''Quem são todas as mulheres, servos, senhores, príncipes, reis,
monarcas da Terra comparados com a Virgem Maria que, nascida de descendência
real (descendente do rei Davi) é, além disso, Mãe de Deus, a mulher mais
sublime da Terra? Ela é, na cristandade inteira, o mais nobre tesouro depois de
Cristo, a quem nunca poderemos exaltar bastante (nunca poderemos exaltar o
suficiente), a mais nobre imperatriz e rainha, exaltada e bendita acima de toda
a nobreza, com sabedoria e santidade.''
(Martinho Lutero, ''Comentário do Magnificat'', cf. escritora
evangélica M. Basilea Schlink, revista ''Jesus vive e é o Senhor'').
Lendo as palavras acima, ditas por Martinho Lutero, o
"reformador" protestante. Ficamos a nos perguntar quais as razões do
tratamento dispensado pelo mesmo protestantismo a Nossa Senhora, Mãe de Deus.
Haja vista, Lutero baniu a Igreja de sua confissão, mas não fez o mesmo com
Maria, da qual se refere de forma devotada e amorosa em diversos de seus
escritos: ''Por justiça teria sido necessário encomendar-lhe [para Maria] um
carro de ouro e conduzi-la com quatro mil cavalos, tocando a trombeta diante da
carruagem, anunciando: 'Aqui viaja a mulher bendita entre todas as mulheres, a
soberana de todo o gênero humano'. Mas tudo isso foi silenciado; a pobre
jovenzinha segue a pé, por um caminho tão longo e, apesar disso, é de fato a
Mãe de Deus. Por isso não nos deveríamos admirar, se todos os montes tivessem
pulado e dançado de alegria.'' (Martinho Lutero - Comentário do Magníficat).
O sentimento antimariano que presenciamos entre os protestantes não faz
parte do verdadeiro ideal da Reforma, mas surgiu pelo falso receio de que o
''brilho'' de Maria pudesse sombrear ou apagar a verdadeira Luz, que é Jesus
Cristo. Graças a Deus, hoje podemos enxergar mudanças em alguns fiéis e
teólogos evangélicos, reconhecendo o verdadeiro sentido e valor da Santa Mãe de
Deus, tal como defende a Igreja Católica. Mas essa mudança ainda custa a se
fazer sentir no nosso dia-a-dia.
O presente e-book (livro eletrônico), versa justamente sobre as
contestações suscitadas a respeito da figura de Maria na história e na Vida da
Igreja universal. Contestações que muitas vezes beiram o absurdo quando notamos
um comportamento notadamente antimariano, onde se chega a "demonizar"
a própria Mãe de Jesus, nosso Salvador. Igualmente, tais contestações são
apresentadas de forma aparentemente fundamentada, com diversas citações
bíblicas escolhidas convenientemente, com uma linguagem extremamente sedutora
em tentar provar o contrário daquilo que o próprio Deus sacramentou como
verdade. Deus não precisava de Maria, quis precisar. Não para qualquer tarefa,
mas para ser a Mãe do Salvador de todos os homens, independentemente de credo
desses últimos.
O autor do livro, o nosso jovem Carlão, nos conduz passo a passo, numa
linguagem acessível e com uma objetividade notável, pelos caminhos desse
estudar nos passos de Maria. Sua bem fundamentada resposta às proposições de um
pastor protestante - autor de um livro intitulado "Caminhando nos Passos
de Maria" - se vê robustecida pelo claro objetivo de elucidar ao invés de
confrontar, de corrigir com caridade ao invés de desqualificar.
Receber a caridosa oferta do Carlão para que seu "pequeno
grande" livro fosse veiculado através do Portal Universo Católico, foi alvissareira.
Numa comunicação posterior, o mesmo me informava que aguardava a aprovação
eclesiástica do livro, para que o mesmo
me fosse remetido, o que despertou curiosidade.
Mas de posse do material prévio para publicação, devidamente autorizada
por D. Alano Maria Pena (Arcebispo de Niteroi - RJ), a emoção primeira se
verteu num estado de graça, de alguém que recebia uma benção especial. Um
verdadeiro presente de Jesus e Nossa Senhora. Uma grata oportunidade de levar a
tantos de meus irmãos católicos e especialmente aos irmãos evangélicos, uma
obra que certamente os ajudará a elucidar muitas dúvidas, ou a desfazer-se de
vários preconceitos.
''Não podemos reconhecer as bênçãos que nos trouxe Jesus, sem
reconhecer ao mesmo tempo quão imensamente Deus honrou e enriqueceu Maria, ao
escolhê-la para Mãe de Deus.'' (João Calvino, Comm. Sur l’Harm. Evang.,20)
Por fim, fica o meu convite a sua leitura. Você poderá solicitar do
autor um exemplar impresso. Mas poderá também imprimir, copiar, enviar via
e-mail aos seus amigos, tudo isso citando a fonte e o contato do autor.
