Horas, Segunda Leitura do dia 15 de setembro). Mas a Igreja ao proclamar Maria como Co-Redentora, vê sua participação ainda muito mais além do que no acontecimento do Calvário. É uma questão muito mais profunda do que isto e merece a nossa atenção.

        Como sabemos, Deus criou o homem e percebeu que não era bom que estivesse sozinho (cf. Gn 2,18). Criou então a “mulher” (Gn 2,23) para ser sua “auxiliar semelhante” (Gn 2,18), para que vivesse com o homem (cf. Gn 2,24), que juntamente com ele transmitisse o dom da vida (cf. Gn 1,28) e que fosse “a mãe de todos os que vivem” (Gn 3,20). Porém, logo depois esta obra foi manchada pelo pecado (cf. Gn 3,7). Era necessário então uma nova criação (cf. Is 65,17-18). E então Deus faz a sua nova criação em Jesus Cristo, que passa a ser o novo Adão (cf. Rm 5,15). E da mesma maneira como Deus criou “homem e mulher” (Gn 1,27) também na nova criação o plano divino seguiu a mesma linha: recriou Adão em Jesus Cristo, do qual recebemos a vida (cf. Jo 3,15), e como não poderia deixar de participar da nova criação, Eva foi recriada em Maria, que sendo uma auxiliar semelhante, subordinada ao novo Adão, é agora a nova mãe de todos os que vivem, pois todos somos irmãos de seu Filho (cf. Rm 8,27).

        “Irmãos caríssimos, há um homem e uma mulher que nos prejudicaram grandemente, mas, graças a Deus, há também um homem e uma mulher que tudo nos restauram, e com notável superabundância de graça... Sem dúvida, Cristo por si só bastava-nos, pois tudo que possamos fazer no plano da salvação, dEle vem; todavia era bom que o homem não ficasse só. Havia profunda conveniência em que os dois sexos tomassem parte na nossa Redenção, como haviam tomado parte em nossa queda” (São Bernardo, Sermão sobre as doze estrelas 1, ed. Migne lat. 183,429). Da mesma maneira como a primeira Eva, co-pecadora ao lado de Adão, disse sim à Serpente e trouxe ao mundo o pecado (cf. Gn 3,6), agora a nova Eva, Co-Redentora ao lado de Cristo, diz sim a Deus e traz ao mundo a salvação (cf. Lc 1,38).

        A Co-Redenção de Maria não tem a mesma grandiosidade da Redenção do Filho de Deus, mas o título quer mostrar a participação viva de Maria nesta obra. Quando Santo Afonso diz que “Depois de Deus, outra esperança não temos senão Maria”, não está diminuindo a grandeza de Deus, mas está mostrando a importância de Maria neste contexto. De modo parecido nos fala São Paulo: “Sejam meus imitadores, como também eu o sou de Cristo” (1ª Cor 11,1). Nesta frase, São Paulo não indica que o exemplo de Cristo seja insuficiente, mas mostra que o seu exemplo também é importante e quem o segue estará seguindo a Cristo. O mesmo o senhor concorda quando publica na página 73 de seu livro este pensamento: “A beleza serena e silenciosa de uma vida santa é a influência mais poderosa do mundo, depois do poder do Espírito Santo de Deus” (C.H. Spurgeon)”.

         Os primeiros cristãos entenderam perfeitamente que ao dar valor aos servos de Deus, de maneira nenhuma se retira a Glória do Senhor, antes, a multiplica: “... o povo muito engrandecia aos apóstolos (...) a ponto de levarem os doentes até as ruas, colocando-os sobre leitos e em macas, para que, ao passar Pedro, ao menos sua sombra encobrisse alguns deles” (At 5,13-15).

         Não há nada de estranho no título de Co-Redentora se analisarmos as palavras de Rm 8,17 onde somos chamados de “co-herdeiros com Cristo, pois, uma vez que, tendo participado dos seus sofrimentos, também participamos da sua glória”. Veja que nenhum de nós tem condições de ser comparado a Jesus, mas mesmo assim São Paulo diz que somos co-herdeiros com Cristo, ou seja, juntos com Jesus receberemos a recompensa porque também nós participamos de seus sofrimentos. Sabemos que nossa herança não é exatamente a mesma de Cristo e que nem participamos da mesma forma nos seus sofrimentos, mas mesmo assim ganhamos o título de co-herdeiros. O mesmo acontece com Maria: sua Co-Redenção não é a mesma Redenção do Filho, mas o título deve ser este por causa da sua singular participação neste mistério.

      “Não sejamos daqueles que julgam diminuir a glória de Jesus Cristo quando se alimentam elevados sentimentos para com a Santíssima Virgem e os Santos (...) Por certo seria atribuir a Deus fraqueza deplorável crer que Ele se torne invejoso das dádivas e luzes que Ele próprio derrama sobre as criaturas. Pois que são os Santos e a Virgem se não a obra das mãos e da graça do Criador? (...) Por mais elevadas que sejam as perfeições que reconhecemos em Maria, não poderia Jesus Cristo ter-lhes inveja, porque é dEle que vêm e é a glória exclusiva dEle que se referem” (Bossuet, 3º sermão na festa da Conceição da Virgem, 1669. Obras t. II. Paris, 1863, 51).


Fonte: Por Carlos J. Magliano Neto.



sábado, 14 de fevereiro de 2015

SEGUINDO OS PASSOS DE MARIA



''Quem são todas as mulheres, servos, senhores, príncipes, reis, monarcas da Terra comparados com a Virgem Maria que, nascida de descendência real (descendente do rei Davi) é, além disso, Mãe de Deus, a mulher mais sublime da Terra? Ela é, na cristandade inteira, o mais nobre tesouro depois de Cristo, a quem nunca poderemos exaltar bastante (nunca poderemos exaltar o suficiente), a mais nobre imperatriz e rainha, exaltada e bendita acima de toda a nobreza, com sabedoria e santidade.''

(Martinho Lutero, ''Comentário do Magnificat'', cf. escritora evangélica M. Basilea Schlink, revista ''Jesus vive e é o Senhor'').
Lendo as palavras acima, ditas por Martinho Lutero, o "reformador" protestante. Ficamos a nos perguntar quais as razões do tratamento dispensado pelo mesmo protestantismo a Nossa Senhora, Mãe de Deus. Haja vista, Lutero baniu a Igreja de sua confissão, mas não fez o mesmo com Maria, da qual se refere de forma devotada e amorosa em diversos de seus escritos: ''Por justiça teria sido necessário encomendar-lhe [para Maria] um carro de ouro e conduzi-la com quatro mil cavalos, tocando a trombeta diante da carruagem, anunciando: 'Aqui viaja a mulher bendita entre todas as mulheres, a soberana de todo o gênero humano'. Mas tudo isso foi silenciado; a pobre jovenzinha segue a pé, por um caminho tão longo e, apesar disso, é de fato a Mãe de Deus. Por isso não nos deveríamos admirar, se todos os montes tivessem pulado e dançado de alegria.'' (Martinho Lutero - Comentário do Magníficat).
O sentimento antimariano que presenciamos entre os protestantes não faz parte do verdadeiro ideal da Reforma, mas surgiu pelo falso receio de que o ''brilho'' de Maria pudesse sombrear ou apagar a verdadeira Luz, que é Jesus Cristo. Graças a Deus, hoje podemos enxergar mudanças em alguns fiéis e teólogos evangélicos, reconhecendo o verdadeiro sentido e valor da Santa Mãe de Deus, tal como defende a Igreja Católica. Mas essa mudança ainda custa a se fazer sentir no nosso dia-a-dia.
O presente e-book (livro eletrônico), versa justamente sobre as contestações suscitadas a respeito da figura de Maria na história e na Vida da Igreja universal. Contestações que muitas vezes beiram o absurdo quando notamos um comportamento notadamente antimariano, onde se chega a "demonizar" a própria Mãe de Jesus, nosso Salvador. Igualmente, tais contestações são apresentadas de forma aparentemente fundamentada, com diversas citações bíblicas escolhidas convenientemente, com uma linguagem extremamente sedutora em tentar provar o contrário daquilo que o próprio Deus sacramentou como verdade. Deus não precisava de Maria, quis precisar. Não para qualquer tarefa, mas para ser a Mãe do Salvador de todos os homens, independentemente de credo desses últimos.
O autor do livro, o nosso jovem Carlão, nos conduz passo a passo, numa linguagem acessível e com uma objetividade notável, pelos caminhos desse estudar nos passos de Maria. Sua bem fundamentada resposta às proposições de um pastor protestante - autor de um livro intitulado "Caminhando nos Passos de Maria" - se vê robustecida pelo claro objetivo de elucidar ao invés de confrontar, de corrigir com caridade ao invés de desqualificar.
Receber a caridosa oferta do Carlão para que seu "pequeno grande" livro fosse veiculado através do Portal Universo Católico, foi alvissareira. Numa comunicação posterior, o mesmo me informava que aguardava a aprovação eclesiástica  do livro, para que o mesmo me fosse remetido, o que despertou curiosidade.  Mas de posse do material prévio para publicação, devidamente autorizada por D. Alano Maria Pena (Arcebispo de Niteroi - RJ), a emoção primeira se verteu num estado de graça, de alguém que recebia uma benção especial. Um verdadeiro presente de Jesus e Nossa Senhora. Uma grata oportunidade de levar a tantos de meus irmãos católicos e especialmente aos irmãos evangélicos, uma obra que certamente os ajudará a elucidar muitas dúvidas, ou a desfazer-se de vários preconceitos.
''Não podemos reconhecer as bênçãos que nos trouxe Jesus, sem reconhecer ao mesmo tempo quão imensamente Deus honrou e enriqueceu Maria, ao escolhê-la para Mãe de Deus.'' (João Calvino, Comm. Sur l’Harm. Evang.,20)
Por fim, fica o meu convite a sua leitura. Você poderá solicitar do autor um exemplar impresso. Mas poderá também imprimir, copiar, enviar via e-mail aos seus amigos, tudo isso citando a fonte e o contato do autor.

7 - BENDITA ENTRE AS MULHERES  Por Carlos J. Magliano Neto

 “Entre todas as mulheres de seu tempo, ela foi abençoada e louva” (pág. 16).