7 - BENDITA ENTRE AS MULHERES Por
Carlos J. Magliano Neto
“Entre todas as mulheres de seu
tempo, ela foi abençoada e louva” (pág. 16).
Não entendo por que os protestantes (esta não foi a primeira vez que vi
isso) reduzem a beatitude de Maria a apenas diante das mulheres de seu tempo.
Ainda fazem questão de afirmar que “Maria não foi bendita entre todas as
mulheres, mas apenas entre as mulheres”. Não sei por que isso, visto que Maria
fez uma grande profecia: “De agora por diante todas as gerações me proclamarão
bem aventurada” (Lc 1,48). Maria não é bendita somente diante daquela geração,
mas diante de “todas as gerações”.
Apesar de o senhor ter tentado reduzir a beatitude de Maria apenas às
“mulheres de seu tempo”, na página 21 encontrei uma frase belíssima sua, que
parece vir corrigir esse pensamento: “Por isso, devemos como o anjo (Lc 1:28),
honrá-la e reconhecê-la como alguém feliz, bem aventurada entre todas as
mulheres”. Louvado seja Deus e honrada seja Maria!
Elbson do Carmo - Webmaster Universo Católico
8 - BEM-AVENTURADA Por Carlos J.
Magliano Neto
“Na própria Bíblia, houve um
caso notável de alguém que acreditou ser Maria superior a todas as outras
mulheres. O equívoco não foi adiante, porque o comentário foi feito ao próprio
Jesus, que imediatamente colocou as coisas em seus devidos lugares. ‘E
aconteceu que dizendo ele estas coisas, uma mulher entre a multidão, levantando
a voz, lhe disse: ‘Bem aventurado o ventre que te trouxe e o peito em que
mamaste’. Mas ele disse: ‘Antes, bem aventurados os que ouvem a palavra de Deus
e a guardam’ (Lc 11:27,28)” (pág. 17).
Pareceu-me uma contradição: primeiramente o senhor diz que “Bem aventurada”
não é um título extraordinário e que este termo não “faria Maria maior que
outra pessoa” (pág. 16). Entretanto, no comentário sobre o episódio de Lc
11,27-28, assim está: “Uma mulher dentre a multidão que ali estava, impõe sua
voz, enaltecendo Maria acima das expectativas de Jesus e das pretensões
bíblicas”
(pág. 17)
Como assim “acima das expectativas” se a mulher apenas disse: “Bem
aventurado”? Por que é que o senhor interpreta o mesmo termo “bem-aventurado(a)”
com dois sentidos tão diferentes? Com uma interpretação para cada ocasião?
Mas isso não é o principal. Vamos ao conhecimento da Igreja sobre essa
perícope: “Ora, tal motivo de exaltação (que Jesus fez) se aplica eminentemente
a Maria Santíssima, que, sem dúvida, recebeu a graça de se tornar Mãe do Verbo
encarnado, porque primeiramente se mostrou em tudo fiel serva do Senhor; diz
Santo Agostinho: ‘Mais feliz é Maria por ter vivido inteiramente a fé do
Messias do que por ter concebido a carne do Messias’(Ed. Migne Lat. 40,398). À
Luz deste princípio, entendam-se as palavras de Jesus: o Senhor quer erguer a
estima a Maria sobre o aspecto mais digno e rico que a Mãe de Deus possa
apresentar à consideração dos cristãos” (D. Estevão Bettencourt, OSB, Curso
sobre parábolas e páginas difíceis dos Evangelhos, mód.10 pág.182). Jesus
reponde que a verdadeira felicidade consiste em ouvir a Palavra de Deus e
observá-la. Logicamente não excluiu sua Mãe, mas mostra que a verdadeira
superioridade dela está no fato de ter sido uma mulher de fé: “Bem aventurada
aquela que acreditou” (Lc 1,45); “E sua mãe conservava no coração todas essas
coisas” (Lc 2,51).
A honra à Maria deve ser dada primeiramente por causa de sua fé e
depois por causa da gestação divina. Afinal, ela só ficou grávida do Senhor
porque acreditou. Quando a Igreja nos põe Maria como exemplo a ser imitado,
claro que não é o exemplo de ser Mãe do Filho de Deus que deveremos imitar
(pois isso nos será impossível!), mas é o exemplo da fé, da confiança em Deus
que a jovem Maria tinha. E é isso que o Senhor quer demonstrar. Perceba que Ele não disse que Maria não era
bem-aventurada, mas disse que antes, bem-aventurados são os que ouvem a Palavra
de Deus e a guardam. Maria é bem aventurada duas vezes: primeiro porque
acreditou (cf. Lc 1,45), segundo porque deu à luz o Filho de Deus (cf. Lc
11,27).
“O nó da desobediência de Eva foi desfeito pela obediência de Maria; o
que a virgem Eva ligou pela incredulidade a virgem Maria desligou pela fé”
(Santo Irineu, Catecismo da Igreja Católica, § 494).