Não entendo por que os protestantes (esta não foi a primeira vez que vi isso) reduzem a beatitude de Maria a apenas diante das mulheres de seu tempo. Ainda fazem questão de afirmar que “Maria não foi bendita entre todas as mulheres, mas apenas entre as mulheres”. Não sei por que isso, visto que Maria fez uma grande profecia: “De agora por diante todas as gerações me proclamarão bem aventurada” (Lc 1,48). Maria não é bendita somente diante daquela geração, mas diante de “todas as gerações”.

Apesar de o senhor ter tentado reduzir a beatitude de Maria apenas às “mulheres de seu tempo”, na página 21 encontrei uma frase belíssima sua, que parece vir corrigir esse pensamento: “Por isso, devemos como o anjo (Lc 1:28), honrá-la e reconhecê-la como alguém feliz, bem aventurada entre todas as mulheres”. Louvado seja Deus e honrada seja Maria!


Elbson do Carmo - Webmaster Universo Católico

8 - BEM-AVENTURADA Por Carlos J. Magliano Neto

 “Na própria Bíblia, houve um caso notável de alguém que acreditou ser Maria superior a todas as outras mulheres. O equívoco não foi adiante, porque o comentário foi feito ao próprio Jesus, que imediatamente colocou as coisas em seus devidos lugares. ‘E aconteceu que dizendo ele estas coisas, uma mulher entre a multidão, levantando a voz, lhe disse: ‘Bem aventurado o ventre que te trouxe e o peito em que mamaste’. Mas ele disse: ‘Antes, bem aventurados os que ouvem a palavra de Deus e a guardam’ (Lc 11:27,28)”   (pág. 17).                                                                        

Pareceu-me uma contradição: primeiramente o senhor diz que “Bem aventurada” não é um título extraordinário e que este termo não “faria Maria maior que outra pessoa” (pág. 16). Entretanto, no comentário sobre o episódio de Lc 11,27-28, assim está: “Uma mulher dentre a multidão que ali estava, impõe sua voz, enaltecendo Maria acima das expectativas de Jesus e das pretensões bíblicas”                                           (pág. 17)

Como assim “acima das expectativas” se a mulher apenas disse: “Bem aventurado”? Por que é que o senhor interpreta o mesmo termo “bem-aventurado(a)” com dois sentidos tão diferentes? Com uma interpretação para cada ocasião?

Mas isso não é o principal. Vamos ao conhecimento da Igreja sobre essa perícope: “Ora, tal motivo de exaltação (que Jesus fez) se aplica eminentemente a Maria Santíssima, que, sem dúvida, recebeu a graça de se tornar Mãe do Verbo encarnado, porque primeiramente se mostrou em tudo fiel serva do Senhor; diz Santo Agostinho: ‘Mais feliz é Maria por ter vivido inteiramente a fé do Messias do que por ter concebido a carne do Messias’(Ed. Migne Lat. 40,398). À Luz deste princípio, entendam-se as palavras de Jesus: o Senhor quer erguer a estima a Maria sobre o aspecto mais digno e rico que a Mãe de Deus possa apresentar à consideração dos cristãos” (D. Estevão Bettencourt, OSB, Curso sobre parábolas e páginas difíceis dos Evangelhos, mód.10 pág.182). Jesus reponde que a verdadeira felicidade consiste em ouvir a Palavra de Deus e observá-la. Logicamente não excluiu sua Mãe, mas mostra que a verdadeira superioridade dela está no fato de ter sido uma mulher de fé: “Bem aventurada aquela que acreditou” (Lc 1,45); “E sua mãe conservava no coração todas essas coisas” (Lc 2,51).

A honra à Maria deve ser dada primeiramente por causa de sua fé e depois por causa da gestação divina. Afinal, ela só ficou grávida do Senhor porque acreditou. Quando a Igreja nos põe Maria como exemplo a ser imitado, claro que não é o exemplo de ser Mãe do Filho de Deus que deveremos imitar (pois isso nos será impossível!), mas é o exemplo da fé, da confiança em Deus que a jovem Maria tinha. E é isso que o Senhor quer demonstrar.  Perceba que Ele não disse que Maria não era bem-aventurada, mas disse que antes, bem-aventurados são os que ouvem a Palavra de Deus e a guardam. Maria é bem aventurada duas vezes: primeiro porque acreditou (cf. Lc 1,45), segundo porque deu à luz o Filho de Deus (cf. Lc 11,27).
“O nó da desobediência de Eva foi desfeito pela obediência de Maria; o que a virgem Eva ligou pela incredulidade a virgem Maria desligou pela fé” (Santo Irineu, Catecismo da Igreja Católica, § 494).
9 - MARIA COMO MÃE DE DEUS              Por Carlos J. Magliano Neto


“É possível que a ideia em si não seja de todo um equívoco; porém as conseqüências desta confissão, quando levadas a extremo, podem ser devastadoras, não apenas pela forma de ver Maria, mas também pela visão distorcida que se terá de Jesus”  (pág 19).
      
Pastor, tudo levado a extremo pode ser devastador. Tudo o que é em demasia, por melhor que seja, passa a não ser bom, pois leva à ruína. Exemplo: ir à igreja é bom, é ótimo. Só que se uma pessoa não tiver outra ocupação, e viver na igreja dia após dia, hora após hora, isso não fará bem a ela, a levará ao fanatismo que não é nada bom. Do mesmo modo como comer é bom, mas se alguém levar isso ao extremo, não fará bem, ao contrário, vai passar mal. Veja a sugestão de São Paulo: “Não continues a beber somente água; toma um pouco de vinho por causa de teu estômago...” (1ª Tm 5,23). Evidente-mente São Paulo recomenda o uso do vinho sem exagero, pois o vinho é bom, mas se levado a extremo pode-se tornar um mal: o alcoolismo.

        Dei estes exemplos, porque não se pode, por causa de possíveis abusos, negar o que é verdadeiro. O senhor mesmo concorda que esta idéia em si não seja de todo um equívoco, então por que negá-la? Se ficarmos mutilando a Verdade por medo de que alguém a levará para um caminho ruim, deveremos então apagar grande parte dos ensinamentos de Cristo, como este: “Se o olho direito leva você a pecar, arranque-o e jogue-o fora! É melhor perder um membro, do que seu corpo todo ser jogado no inferno” (Mt 5,29). Vamos sumir com este também: “Se alguém vem a mim e não odeia seu próprio pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,26). São ensinamentos do Filho de Deus, mas, se levados a extremo, serão também devastadores.

10 - FILHO DE DEUS E FILHO DO HOMEM             Por Carlos J. Magliano Neto


Ainda dentro do tema Mãe de Deus, devo lhe pedir licença, pois acho que o senhor não entendeu muito bem essa questão. Primeiro é dito assim: “Considerando que Jesus é Deus, e ainda, que nasceu de Maria, penso ser óbvio dizer que Maria é mãe de Deus” (pág. 19).

E ainda: “O termo grego ‘meter ton Iesous’ (mãe de Jesus) é usado na Bíblia algumas vezes, o que significaria dizer que no sentido humano, Maria é de fato a mãe de Deus. Foi ela quem gerou o Messias, quem o carregou por nove meses, quem o amamentou e cuidou dele até a idade adulta. Seria uma discrepância afirmar que, neste sentido, ela não é a mãe de Deus”(págs. 19 e 20).

O curioso vem agora:  “Deus não tem mãe; se tivesse, deixaria de ser Deus. (...) Maria é mãe do Deus homem e nada mais”(pág. 21).

Maria é Mãe de Deus sim ou não? Não entendi a que conclusão chegou. Para assimilar melhor esse Mistério nos é necessário saber mais sobre a Encarnação do Filho de Deus no ventre de Maria. Veja, antes de tudo precisamos saber a diferença teológica entre as duas palavras NATUREZA e PESSOA. A palavra NATUREZA se refere a tudo que seja próprio da essência de um ser, a sua estrutura íntima que o faz ser e agir tal como ele é e age. Exemplo: a natureza humana é a racionalidade do homem, isto é, a sua capacidade de pensar. Daí então vem a sua linguagem, sua maneira de agir e etc, ou seja, tudo aquilo necessário para que alguém seja ser humano. A todos os homens é igual esta natureza, pois essas características lhes são próprias. A criatura que tiver esta natureza racional é ser humano.

Porém, apesar de todos os seres humanos compartilharem da mesma natureza, eles não compartilham da mesma personalidade. E é aí que entra a palavra PESSOA, que se refere à personalidade, à individualidade e à particularidade que cada um tem e que é próprio seu, somente seu. É o “eu” de cada um, é o “ser” de cada um. Pastor, eu tenho a mesma natureza que a sua, mas a nossa pessoa é diferente.

Entendido isso fica mais fácil percebermos o Mistério da Encarnação de Jesus: Ele, sendo “Filho de Deus” (Mt 27,54), Eterno (sem começo e sem fim) igual ao Pai (Ap 22,13), tem a sua Natureza Divina, que é compartilhada pelas Três Pessoas da Santíssima Trindade. O Filho possui uma Natureza com características próprias da Divindade, que o faz ser Deus (cf. Fl 2,6). Junto com essa Natureza, Ele possui a Pessoa, sua personalidade particular que é diferente das demais, que são as características próprias dAquele que é o Filho e que só Ele tem. É o Seu Eu particular, a Sua Pessoa Divina.

Em um determinado momento da História (cf. Gl 4,4), essa Pessoa Divina com Natureza Divina, vem ao mundo e assim, no ventre de Maria, assume também a Natureza Humana. Jesus passa a ser então uma Pessoa com dois modos de agir, com duas naturezas: uma Divina (que Ele sempre teve) e uma Humana (que Ele assumiu por causa da Encarnação). No entanto, Este que possui as duas naturezas é uma Pessoa só, a Divina, a Pessoa Eterna do Filho de Deus (cf. Jo 17,5). O Eu de Jesus é Divino (cf. Cl 2,9) e a maneira de agir é Divina (cf. Mc 2,5-12) e Humana (cf. Mt 26,39), pois possui o que é característico de cada uma das naturezas. Por conseguinte, a Pessoa que nasceu de Maria é a Pessoa que sempre existiu: a Pessoa do Filho de Deus, Deus igual ao Pai (cf. Jo 1,1.14). Deste modo, é perfeitamente óbvio que Maria gerou a Natureza Humana, mas como ninguém é mãe só da natureza, mas sim da totalidade do ser, Maria é Mãe de Deus, pois a Pessoa que assumiu a natureza humana gerada em seu ventre é a Pessoa de Deus Filho.

O anjo anunciou à Maria: “...o Santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus” (Lc 1,35). As palavras do anjo confirmam a maternidade divina de Maria, pois chamando o Filho de Maria de Filho de Deus, o anjo está dizendo que o Filho que nasceu de Maria é “igual a Deus” (Jo 5,18).

Diante disso, não há como entender o seu argumento de que ela é Mãe de Deus “no sentido humano”. Se ela é Mãe no sentido humano, não é Mãe de Deus, mas Mãe do homem Jesus somente, e assim estaríamos fazendo uma separação entre dois Jesus diferentes: uma Personalidade de Jesus Humano e uma outra Personalidade de Jesus Divino, o que não existe.

Mais confuso ainda é dizer que “Maria é mãe do Deus homem e nada mais”. Como assim Deus homem e nada mais? Nada mais mesmo, pois “Deus homem” já é a totalidade do Senhor Jesus, não existe mais e nem menos. Como já visto, não se divide a Pessoa de Jesus em parcela humana e parcela divina. “O acontecimento único e totalmente singular da Encarnação do Filho de Deus não significa que Jesus Cristo seja em parte Deus e em parte homem, nem que seja o resultado da mescla confusa entre o divino e o humano. Ele se fez verdadeiramente homem permanecendo verdadeiro Deus. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem” (Catecismo da Igreja Católica, §464). Esta é a voz perene da Igreja ensinando que Jesus é a Pessoa Eterna Divinal que assumiu a natureza humana em um determinado tempo. A Pessoa do Filho de Deus é a mesma de sempre, acrescentada a Natureza Humana (cf. Rm 9,5), por isso Ele é indivisível!

Deste modo, o Concílio de Éfeso no ano 431 proclamou que Maria se tornou de verdade a Mãe de Deus, não porque dela nasceu a Divindade, mas porque nela Deus “se fez homem e habitou entre nós” (Jo 1,14). O Filho nascido da Mãe Maria é o mesmo Filho Eterno do Pai que é Deus igual ao Pai e ao Espírito Santo, e é conhecido como “Filho de Deus” (At 9,20) por ser ter natureza divina e “Filho do Homem” (Mt 17,22) por ter natureza humana. “Aquele que fez todos os seres se tornou filho de sua criatura” (São Leão Magno, Doutor da Igreja, Na Escola dos Santos Doutores, 1454).

11 - DISCRETAMENTE    Por Carlos J. Magliano Neto


“Além disso, a igreja católica ensina, mesmo que discretamente, ser Maria Mãe de Deus em todos os sentidos” (pág. 20).

É lamentável o seu argumento de que “a igreja católica ensina, mesmo que discretamente” que Maria é Mãe de Deus no sentido de que Deus só começou a existir a partir do momento em que foi concebido por Maria. A Igreja jamais ensinou isso. Mas, para “confirmar” o seu argumento, o senhor cita uma frase “da Internet”:  “Maria não é a mãe apenas da carne humana, mas de toda a realidade de seu filho, que tinha uma só pessoa (a Divina)” (pág. 20).

Se não houver má vontade na interpretação desta frase, será percebido que ela comporta toda a verdade cristã explicada detalhadamente acima. É só reler tudo o que eu escrevi e verá se a frase tem ou não razão. Repetindo: não se divide o Senhor ao meio, a Pessoa é única. Todavia, desconheço qualquer tipo de ensinamento da Igreja mesmo que discreto nessa linha. A Igreja é bastante clara nos seus ensinamentos. O que estou escrevendo aqui, não é conclusão minha, mas é ensinamento oficial da Igreja e isso vem mostrar que a Igreja não ensina nem discretamente nem diretamente essa doutrina que o senhor levantou. Ao contrário, o título “Mãe de Deus” vem se impor perante as heresias que colocavam em dúvida a Deidade de Nosso Senhor. A Igreja deu este título à Maria para confirmar cada vez mais a Divindade do seu Filho, pois Maria é Mãe do “menino... sobre seu ombro está o manto real, e ele se chama ‘Conselheiro Maravilhoso’, ‘Deus Forte’, ‘Pai para sempre’, ‘Príncipe da Paz’” (Is 9,5).

Sei que, como o senhor já havia me dito pessoalmente, as decisões conciliares da Igreja não representam nada para os protestantes. Contudo, não estou querendo provar nada aqui através dos Concílios, mas apenas mostrar o que de fato é a opinião oficial da Igreja, que tão facilmente é mal interpretada.

E veja: mais difícil de entender que Deus teve uma Mãe, ainda é entender que Deus se fez homem, e mais do que isso, que morreu numa cruz. E, no entanto, a fé cristã sempre professou isso sem medo de que fosse levado a extremo ou que, por má interpretação, se diminuísse a grandeza de Deus. O que para “os judeus é escândalo, para os pagãos é loucura” (1ª Cor 1,23), para os cristãos sempre foi Verdade de fé.

Na página 20 o senhor afirma com razão que a palavra grega Θεοτόκος (lê-se Theotókos), ou seja, Mãe de Deus, não está na Bíblia. Contudo se esquece que há algo muito similar. Isabel, cheia do Espírito Santo por ter ouvido a saudação da Mãe do Salvador (cf. Lc 1,41) assim exclamou: “Como posso merecer que a mãe do meu Senhor venha me visitar?” (Lc 1,43). Senhor, em grego Κύριος (lê-se Kírios) é usado na Bíblia como título de Deus e, seguramente, o Senhor de Isabel é o Senhor Deus e não o Senhor Humano. Ou será que Isabel chamou de Senhor somente a parte humana de Jesus? Certamente Isabel não fez essa divisão na Pessoa do Senhor e, portanto Isabel falou: Mãe do meu Deus (cf. At 10,36 compare com Dt 10,17).

“Não podemos reconhecer as bênçãos que nos trouxe Jesus, sem reconhecer ao mesmo tempo quão imensamente Deus honrou e enriqueceu Maria, ao escolhê-la para Mãe de Deus” (Calvino, grande nome do protestantismo, Comm Sur I’Harm Evang. 20).

12 - A VIRGINDADE PERPÉTUA  Por Carlos J. Magliano Neto
  
Nenhum cristão nega que Jesus tenha nascido verdadeiramente de uma virgem. No desígnio de Deus isso era necessário, pois “a virgindade de Maria manifesta a iniciativa absoluta de Deus na Encarnação” e assim, “Jesus, o Novo Adão, inaugura por sua concepção virginal o novo nascimento dos filhos de adoção no Espírito Santo pela fé... A participação na vida divina não vem ‘do sangue, nem de uma vontade da carne, nem de uma vontade do homem, mas de Deus’ (Jo 1,13)... O sentido esponsal da vocação humana em relação a Deus (cf. 2ª Cor 11,2) é realizado perfeitamente na maternidade virginal de Maria” (cf. Catecis-mo da Igreja Católica, § 503 e 505).

A dúvida, porém, fica com relação à manutenção da virgindade após o nascimento de Jesus. Os católicos crêem que Maria a preservou, já os protestantes têm suas objeções. É o que vamos ver a partir de agora.
No seu comentário sobre a profecia de Isaías 7:14, onde o Profeta anuncia que “uma virgem conceberá e dará à luz um filho” assim está escrito: “Na leitura que fazemos do texto, fica claro que o nascimento virginal de Jesus dizia respeito apenas ao fato de que homem algum teria participação em sua concepção. Depois que a virgem concebesse, a profecia teria sido cumprida e o papel de tal virgem teria terminado”                                                                      (pág. 23).
      
Será mesmo que o “papel de tal virgem teria terminado” com o nascimento do seu Filho? Maria não tinha mais nada para fazer após o nascimento de Jesus? Logo penso que não. Na Bíblia nada está escrito por acaso, tudo tem uma intenção. É imprescindível descobrirmos que a missão de Maria continua após o parto. É só ler as Sagradas Páginas e ver, por exemplo, a profecia do velho Simeão: “e a ti Maria, uma espada transpassará tua alma!” (Lc 2,35). Não é à toa também que Maria aparece em destaque na festa das Bodas de Caná (cf. Jo 2,1) participando intensivamente do primeiro milagre de seu Filho, intercedendo pela família (cf. Jo 2,3) e evangelizando os serventes (cf. Jo 2,5). Depois Maria aparece aos pés da cruz, “de pé” (Jo 19,25), dando testemunho de sua fé, testemunho daquela que “conservava no coração todas essas coisas” (Lc 2,51). E por fim, lá está Maria no início da Igreja, como mulher de oração (cf. At 1,14), como primeira cristã, modelo de fé e de vida, vida de quem se fez “serva do Senhor” (Lc 1,38). Certamente a missão da “Mulher” (Jo 2,4), jamais terminou no dia do nascimento do Salvador. A Mulher Mãe do Salvador, pensada por Deus desde o início do mundo (cf. Gn 3,15) teria uma missão que não se prende ao tempo, mas salta para fora dele e atinge todas as gerações, tornando Maria “na cristandade inteira, o mais nobre tesouro depois de Cristo, a quem nunca poderemos exaltar bastante, a mais nobre imperatriz e rainha, exaltada e bendita acima de toda a nobreza, com sabedoria e santidade” (Martinho Lutero, Deutsche Schriften 14,250).

13 - A MISSÃO ÍMPAR DO JUSTO JOSÉ  Por Carlos J. Magliano Neto

 “Se desejamos ser honestos, tal possibilidade (de virgindade de Maria), ao invés de apontar para a santidade de José, estaria questionando sua masculinidade ou fidelidade. (...) ‘Os sacerdotes devem desistir da idéia da virgindade perpétua de Maria, ou desistir de que José e Maria representam a família humana ideal’” (págs. 23 e 33).

Se analisarmos o celibato e a virgindade com uma visão depreciativa, deveremos também questionar a masculinidade de Jeremias (cf. Jr 16,1), do Apóstolo Paulo (cf. 1º Cor 7,8) e quem sabe até do próprio Jesus que, além de não se casar, pregou o celibato: “Há eunucos que se fizeram eunucos por causa do Reino dos Céus. Quem tiver capacidade para compreender, compreenda!” (Mt 19,11). Mas poderia se argumentar: Jeremias, São Paulo e Jesus foram celibatários, mas a diferença está em que José casou-se, eles não. No entanto, deveremos perceber que a missão deles era uma a de José outra.