9 - MARIA COMO MÃE DE DEUS Por
Carlos J. Magliano Neto
“É possível que a ideia em si não seja de todo um equívoco; porém as
conseqüências desta confissão, quando levadas a extremo, podem ser
devastadoras, não apenas pela forma de ver Maria, mas também pela visão
distorcida que se terá de Jesus” (pág
19).
Pastor, tudo levado a extremo pode ser devastador. Tudo o que é em
demasia, por melhor que seja, passa a não ser bom, pois leva à ruína. Exemplo:
ir à igreja é bom, é ótimo. Só que se uma pessoa não tiver outra ocupação, e
viver na igreja dia após dia, hora após hora, isso não fará bem a ela, a levará
ao fanatismo que não é nada bom. Do mesmo modo como comer é bom, mas se alguém
levar isso ao extremo, não fará bem, ao contrário, vai passar mal. Veja a
sugestão de São Paulo: “Não continues a beber somente água; toma um pouco de
vinho por causa de teu estômago...” (1ª Tm 5,23). Evidente-mente São Paulo recomenda
o uso do vinho sem exagero, pois o vinho é bom, mas se levado a extremo pode-se
tornar um mal: o alcoolismo.
Dei estes exemplos,
porque não se pode, por causa de possíveis abusos, negar o que é verdadeiro. O
senhor mesmo concorda que esta idéia em si não seja de todo um equívoco, então
por que negá-la? Se ficarmos mutilando a Verdade por medo de que alguém a
levará para um caminho ruim, deveremos então apagar grande parte dos
ensinamentos de Cristo, como este: “Se o olho direito leva você a pecar,
arranque-o e jogue-o fora! É melhor perder um membro, do que seu corpo todo ser
jogado no inferno” (Mt 5,29). Vamos sumir com este também: “Se alguém vem a mim
e não odeia seu próprio pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e até a
própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,26). São ensinamentos do Filho
de Deus, mas, se levados a extremo, serão também devastadores.
10 - FILHO DE DEUS E FILHO DO HOMEM Por
Carlos J. Magliano Neto
Ainda dentro do tema Mãe de Deus, devo lhe pedir licença, pois acho que
o senhor não entendeu muito bem essa questão. Primeiro é dito assim: “Considerando
que Jesus é Deus, e ainda, que nasceu de Maria, penso ser óbvio dizer que Maria
é mãe de Deus” (pág. 19).
E ainda: “O termo grego ‘meter ton Iesous’ (mãe de Jesus) é usado na
Bíblia algumas vezes, o que significaria dizer que no sentido humano, Maria é
de fato a mãe de Deus. Foi ela quem gerou o Messias, quem o carregou por nove
meses, quem o amamentou e cuidou dele até a idade adulta. Seria uma
discrepância afirmar que, neste sentido, ela não é a mãe de Deus”(págs. 19 e 20).
O curioso vem agora: “Deus não
tem mãe; se tivesse, deixaria de ser Deus. (...) Maria é mãe do Deus homem e
nada mais”(pág. 21).
Maria é Mãe de Deus sim ou não? Não entendi a que conclusão chegou. Para
assimilar melhor esse Mistério nos é necessário saber mais sobre a Encarnação
do Filho de Deus no ventre de Maria. Veja, antes de tudo precisamos saber a
diferença teológica entre as duas palavras NATUREZA e PESSOA. A palavra NATUREZA
se refere a tudo que seja próprio da essência de um ser, a sua estrutura íntima
que o faz ser e agir tal como ele é e age. Exemplo: a natureza humana é a
racionalidade do homem, isto é, a sua capacidade de pensar. Daí então vem a sua
linguagem, sua maneira de agir e etc, ou seja, tudo aquilo necessário para que
alguém seja ser humano. A todos os homens é igual esta natureza, pois essas
características lhes são próprias. A criatura que tiver esta natureza racional
é ser humano.
Porém, apesar de todos os seres humanos compartilharem da mesma
natureza, eles não compartilham da mesma personalidade. E é aí que entra a
palavra PESSOA, que se refere à personalidade, à individualidade e à
particularidade que cada um tem e que é próprio seu, somente seu. É o “eu” de
cada um, é o “ser” de cada um. Pastor, eu tenho a mesma natureza que a sua, mas
a nossa pessoa é diferente.
Entendido isso fica mais fácil percebermos o Mistério da Encarnação de
Jesus: Ele, sendo “Filho de Deus” (Mt 27,54), Eterno (sem começo e sem fim)
igual ao Pai (Ap 22,13), tem a sua Natureza Divina, que é compartilhada pelas
Três Pessoas da Santíssima Trindade. O Filho possui uma Natureza com
características próprias da Divindade, que o faz ser Deus (cf. Fl 2,6). Junto
com essa Natureza, Ele possui a Pessoa, sua personalidade particular que é
diferente das demais, que são as características próprias dAquele que é o Filho
e que só Ele tem. É o Seu Eu particular, a Sua Pessoa Divina.