Adentremos um pouco na história de São José: “A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, comprometida em casamento com José, antes que coabitassem, achou-se grávida pelo Espírito Santo” (Mt 1,18).  Primeiramente vemos que Maria já era comprometida em casamento com José. Uma espécie de noivado, que no costume judaico era um compromisso muito real, onde o noivo já podia ser chamado de marido e só poderia terminá-lo por um repúdio, uma denúncia pública. José, ao saber que Maria estava grávida, ficou perdido, sem saber o que fazer. Assim, “José, seu esposo, sendo justo e não querendo denunciá-la publicamente, resolveu repudiá-la em segredo” (Mt 1,19). José caminhava ora duvidando, ora vendo a santidade da missão que sua noiva tinha recebido; estava entre admitir um filho que não era seu e ter coragem de assumir uma missão tão nobre. Não queria separar-se dela publicamente, pois isso poderia levá-la ao apedrejamento (cf. Dt 22,20-21). Sem ainda ter definido sua decisão, “eis que o Anjo do Senhor manifestou-se a ele em sonho, dizendo: ‘José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo’” (Mt 1,20). Pronto: José assim tem a certeza da grandeza da missão de sua mulher e percebe aí também a sua missão: ser protetor e sustento daquela obra divina. “José, ao despertar do sono, agiu conforme o Anjo do Senhor lhe ordenara e recebeu em casa sua mulher” (Mt 1,24).

Não há uma só frase dita por São José nos relatos evangélicos, entretanto, ele agiu conforme o Anjo do Senhor lhe ordenara demonstrando assim “uma disponibilidade de vontade, semelhante à disponibilidade de Maria, em ordem àquilo que Deus lhe pedia por meio do seu mensageiro” (Papa João Paulo II, Exortação Apostólica Redemptoris Custos, 4). Deus assume assim Maria como esposa e o seu noivo José apenas é orientado a aceitar aquilo como obra do Espírito Santo. Ele entende, e aceita. (cf. Mt 1,21.24).

Assim, é impossível compactuar com a idéia de que a Família de Nazaré foi imperfeita porque José teve “uma mulher a quem não possuiu” (pág. 23). “Na Liturgia, Maria é celebrada como tendo estado ‘unida a José, homem justo, por um vínculo de amor esponsal e virginal’. Trata-se, de fato, de dois amores que, conjuntamente, representam o mistério da Igreja, virgem e esposa, a qual tem no matrimônio de Maria e José o seu símbolo. ‘A virgindade e o celibato por amor ao Reino de Deus não só não se contrapõe à dignidade do matrimônio, mas pressupõe-na e confirmam-na. O matrimônio e a virgindade são os dois modos de exprimir e de viver o único Mistério da Aliança de Deus com o seu povo’, que é comunhão de amor entre Deus e os homens” (Papa João Paulo II, Exortação Apostólica Redemptoris Custos, 20). A Família de Nazaré é, portanto, família humana ideal, pela sua santidade e intimidade com Deus. No entanto, não é uma família normal, pois nada nela foi normal, mas tudo foi extraordinário. Tão extraordinário que possui mistérios que nós ficaremos sempre muito aquém da sua magnitude. Repetindo a frase de Jesus: “Quem tiver capacidade para compreender, compreenda!”.

14 - REALIDADE DIVINA Por Carlos J. Magliano Neto

 “... Maria deixou de ser virgem; afinal Jesus não nasceu de cesariana e, certamente, houve uma dilatação natural para a saída do bebê” (pág. 24)

“O aprofundamento da sua fé na maternidade virginal levou a Igreja a confessar a virgindade real e perpétua de Maria, mesmo no parto do Filho de Deus feito homem. Com efeito, o nascimento de Cristo ‘não lhe violou, mas sagrou a integridade virginal’ de sua mãe. A liturgia da Igreja celebra Maria como ‘Aeiparthenos’, ‘sempre virgem’” (Catecismo da Igreja Católica, § 499). Esta é a Verdade Católica que é questão de fé; não tem como ficar provando e discutindo realidades que são divinas. São Leão Magno, Doutor da Igreja, reflete assim: “Ninguém se aproxima tanto do conhecimento da verdade como quem compreende que, tratando-se de realidades divinas, mesmo se já progrediu bastante, resta-lhe sempre algo a aprender” (Na Escola dos Santos Doutores, 1464).

Seguramente acredito na Palavra de Deus que me diz: “Eis que sou Iahweh, o Deus de todas as criaturas, existe algo impossível para mim?” (Jr 32,27), e assim, do mesmo modo como a luz é capaz de atravessar o vidro sem o quebrar, a “Luz do mundo” (Jo 8,12) acompanha o seu projeto, confirmando o sinal milagroso da virgem que concebeu e deu à luz um filho com o nome de Emanuel, Deus Conosco (cf. Is 7,14).
“O sentido deste acontecimento só é acessível à fé, que o vê no ‘nexo que interliga os mistérios entre si’ no conjunto dos mistérios de Cristo, desde a sua Encarnação até à sua Páscoa. Santo Inácio de Antioquia já dá testemunho deste nexo: ‘O príncipe deste mundo (o demônio) ignorou a virgindade de Maria e o seu parto, da mesma forma que a Morte do Senhor: três mistérios proeminentes que se realizaram no silêncio de Deus’” (Catecismo da Igreja Católica, § 498).

15 - DOUTRINA FUNDAMENTAL  Por Carlos J. Magliano Neto

“Se esta fosse uma doutrina fundamental,como exigem al-guns, certamente estaria bem explícita na Bíblia”   (pág. 25). A Virgindade de Maria é uma Doutrina fundamental sim, mas não está explicitamente na Bíblia porque nem tudo está na Bíblia, como disse no início.

Há Doutrinas muito mais importantes do que esta e que também não estão explicitamente escritas. Veja por exemplo a Doutrina da Santíssima Trindade. Quer Doutrina mais importante do que esta? No entanto, a encontramos na Bíblia somente após um longo período de detalhado estudo. E esta é uma Doutrina muito mais fundamental do que a Virgindade Perpétua.

16 - EVIDÊNCIAS BÍBLICAS           Por Carlos J. Magliano Neto

“A verdade é que não existe nenhuma evidência bíblica a favor desta doutrina; tanto é assim, que os escritores católicos não apresentam fundamentação alguma em favor deste fato. Limitam-se apenas a contra argumentar sobre os textos bíblicos que apontam para o lado oposto” (pág. 25).

Podemos começar aí um jogo de empurra-empurra. O senhor diz que os católicos apenas contra-argumentam e eu posso dizer que quem contra-argumenta são vocês. Mas tudo bem, isso aí não levará a nada. Se o problema é evidência bíblica, vamos a uma: peguemos a genealogia de Cristo em Mt 1,1-16: “1Livro de origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão. (...) 3Jacó foi o pai de Judá e de seus irmãos. (...) 11Josias foi o pai de Jeconias e de seus irmãos, no tempo do exílio na Babilônia. (...) 16Jacó foi o pai de José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado o Messias”. Algumas vezes aparece o nome do pai, do filho e de seus irmãos. No momento em que fala de Jesus, não comenta nada sobre José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus e seus irmãos, mas apenas “José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus”. Esse é mais um texto que se pode contra-argumentar infinitamente, mas eu digo que os autores bíblicos tiveram todas as chances para deixar claro que Maria teve outros filhos, mas eles não disseram.

17 - O HEBRAICO TRADUZIDO PARA O GREGO  Por Carlos J. Magliano Neto
  
“A palavra grega traduzida como irmãos no referido texto (Mc 6:3) foi ‘adelphós’, que significa literalmente ‘nascidos do mesmo útero’, o que destrói qualquer argumentação racional de que Maria não gerou outros filhos e que os referidos eram primos ao invés de irmãos”  (pág. 27).

Carecemos de muita informação sobre o uso das palavras “primos” e “irmãos” no Novo Testamento. Vamos a um detalhado estudo sobre as línguas da Bíblia: A Bíblia começou a ser escrita mais de 1000 anos antes de Cristo na língua hebraica, pois esta era a língua falada na Palestina até o povo de Deus sofrer o cativeiro de cinqüenta anos na Babilônia em 586 a.C. Após o cativeiro, parte do povo que voltou para a sua terra começou a falar o aramaico; a outra parte de judeus imigrou para o Egito onde começou a falar o grego. Mas a Bíblia continuou a ser lida e copiada em hebraico, sua língua original. Por volta do ano 300 antes de Cristo, o grego havia se tornado a nova língua do comércio e invadiu o mundo daquele tempo. Então, por volta do ano 250 antes de Cristo, os judeus que estavam no Egito desde o fim do cativeiro já não sabiam mais o hebraico e nem o aramaico, tendo dificuldades para ler a Sagrada Escritura. Para resolver a questão, um grupo de setenta e dois sábios judeus (seis de cada tribo de Israel) se reuniu em Alexandria (Egito) e pegaram todo o Texto Sagrado escrito na esquecida língua hebraica (com partes em aramaico) e o traduziram para o grego, formando assim a chamada Bíblia dos Setenta ou Septuaginta. Esta tradução grega tornou-se o referencial dos Apóstolos e dos primeiros cristãos na confecção do Novo Testamento que também foi escrito em grego.

Entendido isso, vamos agora saber o que houve com a palavra irmão ao ser traduzida do hebraico (língua original) para o grego (língua agora mais usada). Na língua hebraica a palavra irmão se escreve ’āh e significa filhos dos mesmos pais, mas poderia significar também outros parentes, porque não existe variedade de palavras hebraicas para designar a parentela. Quando se traduziu a Sagrada Escritura para o grego, o termo grego usado para traduzir ’āh (irmão ou parente em hebraico) foi αδέλφος (lê-se adelphós), que é irmão em grego e significa exatamente: “nascidos do mesmo útero”. Com esta tradução, αδέλφος recebeu também um significado mais amplo do que apenas nascidos do mesmo útero, pois αδέλφος passou na tradução a ser ’āh (irmão ou parente).

Precisamos agora investigar até onde os semitas utilizavam αδέλφος para podermos estabelecer o grau de parentesco desses αδέλφοι (irmãos – lê-se adelphoi) com Jesus. No grego se designa com essa palavra especificamente o irmão carnal, ou pelo menos o meio irmão. Mas existem exceções como um antigo documento chamado Marco Aurélio 1,14,1; assim como numerosos textos de papiros egípcios, onde, da mesma forma como na tradução grega do Antigo Testamento, os filhos dos irmãos (sobrinhos) ou mesmo primos são chamados de αδέλφος, ou seja, irmão. Veja o exemplo de I Crônicas 23,21-22: “Filhos de Mooli: Eleazar e Cis. Eleazar morreu sem ter filhos, mas somente filhas, que se casaram com os filhos de Cis, seus αδέλφοι (irmãos)”, o texto deveria ser: “...se casaram com os filhos de Cis, seus primos”. Leia também Gn 13,8; Gn 31,22-23; Ex 2,11; Jz 9, 1-3; I Cr 15,1-5; I Cr 23,21-22; II Cr 36,10.

Apesar dos autores do Novo Testamento terem tido a possibilidade de usar termos específicos existentes no grego para designar a parentela como ανεψιός (primo, lê-se anepsiós) ou συγγενης (parente, lê-se sungenees), os utilizaram muito pouco. Isso por dois motivos: eles tiveram como referência a tradução grega do Antigo Testamento e nesta tradução αδέλφος engloba toda a parentela; e também tendo eles tido a pobre língua hebraica como língua original, não se importavam muito com a exatidão dos termos da língua grega. Isso notamos, por exemplo, quando São Paulo escreve em grego: “Em seguida, o Senhor apareceu a mais de quinhentos αδέλφοι (irmãos) de uma vez” (1ª Cor 15,6). Com certeza São Paulo não dizia que estes mais de quinhentos irmãos eram nascidos do mesmo útero, mas sim usava αδέλφοι na sua amplitude maior.
Para comparação temos o fato de que a palavra portuguesa saudade não tem tradução em muitas línguas. Esta palavra quer dizer exatamente lembrança triste do que ou de quem está distante. Então vamos ao exemplo: como o inglês é uma das línguas onde não existe o termo exato para designar saudade, se usam termos com outros significados, mas que ganham uma amplitude para englobar saudade. Então se alguém escrevendo em inglês quiser escrever saudade, esta pessoa utilizará (entre outras) a palavra longing que primeiramente quer dizer: ânsia/desejo intenso de algo inacessível no momento. Ao traduzir esse texto para o português onde se procure ser fiel ao original (como foi o caso da Septuaginta) o tradutor traduzirá longing com sua designação inicial, ou seja, ânsia/desejo, apesar de existir na língua portuguesa o termo específico para designar saudade. Deste modo, a tradução ânsia/desejo terá um alargamento onde se englobará também saudade, do mesmo modo como αδέλφος passou a ter outros significados na tradução grega e, daí, no costume semítico.
Assim percebemos que nem sempre αδέλφος quer dizer filhos do mesmo útero como foi proposto.

18 - MAIS OBJEÇÕES Por Carlos J. Magliano Neto

O senhor cita um argumento católico (que se não me engano foi retirado da primeira carta) onde se comenta que a Bíblia jamais diz filhos de Maria, mas sempre irmãos de Jesus. O argumento cita o trecho evangélico: “...E não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas?” (Mt 13,55) e conclui: não eram filhos de Maria. O senhor responde a esse argumento:

“A organização da frase é esta porque seu personagem principal é Jesus e não Maria. Além disso, o contexto nos mostra que ninguém desejava mostrar quem era filho de quem; e sim, identificar os parentes de Jesus”          (pág. 29). Vou concordar contigo. A intenção era identificar os parentes de Jesus, pois os seus conterrâneos estavam “escandalizados” (Mt 13,57) com o que o Mestre estava fazendo. Com sucesso o senhor mostrou que aí não caberia filhos de Maria por causa do centro das atenções que era Jesus. Vamos então “tirar Jesus do jogo” e procurar um texto onde apareça apenas Maria com “seus filhos” sem Jesus para “roubar a cena”.

Atos dos Apóstolos 1,14 tem a resposta: “Todos eles tinham os mesmos sentimentos e eram assíduos na oração, junto com algumas mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos de Jesus”. É fácil percebermos: Jesus já não está mais presente, pois já havia voltado para o Pai, e mesmo assim a narrativa diz “irmãos de Jesus”, podendo agora tranquilamente dizer: “Maria, mãe de Jesus, com seus filhos”. Repito: os autores bíblicos tiveram todas as chances para deixar claro que Maria teve outros filhos, mas eles não disseram.

19 - FILHOS DE MARIA   Por Carlos J. Magliano Neto

“Porém, para sermos decisivos na questão, usemos como base o salmo 69. Trata-se de um salmo messiânico; ou seja, dirige-se profeticamente a Jesus. Possuímos várias citações do Novo Testamento conectando este Salmo a Cristo. (...) Tendo isso em mente, veja o que diz o verso 8: ‘Tenho me tornado um estranho para com meus irmãos, e um desconhecido para com os filhos de minha mãe’. Fica assim estabelecido que as pessoas citadas no referido texto, ou seja, Tiago, José, Simão e Judas, não eram apenas irmãos de Jesus em algum sentido, mas filhos legítimos de Maria” (págs. 29 e 30). Interessante sua argumentação sobre o Salmo 69. A princípio parece perfeita a alegação de que finalmente encontrou-se na Bíblia a expressão filhos de Maria e que ela está num salmo messiânico. Mais um estudo cabe aqui.

Acredito que não se deva tomar este salmo ao pé da letra e dizer que ele venha a provar por fim que Maria teve outros filhos. Este salmo se aplica a Jesus sim, porém apenas algumas de suas partes, não todas, e muito menos detalhes como este. Veja o exemplo que está no versículo 6: “Ó Deus, tu conheces a minha ignorância, meus crimes não são ocultos para ti”. Se dissermos, numa leitura fundamentalista, que este salmo prova ponto por ponto da vida de Jesus, certamente então Jesus teve ignorâncias e também pecou. Já os versos 28 e 29 mostram o clamor do lamentador contra seus opositores e também confirmam minha afirmação: “Acusa-os, crime por crime, não os declares inocentes. Risca-os do livro dos vivos, e não sejam inscritos entre os justos!”. Ao que me parece, no momento de sua maior angústia, assim disse o Senhor: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que estão fazendo!” (Lc 23,34), o que é muito diferente do que o salmo diz. O salmo é messiânico, pode-se aplicar ao Messias, porém não só a Ele, mas também a todo servo sofredor comum.

20 - “EIS AÍ O TEU FILHO!” Por Carlos J. Magliano Neto

Cena do Evangelho de João 19,25-27: “Perto da cruz de Jesus, permaneciam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Clopas, e Maria Madalena. Jesus, então, vendo sua mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava, disse à sua mãe: ‘Mulher, eis o teu filho!’ Depois disse ao discípulo: ‘Eis a tua mãe!’ E a partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua casa”. Da leitura dessa perícope, a Igreja na sua sabedoria milenar retira belíssimos ensinamentos. É o que vamos passar a ver.
Pela localização do texto dentro do Evangelho se percebe que ele pretende trazer algo a mais do que apenas um cuidado filial de Jesus para com sua Mãe. A perícope, especialmente os versículos 26 e 27, se localiza na sequência final onde Jesus está cumprindo as profecias da Escritura, veja:

v. 24: “Disseram entre si: ‘Não rasguemos a sua túnica, mas tiremos a sorte, para ver com quem ficará’. Isso a fim de se cumprir a Escritura que diz: ‘repartiram entre si as minhas roupas e sortearam minha veste’”

v. 26 e 27: “Jesus, então vendo sua mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava, disse à sua mãe: ‘Mulher, eis o teu filho!’ Depois disse ao discípulo: ‘Eis a tua mãe!’”

v. 28: “Depois, sabendo Jesus que tudo estava consumado, disse, para que se cumprisse a Escritura até o fim: ‘Tenho sede!’”

v. 36 e 37: “Pois isso aconteceu para que se cumprisse a Escritura: ‘Nenhum osso lhe será quebrado’. E uma outra Escritura diz ainda: ‘Olharão para aquele que transpassaram’

Compreendendo o contexto, a Igreja nunca duvidou em dizer que Jesus apresenta aí a Mulher prometida por Deus desde o peca-do de Adão (cf. Gn 3,15), fazendo de Maria a nova Eva, apresen-tada como Mãe daquele a quem Jesus ama: o fiel redimido pelo seu sangue. É interessante salientar que João no seu Evangelho parece reescrever os primeiros capítulos de Gênesis (a narração da criação do mundo). Três importantes elementos, pelo menos, são comuns entre os dois. João começa o Evangelho da mesma forma como se inicia Gênesis: “No princípio...” (Jo 1,1, compare com Gn 1,1).       João então discorre por toda a vida de Jesus, chamando a Maria sempre de “Mulher” (cf. Jo 2,4 e 19,26), da mesma forma como é chamada a mãe da descendência que venceria o mal. E se o homem foi criado e posto num jardim (cf. Gn 2,8) e ali se iniciou sua culpa (cf. Gn 3,1-13), também o sacrifício para a salvação da humanidade começa (cf. Jo 18,1) e termina num jardim (cf. Jo 19,41). Tudo isso além do pecado, que venceu na árvore do paraíso, mas na árvore da Cruz foi vencido (cf. Oração Eucarística III, Missal p.482; pref. p. 656).

Mais do que isso, a Igreja ainda vê nessa cena a Virgindade Perpétua de Maria, pois quem passa a tomar conta de Maria na ausência de Jesus é João, e não os “seus filhos”, o que seria o mais lógico. Acerca desse texto, o senhor comenta: “Finalmente podemos mostrar que Jesus entregou Maria aos cuidados de João porque tinha preocupações espirituais com ela. Jesus desejava entregá-la aos cuidados de um de seus seguidores, e seus irmãos ainda não tinham se convertido: ‘Porque nem mesmo seus irmãos criam nele’ (Jo 7:5)” (pág. 31).

O texto de João 7 citado pelo senhor, mostra-nos mais detalhes do que se pode perceber de uma leitura superficial. Ele comenta sobre a falta de fé dos “irmãos de Jesus”. Logicamente, se Jesus tivesse outros irmãos consanguíneos, estes seriam mais novos, afinal Ele foi o primogênito (cf. Lc 2,7) e certamente seriam bem mais novos, pois quando Jesus aparece já com doze anos, ainda não há nenhuma menção sobre eles (cf. Lc 2,41-52). Pois bem, jamais na cultura semítica de 2000 anos atrás, irmãos mais novos (e digamos, bem mais novos) teriam uma atitude de superioridade diante do irmão mais velho como percebemos que os “irmãos” de Jesus tiveram para com Ele em Jo 7,3-4: “Então os irmãos de Jesus disseram: ‘Tu deves sair daqui e ir para a Judéia, para que também teus discípulos possam ver as obras que fazes. Quem quer ter fama não faz nada às escondidas. Se fazes essas obras, mostra-te ao mundo’”. Isso nos faz pensar que não poderiam ser irmãos mais novos de Jesus, pois a cultura oriental não permite um diálogo nesse nível de espontaneidade e autoridade por parte de irmãos mais novos.