Em um determinado momento da História (cf. Gl 4,4), essa Pessoa Divina
com Natureza Divina, vem ao mundo e assim, no ventre de Maria, assume também a
Natureza Humana. Jesus passa a ser então uma Pessoa com dois modos de agir, com
duas naturezas: uma Divina (que Ele sempre teve) e uma Humana (que Ele assumiu
por causa da Encarnação). No entanto, Este que possui as duas naturezas é uma
Pessoa só, a Divina, a Pessoa Eterna do Filho de Deus (cf. Jo 17,5). O Eu de
Jesus é Divino (cf. Cl 2,9) e a maneira de agir é Divina (cf. Mc 2,5-12) e
Humana (cf. Mt 26,39), pois possui o que é característico de cada uma das
naturezas. Por conseguinte, a Pessoa que nasceu de Maria é a Pessoa que sempre
existiu: a Pessoa do Filho de Deus, Deus igual ao Pai (cf. Jo 1,1.14). Deste
modo, é perfeitamente óbvio que Maria gerou a Natureza Humana, mas como ninguém
é mãe só da natureza, mas sim da totalidade do ser, Maria é Mãe de Deus, pois a
Pessoa que assumiu a natureza humana gerada em seu ventre é a Pessoa de Deus
Filho.
O anjo anunciou à Maria: “...o Santo que nascer de ti será chamado Filho
de Deus” (Lc 1,35). As palavras do anjo confirmam a maternidade divina de
Maria, pois chamando o Filho de Maria de Filho de Deus, o anjo está dizendo que
o Filho que nasceu de Maria é “igual a Deus” (Jo 5,18).
Diante disso, não há como entender o seu argumento de que ela é Mãe de
Deus “no sentido humano”. Se ela é Mãe no sentido humano, não é Mãe de Deus,
mas Mãe do homem Jesus somente, e assim estaríamos fazendo uma separação entre
dois Jesus diferentes: uma Personalidade de Jesus Humano e uma outra Personalidade
de Jesus Divino, o que não existe.
Mais confuso ainda é dizer que “Maria é mãe do Deus homem e nada mais”.
Como assim Deus homem e nada mais? Nada mais mesmo, pois “Deus homem” já é a
totalidade do Senhor Jesus, não existe mais e nem menos. Como já visto, não se
divide a Pessoa de Jesus em parcela humana e parcela divina. “O acontecimento
único e totalmente singular da Encarnação do Filho de Deus não significa que
Jesus Cristo seja em parte Deus e em parte homem, nem que seja o resultado da
mescla confusa entre o divino e o humano. Ele se fez verdadeiramente homem
permanecendo verdadeiro Deus. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro
homem” (Catecismo da Igreja Católica, §464). Esta é a voz perene da Igreja
ensinando que Jesus é a Pessoa Eterna Divinal que assumiu a natureza humana em
um determinado tempo. A Pessoa do Filho de Deus é a mesma de sempre,
acrescentada a Natureza Humana (cf. Rm 9,5), por isso Ele é indivisível!
Deste modo, o Concílio de Éfeso no ano 431 proclamou que Maria se
tornou de verdade a Mãe de Deus, não porque dela nasceu a Divindade, mas porque
nela Deus “se fez homem e habitou entre nós” (Jo 1,14). O Filho nascido da Mãe
Maria é o mesmo Filho Eterno do Pai que é Deus igual ao Pai e ao Espírito
Santo, e é conhecido como “Filho de Deus” (At 9,20) por ser ter natureza divina
e “Filho do Homem” (Mt 17,22) por ter natureza humana. “Aquele que fez todos os
seres se tornou filho de sua criatura” (São Leão Magno, Doutor da Igreja, Na
Escola dos Santos Doutores, 1454).
11 - DISCRETAMENTE Por Carlos
J. Magliano Neto
“Além disso, a igreja católica ensina, mesmo que discretamente, ser
Maria Mãe de Deus em todos os sentidos” (pág. 20).
É lamentável o seu argumento de que “a igreja católica ensina, mesmo
que discretamente” que Maria é Mãe de Deus no sentido de que Deus só começou a
existir a partir do momento em que foi concebido por Maria. A Igreja jamais
ensinou isso. Mas, para “confirmar” o seu argumento, o senhor cita uma frase
“da Internet”: “Maria não é a mãe apenas
da carne humana, mas de toda a realidade de seu filho, que tinha uma só pessoa
(a Divina)” (pág. 20).
Se não houver má vontade na interpretação desta frase, será percebido
que ela comporta toda a verdade cristã explicada detalhadamente acima. É só
reler tudo o que eu escrevi e verá se a frase tem ou não razão. Repetindo: não
se divide o Senhor ao meio, a Pessoa é única. Todavia, desconheço qualquer tipo
de ensinamento da Igreja mesmo que discreto nessa linha. A Igreja é bastante
clara nos seus ensinamentos. O que estou escrevendo aqui, não é conclusão
minha, mas é ensinamento oficial da Igreja e isso vem mostrar que a Igreja não
ensina nem discretamente nem diretamente essa doutrina que o senhor levantou.
Ao contrário, o título “Mãe de Deus” vem se impor perante as heresias que
colocavam em dúvida a Deidade de Nosso Senhor. A Igreja deu este título à Maria
para confirmar cada vez mais a Divindade do seu Filho, pois Maria é Mãe do
“menino... sobre seu ombro está o manto real, e ele se chama ‘Conselheiro
Maravilhoso’, ‘Deus Forte’, ‘Pai para sempre’, ‘Príncipe da Paz’” (Is 9,5).
Sei que, como o senhor já havia me dito pessoalmente, as decisões
conciliares da Igreja não representam nada para os protestantes. Contudo, não
estou querendo provar nada aqui através dos Concílios, mas apenas mostrar o que
de fato é a opinião oficial da Igreja, que tão facilmente é mal interpretada.
E veja: mais difícil de entender que Deus teve uma Mãe, ainda é
entender que Deus se fez homem, e mais do que isso, que morreu numa cruz. E, no
entanto, a fé cristã sempre professou isso sem medo de que fosse levado a
extremo ou que, por má interpretação, se diminuísse a grandeza de Deus. O que
para “os judeus é escândalo, para os pagãos é loucura” (1ª Cor 1,23), para os
cristãos sempre foi Verdade de fé.
Na página 20 o senhor afirma com razão que a palavra grega Θεοτόκος
(lê-se Theotókos), ou seja, Mãe de Deus, não está na Bíblia. Contudo se esquece
que há algo muito similar. Isabel, cheia do Espírito Santo por ter ouvido a
saudação da Mãe do Salvador (cf. Lc 1,41) assim exclamou: “Como posso merecer
que a mãe do meu Senhor venha me visitar?” (Lc 1,43). Senhor, em grego Κύριος
(lê-se Kírios) é usado na Bíblia como título de Deus e, seguramente, o Senhor
de Isabel é o Senhor Deus e não o Senhor Humano. Ou será que Isabel chamou de
Senhor somente a parte humana de Jesus? Certamente Isabel não fez essa divisão
na Pessoa do Senhor e, portanto Isabel falou: Mãe do meu Deus (cf. At 10,36
compare com Dt 10,17).
“Não podemos reconhecer as bênçãos que nos trouxe Jesus, sem reconhecer
ao mesmo tempo quão imensamente Deus honrou e enriqueceu Maria, ao escolhê-la
para Mãe de Deus” (Calvino, grande nome do protestantismo, Comm Sur I’Harm
Evang. 20).
12 - A VIRGINDADE PERPÉTUA Por
Carlos J. Magliano Neto
Nenhum cristão nega que Jesus tenha nascido verdadeiramente de uma
virgem. No desígnio de Deus isso era necessário, pois “a virgindade de Maria
manifesta a iniciativa absoluta de Deus na Encarnação” e assim, “Jesus, o Novo
Adão, inaugura por sua concepção virginal o novo nascimento dos filhos de
adoção no Espírito Santo pela fé... A participação na vida divina não vem ‘do
sangue, nem de uma vontade da carne, nem de uma vontade do homem, mas de Deus’
(Jo 1,13)... O sentido esponsal da vocação humana em relação a Deus (cf. 2ª Cor
11,2) é realizado perfeitamente na maternidade virginal de Maria” (cf.
Catecis-mo da Igreja Católica, § 503 e 505).
A dúvida, porém, fica com relação à manutenção da virgindade após o
nascimento de Jesus. Os católicos crêem que Maria a preservou, já os
protestantes têm suas objeções. É o que vamos ver a partir de agora.
No seu comentário sobre a profecia de Isaías 7:14, onde o Profeta
anuncia que “uma virgem conceberá e dará à luz um filho” assim está escrito: “Na
leitura que fazemos do texto, fica claro que o nascimento virginal de Jesus
dizia respeito apenas ao fato de que homem algum teria participação em sua
concepção. Depois que a virgem concebesse, a profecia teria sido cumprida e o
papel de tal virgem teria terminado”
(pág. 23).
Será mesmo que o “papel de tal virgem teria terminado” com o nascimento
do seu Filho? Maria não tinha mais nada para fazer após o nascimento de Jesus?
Logo penso que não. Na Bíblia nada está escrito por acaso, tudo tem uma
intenção. É imprescindível descobrirmos que a missão de Maria continua após o
parto. É só ler as Sagradas Páginas e ver, por exemplo, a profecia do velho
Simeão: “e a ti Maria, uma espada transpassará tua alma!” (Lc 2,35). Não é à
toa também que Maria aparece em destaque na festa das Bodas de Caná (cf. Jo
2,1) participando intensivamente do primeiro milagre de seu Filho, intercedendo
pela família (cf. Jo 2,3) e evangelizando os serventes (cf. Jo 2,5). Depois
Maria aparece aos pés da cruz, “de pé” (Jo 19,25), dando testemunho de sua fé,
testemunho daquela que “conservava no coração todas essas coisas” (Lc 2,51). E
por fim, lá está Maria no início da Igreja, como mulher de oração (cf. At
1,14), como primeira cristã, modelo de fé e de vida, vida de quem se fez “serva
do Senhor” (Lc 1,38). Certamente a missão da “Mulher” (Jo 2,4), jamais terminou
no dia do nascimento do Salvador. A Mulher Mãe do Salvador, pensada por Deus
desde o início do mundo (cf. Gn 3,15) teria uma missão que não se prende ao
tempo, mas salta para fora dele e atinge todas as gerações, tornando Maria “na
cristandade inteira, o mais nobre tesouro depois de Cristo, a quem nunca
poderemos exaltar bastante, a mais nobre imperatriz e rainha, exaltada e
bendita acima de toda a nobreza, com sabedoria e santidade” (Martinho Lutero,
Deutsche Schriften 14,250).