21 - QUATRO CITAÇÕES Por Carlos J. Magliano Neto

Encerrando o tema da Virgindade Perpétua,  o senhor coloca na página 32 quatro textos a fim de convencer o leitor de que Maria teve outros filhos após o nascimento de Jesus. Vamos analizá-los:

22 - NÚMERO UM Por Carlos J. Magliano Neto

“Não vi nenhum apóstolo, mas somente Tiago, o irmão do Senhor” (Gl 1,19).

Certamente é dúvida corrente: se os “irmãos de Jesus” não são irmãos consanguíneos, como propõe a Igreja Católica, então quem são eles?
Peguemos mais uma vez o texto de Mateus 13,55: “Ele não é o filho do carpinteiro? Não se chama a mãe dele Maria e os seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas?”. Analisaremos agora calmamente não só a Tiago, o irmão do Senhor, mas também a José, Simão e Judas, também irmãos do Senhor.

A exegese atual do Novo Testamento vê a presença de três personagens com o nome de Tiago. O primeiro deles é TIAGO MAIOR, filho de Zebedeu e Salomé (cf. Mc 15,40, compare com Mt 27,56) e irmão de João evangelista (cf. Mc 3,17). Este Tiago, juntamente com seu irmão João e Pedro, formava o grupo de apóstolos mais íntimos de Jesus (cf. Mt 17,1). Morreu como mártir por volta do ano 44 (cf. At 12,2).

O segundo é TIAGO MENOR (título que na verdade pertence a Tiago, o irmão do Senhor [cf. Mc 15,40], a quem analisaremos logo abaixo com o título de Tiago Pequeno. Estes dois em algumas interpretações são entendidos como sendo a mesma pessoa). Tiago Menor é filho de Alfeu (cf. Mt 10,3). Na Bíblia seu nome aparece apenas na listagem dos Apóstolos.

E o terceiro é finalmente TIAGO, O IRMÃO DO SENHOR, que agora comumente se chama de Tiago Pequeno. É filho de Clopas e uma outra Maria (cf. Jo 19,25, compare com Mc 15,40) e irmão de Joset (cf. Mt 27,56) que também é chamado de irmão do Senhor no texto em Mt 13,55. Segundo Hegesipo, o mais antigo historiador da Igreja, Clopas, seu pai, é irmão de São José (Eus. Hist. Eccl. 3,1.2). Sendo assim, Clopas é tio de Jesus e conseqüentemente, seus filhos Tiago e José, são primos de Jesus. Tiago, o irmão do Senhor, não era apóstolo, visto que ele mesmo não se dá esse título em sua carta (cf. Tg 1,1) diferentemente de Pedro (cf. 1ª Pe 1,1) e Paulo (cf. Tt 1,1). Em certa ocasião, Pedro, a quem Jesus colocou como líder da Igreja (cf. Mt 16,18), precisou fugir de Jerusalém (cf. At 12,17) e assim, Tiago, o irmão do Senhor, assume a igreja de Jerusalém, certamente por ser o mais próximo a Jesus, pois era seu primo (cf. Gl 2,9). Segundo relatos históricos, morreu apedrejado na Páscoa de 62. Sendo assim, este Tiago a quem se chama de irmão do Senhor, nada mais é que primo de Jesus. Inclusive, como se fala da morte de São José antes do início da vida pública de Jesus, Maria Santíssima e seu Filho podem ter ser mudado para a casa de Clopas, tornando-se assim uma só família.

O outro “irmão do Senhor” chamado Judas provavelmente é o autor de Carta de Judas do Novo Testamento, pois este também não era apóstolo: não se dá esse título (cf. Jd 1) e se diferencia deles (cf. Jd 17). Por isso não deve ser confundido com o Apóstolo Judas Tadeu (cf. Mt 10,3); com Judas Iscariotes (cf. Mt 27,3-9); com Judas de Damasco (cf. At 9,11); com Judas, o galileu (cf. At 5,37) e nem com Judas Barsabás (cf. At 15,22). Interessante que na Carta, Judas apresenta-se como sendo “irmão de Tiago” (Jd 1,1). Certamente é Tiago, o irmão do Senhor, bispo de Jerusalém, pois, Judas mencionaria alguém conhecido. Como já disse, Tiago, o irmão do Senhor, é filho de Clopas e de uma outra Maria e irmão de Joset. Assim sendo, os irmãos do Senhor, Tiago, Judas e Joset são sobrinhos de São José, primos de Jesus, irmãos no linguajar grego semítico.

No que se refere a Simão, o outro irmão de Jesus, pouco é sabido dele. No entanto, deve-se diferenciá-lo de Simão Pedro (cf. Jo 1,42); de Simão, o zelota (cf. Mc 3,18); de Simão, o leproso (cf. Mc 14,3); de Simão, o fariseu (cf. Lc 7,36-50); de Simão de Cirene (cf. Mc 15,21); de Simão Iscariotes (cf. Jo 6,71); de Simão, o feiticeiro (cf. At 8,9-13) e de Simão, o curtidor (cf. At 9,43). Simão, o irmão do Senhor, foi o segundo bispo de Jerusalém, na morte de seu irmão Tiago Pequeno. Mais uma vez segundo Hegesipo, ele era também filho de Clopas, assim, ao lado de seus irmãos Tiago, Judas e Joset, era também primo do Senhor.
Podemos, para ficar mais fácil, esboçar o seguinte esque-ma:

Jacó – avô paterno de Jesus (cf. Mt 1,16)
pai deClopas irmão de José casado com Maria casado com Maria Ssma. Tiago José primos de Jesus Cristo Judas  Simão

Em Jo 19,25 ainda há um detalhe: “Perto da cruz de Jesus, permaneciam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Clopas...”, na interpretação mais óbvia percebe-se que a mulher de Clopas é irmã de Maria Santíssima. O que faz com que o parentesco entre os filhos de Clopas e Jesus seja cada vez mais próximo, porém não são irmãos no sentido primeiro da palavra.

Finalizando, é importante ressaltar que a Verdade definida pela Igreja no Concílio de Latrão no ano 649 é decisiva: Maria é virgem antes, durante e depois do parto, tendo apenas um filho: Jesus Cristo, uma vez que a cristandade toda nisso acreditou desde os mais longínquos tempos. No entanto, os estudos teológicos sobre a identidade exata de cada um dos irmãos do Senhor ainda estão em processo de caminhada e aprofundamento, pois “cresce o conhecimento tanto das coisas como das palavras que constituem parte da Tradição” (Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática Dei Verbum, 8). Além da explicação que demonstrei, ainda existem outras sobre o assunto que embora divergindo em alguns pontos, continuam a indicar a Virgindade Perpétua. A dificuldade de exatidão se dá porque os autores da Bíblia não pretenderam fazer um livro de biografia, mas sim “uma narração” (Lc 1,3), um relato sobre a Pessoa e os atos do Filho de Deus. Além do mais, eles escreveram seus Textos Sagrados muitos anos depois dos acontecimentos e basearam-se em várias fontes que poderiam divergir em pontos secundários. Por isso não se deve fazer uma leitura fundamentalista da Bíblia. Ela não erra enquanto fala de realidades divinas, porém, o modo de escrever e as palavras usadas para tratar dessa realidade estão presas ao tempo, à História e à cultura daquele povo.

23 - NÚMERO DOIS        Por Carlos J. Magliano Neto
  
“...Estando Maria, sua mãe, desposada com José, antes de coabitarem, achou-se grávida do Espírito Santo” (Mt 1,18). Utilizando-se desta passagem o senhor tenta mostrar que “antes de coabitarem” prova que houve um depois de coabitarem, no sentido de que José e Maria depois do nascimento de Jesus tiveram relações sexuais. Porém, coabitar nada mais quer dizer que morar juntamente, viver em comum.

Este texto, na verdade, não contém provas que possam ser usadas nem por católicos e nem por protestantes para tratar da Virgindade de Maria. São Mateus escreveu isto apenas para confirmar que quando Maria engravidou, ela era virgem e ainda não estava morando juntamente com José, mostrando assim que ela é Esposa do Espírito Santo. Confirmamos essa intenção em Mt 1,24: “Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado: levou Maria para casa”, a partir daí sim, eles coabitaram, ou seja, moraram juntos.

Nas traduções da Bíblia onde se coloque uma outra expressão para “antes de coabitarem”, jamais se usa: “antes que tivessem relações”, mas se traduz: “antes que morassem juntos”. A própria Bíblia protestante tradução de João Ferreira de Almeida contribui para minha observação. Assim ela traduz o antes de coabitarem: “antes de se ajuntarem”. Até a Bíblia Tradução do Novo Mundo utilizada pelos Testemunhas de Jeová, apesar de possuir muitíssimos erros de tradução, conservou nesse versículo fidelidade à intenção de São Mateus e traduziu: “... antes de se unirem”.

24 - NÚMERO TRÊS Por Carlos J. Magliano Neto

“... e Maria deu à luz seu filho primogênito” (Lc 2,7). Pode-se argumentar com este versículo: se Jesus é o filho primogênito de Maria, é porque é o primeiro filho, e se existe o primeiro é porque existe o segundo, o terceiro... Este primogênito, que significa primeiro, não significa necessariamente que seja o primeiro de outros, mas apenas quer mostrar o valor que tinha naquela cultura o primeiro filho, mesmo que seja o único. No costume judaico, o primogênito tinha muitas vantagens e era isso que o autor queria lembrar: “Consagra-me todo o primogênito, todo o que abre o útero materno” (Ex 13,2).

Por exemplo, muita gente na Igreja Católica faz a Primeira Comunhão, o que não quer dizer que depois voltará a comungar. Do mesmo aconteceu quando viajei a Belo Horizonte, eu disse: “É a primeira vez que venho aqui”, apesar de ter sido a primeira vez, até hoje não teve a segunda e pode não ter nunca. Portanto, esse primogênito não prova nem de longe que Maria teve outros filhos. Um exemplo: sabemos que Jesus é o Filho único do Pai e, no entanto, em Hebreus 1,6, lemos que Jesus é o “Primogênito”. Jesus é o Primogênito do Pai, mas nem por isso deixa de ser também o “Filho Único” (Jo 3,16). Este então, é mais um texto que nada prova contra a Verdade Católica.