13 - A MISSÃO ÍMPAR DO JUSTO JOSÉ Por
Carlos J. Magliano Neto
“Se desejamos ser honestos, tal
possibilidade (de virgindade de Maria), ao invés de apontar para a santidade de
José, estaria questionando sua masculinidade ou fidelidade. (...) ‘Os
sacerdotes devem desistir da idéia da virgindade perpétua de Maria, ou desistir
de que José e Maria representam a família humana ideal’” (págs. 23 e 33).
Se analisarmos o celibato e a virgindade com uma visão depreciativa,
deveremos também questionar a masculinidade de Jeremias (cf. Jr 16,1), do
Apóstolo Paulo (cf. 1º Cor 7,8) e quem sabe até do próprio Jesus que, além de
não se casar, pregou o celibato: “Há eunucos que se fizeram eunucos por causa
do Reino dos Céus. Quem tiver capacidade para compreender, compreenda!” (Mt
19,11). Mas poderia se argumentar: Jeremias, São Paulo e Jesus foram
celibatários, mas a diferença está em que José casou-se, eles não. No entanto,
deveremos perceber que a missão deles era uma a de José outra.
Adentremos um pouco na história de São José: “A origem de Jesus Cristo
foi assim: Maria, sua mãe, comprometida em casamento com José, antes que
coabitassem, achou-se grávida pelo Espírito Santo” (Mt 1,18). Primeiramente vemos que Maria já era
comprometida em casamento com José. Uma espécie de noivado, que no costume
judaico era um compromisso muito real, onde o noivo já podia ser chamado de marido
e só poderia terminá-lo por um repúdio, uma denúncia pública. José, ao saber
que Maria estava grávida, ficou perdido, sem saber o que fazer. Assim, “José,
seu esposo, sendo justo e não querendo denunciá-la publicamente, resolveu
repudiá-la em segredo” (Mt 1,19). José caminhava ora duvidando, ora vendo a
santidade da missão que sua noiva tinha recebido; estava entre admitir um filho
que não era seu e ter coragem de assumir uma missão tão nobre. Não queria
separar-se dela publicamente, pois isso poderia levá-la ao apedrejamento (cf.
Dt 22,20-21). Sem ainda ter definido sua decisão, “eis que o Anjo do Senhor
manifestou-se a ele em sonho, dizendo: ‘José, filho de Davi, não temas receber
Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo’” (Mt
1,20). Pronto: José assim tem a certeza da grandeza da missão de sua mulher e
percebe aí também a sua missão: ser protetor e sustento daquela obra divina.
“José, ao despertar do sono, agiu conforme o Anjo do Senhor lhe ordenara e
recebeu em casa sua mulher” (Mt 1,24).
Não há uma só frase dita por São José nos relatos evangélicos,
entretanto, ele agiu conforme o Anjo do Senhor lhe ordenara demonstrando assim
“uma disponibilidade de vontade, semelhante à disponibilidade de Maria, em
ordem àquilo que Deus lhe pedia por meio do seu mensageiro” (Papa João Paulo
II, Exortação Apostólica Redemptoris Custos, 4). Deus assume assim Maria como
esposa e o seu noivo José apenas é orientado a aceitar aquilo como obra do
Espírito Santo. Ele entende, e aceita. (cf. Mt 1,21.24).
Assim, é impossível compactuar com a idéia de que a Família de Nazaré
foi imperfeita porque José teve “uma mulher a quem não possuiu” (pág. 23). “Na
Liturgia, Maria é celebrada como tendo estado ‘unida a José, homem justo, por
um vínculo de amor esponsal e virginal’. Trata-se, de fato, de dois amores que,
conjuntamente, representam o mistério da Igreja, virgem e esposa, a qual tem no
matrimônio de Maria e José o seu símbolo. ‘A virgindade e o celibato por amor
ao Reino de Deus não só não se contrapõe à dignidade do matrimônio, mas pressupõe-na
e confirmam-na. O matrimônio e a virgindade são os dois modos de exprimir e de
viver o único Mistério da Aliança de Deus com o seu povo’, que é comunhão de
amor entre Deus e os homens” (Papa João Paulo II, Exortação Apostólica
Redemptoris Custos, 20). A Família de Nazaré é, portanto, família humana ideal,
pela sua santidade e intimidade com Deus. No entanto, não é uma família normal,
pois nada nela foi normal, mas tudo foi extraordinário. Tão extraordinário que
possui mistérios que nós ficaremos sempre muito aquém da sua magnitude.