25 - NÚMERO QUATRO Por Carlos J. Magliano Neto
  
“... e Maria mãe de Jesus, e com seus irmãos” (At 1,14).
 Já falei desse texto quando disse que ele até ajuda a perceber que Maria não teve outros filhos. Afinal, Jesus já não mais está presente e mesmo assim, ao lado de Maria eles não são chamados de filhos de Maria, mas continuam sendo chamados de irmãos de Jesus.

“Jesus é o Filho Único de Maria. Mas a maternidade espiritual de Maria estende-se a todos os homens que Ele veio salvar: Ela gerou seu Filho, do qual Deus fez ‘o primogênito entre uma multidão de irmãos’(Rm 8,29), isto é, entre os fiéis, em cujo nascimento e educação Ela coopera com amor materno” (Catecismo da Igreja Católica, § 501).

26 - A IMACULADA CONCEIÇÃO Por Carlos J. Magliano Neto

        Agora o estudo volta-se para a grande graça reservada àquela cuja missão era ser “a mãe do meu Senhor” (Lc 1,43): a IMACULADA CONCEIÇÃO, ou seja, a concepção sem mancha, sem pecado da Virgem Maria. Maria não possuiu a mancha do pecado original e mais do que isso, nunca pecou.
Assim está posto na página 34: “O dogma da imaculada conceição de Maria foi inicialmente apresentado pelo Papa Pio IX” .Porém, na página 38 é dito: “Esse pensamento (da Imaculada) é endossado por João Duns Scoto (1308)”. Se ele foi inicialmente apresentado por Pio IX em 1854 como o senhor diz, então não poderia ter sido comentado 546 anos antes por João Duns Scoto. Entretanto, a origem desta verdade é ainda anterior a João Duns Scoto. Essa Doutrina se firmou inicialmente no Oriente por volta do século IV (há 1700 anos atrás!). Desde então ela começou a se espalhar e por volta do ano 600 já havia comemoração de sua festa em parte da Europa. Em 1128 o Monge Eadmer de Conterbury organizou e escreveu o primeiro tratado teológico sobre a concepção sem mancha de Maria. Em 1661, o Papa Alexandre VII já escrevia na Bula Sollicitudo omnium Ecclesiarum: “A devoção à Virgem Imaculada cresceu e espalhou-se e, depois que as escolas apoiaram esta pia doutrina, a partilham agora quase todos os católicos”.  Diante de tantos anos de estudos e de fé neste mistério, a Igreja em 8 de dezembro de 1854, através da Definição Dogmática Ineffabilis Deus do Papa Pio IX, reconheceu oficialmente esta Verdade professada desde os tempos mais remotos do cristianismo.

27 – INFALIBILIDADE Por Carlos J. Magliano Neto

Comentando sobre a incapacidade da Igreja errar em termos de Doutrina o senhor afirma:  “Os papas acreditam efetivamente que suas determinações são como as determinações de Deus” (pág. 34).
      
Não diria que as determinações papais são como as determinações de Deus, mas digo que elas são totalmente constituídas pelo carisma da Verdade divina.  E assim, não só os papas acreditam nisso, mas todos os cristãos que pautam sua vida pela Palavra de Deus deveriam saber e acreditar também. As determinações papais em termos de fé e moral não possuem erros. Isso porque Jesus é categórico ao falar com Pedro, o primeiro líder do grupo apostólico: “Por isso eu lhe digo: você é Pedro, e sobre esta pedra construirei a MINHA IGREJA e o poder da morte nunca poderá vencê-la. Eu lhe darei AS CHAVES DO REINO DO CÉU, e O QUE VOCÊ LIGAR NA TERRA SERÁ LIGADO NO CÉU, E O QUE VOCÊ DESLIGAR NA TERRA SERÁ DESLIGADO NO CÉU” (Mt 15,18-19). Além de Jesus ter deixado uma Igreja que Ele chama no singular “minha Igreja”, dá a Pedro “as chaves do Reino do Céu”. Tranquilamente eu digo que Jesus não fez tudo o que fez, ensinou tudo o que ensinou para deixar uma obra que tempos depois poderia fracassar. Não. Logicamente que Jesus desejou que sua mensagem chegasse intacta e sem erro a todos os cantos do mundo, em todos os tempos a partir de sua vinda. Por isso, Ele escolheu para a Missão “os que ele quis” (Mc 3,13-16) e a esses deu autoridade (cf. Jo 20,21-23). Assim, deu capacidade primeiro a Pedro (cf. Mt 16,19) e depois a todos os outros juntos (cf. Mt 18,18) de ensinar aquilo que era ensinamento de Deus (cf. Mt 10,40; Jo 13,20) sem mancha, sem erro. Estes, que possuíam a autoridade dada pessoalmente pelo Senhor, foram passando essa autoridade para outros (cf. At 6,3-6) a fim de que nunca se acabasse no mundo essa corrente de Poder, de Autoridade e de Verdade iniciada pelo Filho de Deus. Daí concluímos que a Igreja que Jesus chamou de minha, enquanto se pronuncia sobre fé e moral é incapaz de errar, pois foi com este selo de inerrância que Deus a marcou “por causa da verdade que permanece em nós e estará conosco para sempre” (2ª Jo 1,2), assim, como a Palavra de Deus é uma só, não podemos duvidar que o Senhor esteve e está acompanhando de perto essa Igreja (cf. Jo 14,18) e que tudo o que se decide e se conclui na união dos apóstolos é inspirado e confirmado pelo Espírito Santo (cf. At 15,28).

“Jesus disse: ‘Você é feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que lhe revelou isso, mas o meu Pai que está no céu’” (Mt 16,17). Certamente Pedro foi feliz porque recebeu do Senhor tão nobre tesouro: falar das coisas de Deus não com sua capacidade humana imperfeita, mas com sabedoria revelada pelo Pai que está no céu: este é o dom de infalibilidade.

Errar em questões pessoais e assuntos que não se referem à fé e à moral, o Santo Padre e os Bispos podem errar como errou também Pedro (cf. Gl 1,11-14); são humanos. Mas até aí, nos erros, a graça se Deus se destaca demonstrando o quanto Ele acompanha a sua Igreja: “... graças a Deus nós temos percebido isso ao longo dos séculos. Sempre ao lado do pecado, sobressaiu o mistério da santidade, a beleza da santidade, através de homens e mulheres que por uma vida de fidelidade absoluta, de uma busca incansável de Deus, semearam o ideal da santidade evangélica no chão da História” (D. Fr. Alano Maria Pena, O.P., Arcebispo-eleito de Niterói-RJ no “Programa Na Fé Católica” em 22 de agosto de 2003).

Esse dom da infalibilidade dado a Pedro e seus sucessores, na verdade nada tem de novo. Os redatores da Bíblia também receberam de Deus esse carisma, visto que tudo o que eles escreveram, pela graça de Deus, não possui erro de Doutrina (cf. 2ª Pe 1,20-21). E como o Senhor cooperou para que a Bíblia tivesse uma palavra inerrante, quis também que a sua Igreja a tivesse. Fato: em 2000 anos de Igreja Católica, 21 Concílios Ecumênicos e 264 papas, a Doutrina foi amadurecida, mas nunca alterada ou corrigida. Nunca um Concílio anulou ou corrigiu outro Concílio em termos de Doutrina. Nunca um Papa desdisse outro Papa em pontos de fé e moral. Perdoe-me, mas eu não consigo ver uma instituição assim, tão grande e tão una como uma obra que não seja de Deus. Por isso temos a certeza que tudo o que a Igreja declara como Verdade de Fé, é para ser acreditado sem sombra de dúvida.

É o mesmo que os protestantes fazem: vocês também acreditam na verdade de fé declarada pelo líder de vocês. A diferença está apenas em que no nosso caso, temos o respaldo bíblico das palavras de Jesus sobre o primeiro líder que se estende a todos os outros nessa corrente apostólica ininterrupta bimilenária.

“Considerar-se-á, antes de tudo, a autoridade da Igreja universal e dos outros espíritos mais doutos que brilham nas controvérsias e escritos quando se trata da Verdade da Igreja” (Santo Agostinho, Doutor da Igreja, Na Escola dos Santos Doutores, 175).

28 - TODOS PECARAM   Por Carlos J. Magliano Neto

“ (...) ‘Na verdade não há homem justo sobre a terra, que faça o bem, e nunca peque’ (Ecle 7:20); ‘...todos estão debaixo do pecado’(Rm 3,9); ‘Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus’ (Rm 3,23) (...) Note que em nenhum dos textos citados se indica alguma exceção a Maria” (pág. 35).

        Sempre que nós lermos um texto ao pé da letra e não estivermos abertos a uma interpretação coerente e correta, correremos o risco de desviar da Verdade e atropelarmos o que já conhecemos. Se pegarmos a citação de Rm 3,23, por exemplo, ainda um pouco antes, no final do versículo 22, veremos com mais precisão a respeito disso: “...E não há distinção: Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”. Certamente qualquer pessoa nota claramente que o Apóstolo Paulo não faz distinção, ele afirma: todos pecaram.

        A problemática vem a seguir: o Senhor Jesus fez-se um homem normal, conforme a Igreja ensina, 100% homem. A própria Bíblia é bem clara a esse respeito: “Uma vez que os filhos têm todos em comum a carne e o sangue, Jesus também assumiu uma carne como a deles” (Hb 2,14). Notemos que Jesus fez-se homem igual aos outros e que segundo Rm 3,9 “todos estão debaixo do pecado”. Conclusão: Jesus, sendo homem, tinha pecado. No entanto, em Hb 4,15 está escrito: “... pois Jesus mesmo foi provado em tudo como nós, em todas as coisas, menos no pecado”. Entendamos: apesar da afirmação todos estão debaixo do pecado, havia exceções, e Jesus é uma delas. Apesar de assumir uma natureza humana como a de todo mundo, não tinha pecado. Sendo assim, em nenhum dos textos que o senhor citou, se indica alguma exceção a Maria, assim como também não indica alguma exceção a Jesus. Por isso, não se pode usar de fundamenta-lismo e dizer que absolutamente todos os homens, sem exceção, estão sob a condição do pecado.