Repetindo a frase de Jesus: “Quem tiver capacidade para compreender,
compreenda!”.
14 - REALIDADE DIVINA Por Carlos J. Magliano Neto
“... Maria deixou de ser virgem;
afinal Jesus não nasceu de cesariana e, certamente, houve uma dilatação natural
para a saída do bebê” (pág. 24)
“O aprofundamento da sua fé na maternidade virginal levou a Igreja a
confessar a virgindade real e perpétua de Maria, mesmo no parto do Filho de
Deus feito homem. Com efeito, o nascimento de Cristo ‘não lhe violou, mas
sagrou a integridade virginal’ de sua mãe. A liturgia da Igreja celebra Maria
como ‘Aeiparthenos’, ‘sempre virgem’” (Catecismo da Igreja Católica, § 499).
Esta é a Verdade Católica que é questão de fé; não tem como ficar provando e
discutindo realidades que são divinas. São Leão Magno, Doutor da Igreja,
reflete assim: “Ninguém se aproxima tanto do conhecimento da verdade como quem
compreende que, tratando-se de realidades divinas, mesmo se já progrediu
bastante, resta-lhe sempre algo a aprender” (Na Escola dos Santos Doutores,
1464).
Seguramente acredito na Palavra de Deus que me diz: “Eis que sou
Iahweh, o Deus de todas as criaturas, existe algo impossível para mim?” (Jr
32,27), e assim, do mesmo modo como a luz é capaz de atravessar o vidro sem o
quebrar, a “Luz do mundo” (Jo 8,12) acompanha o seu projeto, confirmando o
sinal milagroso da virgem que concebeu e deu à luz um filho com o nome de
Emanuel, Deus Conosco (cf. Is 7,14).
“O sentido deste acontecimento só é acessível à fé, que o vê no ‘nexo
que interliga os mistérios entre si’ no conjunto dos mistérios de Cristo, desde
a sua Encarnação até à sua Páscoa. Santo Inácio de Antioquia já dá testemunho
deste nexo: ‘O príncipe deste mundo (o demônio) ignorou a virgindade de Maria e
o seu parto, da mesma forma que a Morte do Senhor: três mistérios proeminentes
que se realizaram no silêncio de Deus’” (Catecismo da Igreja Católica, § 498).
15 - DOUTRINA FUNDAMENTAL Por
Carlos J. Magliano Neto
“Se esta fosse uma doutrina fundamental,como exigem al-guns, certamente
estaria bem explícita na Bíblia” (pág.
25). A Virgindade de Maria é uma Doutrina fundamental sim, mas não está
explicitamente na Bíblia porque nem tudo está na Bíblia, como disse no início.
Há Doutrinas muito mais importantes do que esta e que também não estão
explicitamente escritas. Veja por exemplo a Doutrina da Santíssima Trindade.
Quer Doutrina mais importante do que esta? No entanto, a encontramos na Bíblia
somente após um longo período de detalhado estudo. E esta é uma Doutrina muito
mais fundamental do que a Virgindade Perpétua.
16 - EVIDÊNCIAS BÍBLICAS Por
Carlos J. Magliano Neto
“A verdade é que não existe nenhuma evidência bíblica a favor desta
doutrina; tanto é assim, que os escritores católicos não apresentam
fundamentação alguma em favor deste fato. Limitam-se apenas a contra argumentar
sobre os textos bíblicos que apontam para o lado oposto” (pág. 25).
Podemos começar aí um jogo de empurra-empurra. O senhor diz que os
católicos apenas contra-argumentam e eu posso dizer que quem contra-argumenta
são vocês. Mas tudo bem, isso aí não levará a nada. Se o problema é evidência
bíblica, vamos a uma: peguemos a genealogia de Cristo em Mt 1,1-16: “1Livro de
origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão. (...) 3Jacó foi o pai
de Judá e de seus irmãos. (...) 11Josias foi o pai de Jeconias e de seus
irmãos, no tempo do exílio na Babilônia. (...) 16Jacó foi o pai de José, o
esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado o Messias”. Algumas vezes
aparece o nome do pai, do filho e de seus irmãos. No momento em que fala de
Jesus, não comenta nada sobre José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus e
seus irmãos, mas apenas “José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus”. Esse é
mais um texto que se pode contra-argumentar infinitamente, mas eu digo que os
autores bíblicos tiveram todas as chances para deixar claro que Maria teve
outros filhos, mas eles não disseram.
17 - O HEBRAICO TRADUZIDO PARA O GREGO Por
Carlos J. Magliano Neto
“A palavra grega traduzida como irmãos no referido texto (Mc 6:3) foi
‘adelphós’, que significa literalmente ‘nascidos do mesmo útero’, o que destrói
qualquer argumentação racional de que Maria não gerou outros filhos e que os
referidos eram primos ao invés de irmãos” (pág. 27).