29 - O SALVADOR DE MARIA Por Carlos J. Magliano Neto.

 “‘A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador’ (Lc 1:46,47). Veja que ela admite precisar de um Salvador. Ora, parece óbvio, se ela não tivesse pecado, não teria necessidade de um Salvador” (pág. 36).
      
Certamente Maria precisou de Salvador. Maria é um ser humano, uma criatura de Deus. Se não fosse a missão salvadora do Filho, Maria também teria o pecado original como todo mundo. Jesus salvou Maria. Contudo, os méritos do sacrifício de Cristo foram aplicados antecipadamente a Maria: “... a Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, em previsão dos méritos do Redentor Jesus Cristo, nunca esteve sujeita ao pecado original, tendo sida, por isso, redimida de modo mais sublime“ (Papa Pio IX, Definição Dogmática Ineffabilis Deus, 10).

“Dois, porém, são os modos de remir... Consiste o primeiro em levantar o caído e o segundo, em preservá-lo da queda. É fora de dúvida que este último é mais nobre... Os outros tiveram um Redentor que os livrou do pecado já contraído; porém a Santíssima Virgem teve um Redentor que, em sendo seu Filho, a livrou de contrair o pecado” (Santo Afonso Maria de Ligório, Glórias de Maria, pág. 246).  Com certeza Maria chama a Deus de “meu Salvador” pois, a sua pureza e santidade vêm justamente da salvação trazida por seu Filho a todos os homens.

30 - PURIFICAÇÃO DA IMACULADA Por Carlos J. Magliano Neto

 “E cumprindo os dias da purificação dela (Maria), segundo a lei de Moisés, o levaram a Jerusalém para apresentarem ao Senhor... e para darem oferta segundo o disposto na lei do Senhor: um par de rolas ou dois pombinhos” (Lc 2:22-24). Este texto nos informa que Maria, em obediência ao dispositivo da lei de Moisés, ofereceu holocausto pelos seus pecados. (...) É incoerente conceber uma pessoa sem pecado a oferecer oferta pelo pecado” (pág. 36).
      
Posso responder isso com uma comparação: Jesus não tinha pecado e, no entanto, se batizou no “batismo de arrependimento para a remissão dos pecados” (Mc 1,4) de João Batista: “Jesus foi da Galiléia para o rio Jordão, a fim de se encontrar com João, e ser batizado por ele. Mas João procurava impedi-lo, dizendo: ‘Sou eu que devo ser batizado por ti, e tu vens a mim?’ Jesus, porém, lhe respondeu: ‘Por enquanto deixe como está! Porque devemos cumprir toda a justiça’. E João concordou” (Mt 3,13-15). Jesus, enquanto homem deveria cumprir toda a justiça.

Quando Maria deu à luz, a Lei que vigorava era a Lei Mosaica que ordenava a ida da mulher até o sacerdote para fazer uma oferta para o sacrifício (cf. Lv 12,6). Esta Lei, de maneira nenhuma poderia ser descumprida pelo casal José e Maria que eram bons judeus. Essa passagem também não destrói em momento nenhum o dogma da Imaculada Conceição e nem prova nada contra ele. Tudo que Maria fez por sua purificação também recebe as palavras de Jesus: “Por enquanto deixe como está! Porque devemos cumprir toda a justiça”.

31 - SITUAÇÕES DIFERENTES Por Carlos J. Magliano Neto
  
“Se é verdade que o pecado original (desonra de Eva), não pôde alcançar Maria pela dignidade de Jesus, logo com a simples aplicação da mesmíssima regra, teríamos necessariamente de concluir que o pecado original não poderia ter alcançado a mãe de Maria pela dignidade de Maria; e de igual modo: o pecado original não poderia ter alcançado a avó de Maria pela dignidade da mãe de Maria”(págs. 37-38).
      
Agora me surpreendeu sua argumentação. O senhor ultrapassou a veneração dos católicos e colocou Maria no mesmo patamar de dignidade de Jesus. É claro que o pecado original não poderia ter alcançado Maria pela dignidade de Jesus que é Deus e que, como Deus, não poderia “ter contato com o pecado” (pág. 64). Agora, dizer que a mãe de Maria não poderia ser atingida pelo pecado por causa da dignidade de Maria é o mesmo que dizer que a grandeza de Maria é como a do Senhor Jesus. Ora pastor, Maria é digníssima sim, mas não à altura de Deus, pois ela é sua criatura. Olha o seu erro: “...com a simples aplicação da mesmíssima regra, teríamos necessariamente de concluir que o pecado original não poderia ter alcançado a mãe de Maria pela dignidade de Maria...” Não se pode ter a simples aplicação da mesmíssima regra para situações tão diferentes. Maria foi preservada porque Deus iria habitar no seu ventre, já a mãe de Maria teria uma missão muito nobre, mas sua filha não era Deus.

32 - LIBERDADE DA ESCOLHIDA Por Carlos J. Magliano Neto.

“Com isso (o dogma da Imaculada) a igreja de Roma tira de Maria o direito de decidir, fazendo dela pouco mais que um robô; e ainda, a rebaixa a uma posição amoral” (pág. 38). Para entendermos melhor a questão da Imaculada Conceição de Maria, nos é necessário conhecer dois pontos:

1– “Não ter o pecado original”, é diferente de “não ter livre-arbítrio”.

2– Deus não traça um destino que fira a liberdade, mas sabe o que vai acontecer antes que tudo aconteça; vamos analisá-los calmamente:

1 – É um engano dizer que Maria não tendo o pecado original também não teve o livre-arbítrio, a liberdade de decisão. Note: Adão e Eva, os primeiros pais, não tinham o pecado original, foram criados sem mancha, e apesar de sua pureza tinham a liberdade de escolha e, por utilizar essa liberdade de maneira ruim, pecaram. Assim, Deus preservou Maria da mancha do pecado original, mas não lhe retirou a liberdade. Uma coisa não anula a outra. A liberdade de escolha de Maria fica clara na cena da Anunciação. Do mesmo modo como Maria disse: “Eis a escrava do Senhor” (Lc 1,38) ela também poderia ter dito: “Não quero isso, não. É muita responsabilidade para mim”. Maria é livre da mancha original e livre também para decidir sua vida. O que acontece é que Maria foi de tal maneira plasmada pela graça de Deus que ela entendeu que a verdadeira liberdade é servir a Deus integralmente e, por causa de seu conhecimento e de seu contato com Deus, não cabia em sua vida o pecado. Nesta Mulher (Maria), ao contrário da primeira mulher (Eva), se cumpriu toda a vontade de Deus e Ele a presenteou com “bens extraordinários e preciosos” tornando Maria participante “da natureza divina, depois de escapar da corrupção que o egoísmo provoca neste mundo” (2ª Pe 1,4).

2 – Não existe um destino traçado que tire a liberdade de alguém. A maior “semelhança” (Gn 1,26) que temos para com Deus é justamente o nosso poder de decidir sobre a nossa vida. Se existisse um destino traçado, impedido a liberdade, ninguém poderia ser culpado de nada. O ladrão seria ladrão porque Deus assim escreveu. O assassino seria assassino porque assim foi da vontade de Deus. Sendo assim, não seríamos imagem e semelhança de Deus, mas seríamos meros bonecos nas mãos do destino. Apesar disso, Deus já sabe de todas as atitudes que iremos tomar com nossa liberdade durante a nossa vida. Ele não escreveu, mas Ele já sabe o que, em nossa liberdade, vamos fazer. Um exemplo: Judas entregou Jesus às autoridades por trinta moedas de prata (cf. Mt 26,15). Deus não escreveu isso de maneira arbitrária ferindo a liberdade de Judas, mas Ele já sabia da atitude de Judas antes até do traidor nascer. No livro de Zacarias, escrito muitos anos antes, já se encontra a profecia: “E eles pesaram o meu salário: trinta moedas de prata” (Zc 11,12). Pus este exemplo para ser possível entender que o Senhor salvou Maria de seus pecados antes mesmo de acontecer o sacrifício da cruz, porque Ele já sabia que o sacrifício iria acontecer. Ele preservou Maria antes mesmo dela dizer o “sim” porque já sabia que Maria, na sua liberdade o diria. “O divino artífice do universo queria preparar para seu Filho uma digna habitação, e por isso ornou a Maria com as mais encantadoras graças” (Beato Dionísio Cartuxo, Glórias de Maria, pág. 239).

33 - DEUS DO IMPOSSÍVEL Por Carlos J. Magliano Neto.

“Algumas regras estabelecidas por Deus não podem ser quebradas por ninguém, nem pelo próprio Deus. Deus não podia tirar a mancha de pecado de Maria, pois já havia estabelecido que ‘o pecado passaria a todos os homens’ (Rm 5:12), e certamente não tirou” (pág. 41). Repito suas palavras: “Algumas regras estabelecidas por Deus não podem ser quebradas por ninguém, nem pelo próprio Deus”. E se eu lhe perguntar: acredita em milagres? E o que é um milagre senão o poder de Deus que quebra as regras que estão estabelecidas? Certamente o senhor vai se lembrar que Deus quebrou suas regras quando abriu o Mar Vermelho (cf. Ex 14,21); quando fez brotar água da rocha (cf. Ex 17,6); quando curou a mulher que sofria havia 12 anos de hemorragia incurável (cf. Mt 9,20-22); quando fez Lázaro tornar a viver depois de quatro dias de sepultado (cf. Jo 11,43-33); quando fez “o sol parar” (cf. Josué 10,12-13) e fez sua sombra voltar dez graus (cf. 2 Reis 20,10-11); quando Jesus andou sobre as águas do mar (Jo 6,19) e quando alimentou cinco mil homens sem contar mulheres e crianças com apenas cinco pães e dois peixes e, como se não bastasse, recolheram ainda 12 cestos cheios (cf. Jo 6,1-15). É o que Jesus disse: “Para os homens isso é impossível, mas para Deus tudo é possível” (Mt 19,26).
Tentar provar que Deus não retirou o pecado original de Maria porque “não podia” é negar que Deus opera milagres, e negando isto, abandona completamente a fé em Cristo, pois Ele superou e quebrou as regras desde o início quando foi concebido não de um relacionamento estabelecido homem-mulher, mas de algo diferente, algo único e inimaginável. “Para ser a Mãe do Salvador, Maria ‘foi enriquecida por Deus com dons dignos de tamanha função’” (Catecismo da Igreja Católica, § 490).


 Fonte: www.nospassosdemaria.com.br