Carecemos de muita informação sobre o uso das palavras “primos” e
“irmãos” no Novo Testamento. Vamos a um detalhado estudo sobre as línguas da
Bíblia: A Bíblia começou a ser escrita mais de 1000 anos antes de Cristo na
língua hebraica, pois esta era a língua falada na Palestina até o povo de Deus
sofrer o cativeiro de cinqüenta anos na Babilônia em 586 a.C. Após o cativeiro,
parte do povo que voltou para a sua terra começou a falar o aramaico; a outra
parte de judeus imigrou para o Egito onde começou a falar o grego. Mas a Bíblia
continuou a ser lida e copiada em hebraico, sua língua original. Por volta do
ano 300 antes de Cristo, o grego havia se tornado a nova língua do comércio e invadiu
o mundo daquele tempo. Então, por volta do ano 250 antes de Cristo, os judeus
que estavam no Egito desde o fim do cativeiro já não sabiam mais o hebraico e
nem o aramaico, tendo dificuldades para ler a Sagrada Escritura. Para resolver
a questão, um grupo de setenta e dois sábios judeus (seis de cada tribo de
Israel) se reuniu em Alexandria (Egito) e pegaram todo o Texto Sagrado escrito
na esquecida língua hebraica (com partes em aramaico) e o traduziram para o
grego, formando assim a chamada Bíblia dos Setenta ou Septuaginta. Esta
tradução grega tornou-se o referencial dos Apóstolos e dos primeiros cristãos
na confecção do Novo Testamento que também foi escrito em grego.
Entendido isso, vamos agora saber o que houve com a palavra irmão ao
ser traduzida do hebraico (língua original) para o grego (língua agora mais
usada). Na língua hebraica a palavra irmão se escreve ’āh e significa filhos
dos mesmos pais, mas poderia significar também outros parentes, porque não
existe variedade de palavras hebraicas para designar a parentela. Quando se
traduziu a Sagrada Escritura para o grego, o termo grego usado para traduzir
’āh (irmão ou parente em hebraico) foi αδέλφος (lê-se adelphós), que é irmão em
grego e significa exatamente: “nascidos do mesmo útero”. Com esta tradução,
αδέλφος recebeu também um significado mais amplo do que apenas nascidos do
mesmo útero, pois αδέλφος passou na tradução a ser ’āh (irmão ou parente).
Precisamos agora investigar até onde os semitas utilizavam αδέλφος para
podermos estabelecer o grau de parentesco desses αδέλφοι (irmãos – lê-se
adelphoi) com Jesus. No grego se designa com essa palavra especificamente o
irmão carnal, ou pelo menos o meio irmão. Mas existem exceções como um antigo
documento chamado Marco Aurélio 1,14,1; assim como numerosos textos de papiros
egípcios, onde, da mesma forma como na tradução grega do Antigo Testamento, os
filhos dos irmãos (sobrinhos) ou mesmo primos são chamados de αδέλφος, ou seja,
irmão. Veja o exemplo de I Crônicas 23,21-22: “Filhos de Mooli: Eleazar e Cis.
Eleazar morreu sem ter filhos, mas somente filhas, que se casaram com os filhos
de Cis, seus αδέλφοι (irmãos)”, o texto deveria ser: “...se casaram com os
filhos de Cis, seus primos”. Leia também Gn 13,8; Gn 31,22-23; Ex 2,11; Jz 9,
1-3; I Cr 15,1-5; I Cr 23,21-22; II Cr 36,10.
Apesar dos autores do Novo Testamento terem tido a possibilidade de
usar termos específicos existentes no grego para designar a parentela como
ανεψιός (primo, lê-se anepsiós) ou συγγενης (parente, lê-se sungenees), os
utilizaram muito pouco. Isso por dois motivos: eles tiveram como referência a
tradução grega do Antigo Testamento e nesta tradução αδέλφος engloba toda a
parentela; e também tendo eles tido a pobre língua hebraica como língua
original, não se importavam muito com a exatidão dos termos da língua grega.
Isso notamos, por exemplo, quando São Paulo escreve em grego: “Em seguida, o
Senhor apareceu a mais de quinhentos αδέλφοι (irmãos) de uma vez” (1ª Cor
15,6). Com certeza São Paulo não dizia que estes mais de quinhentos irmãos eram
nascidos do mesmo útero, mas sim usava αδέλφοι na sua amplitude maior.
Para comparação temos o fato de que a palavra portuguesa saudade não
tem tradução em muitas línguas. Esta palavra quer dizer exatamente lembrança
triste do que ou de quem está distante. Então vamos ao exemplo: como o inglês é
uma das línguas onde não existe o termo exato para designar saudade, se usam
termos com outros significados, mas que ganham uma amplitude para englobar
saudade. Então se alguém escrevendo em inglês quiser escrever saudade, esta
pessoa utilizará (entre outras) a palavra longing que primeiramente quer dizer:
ânsia/desejo intenso de algo inacessível no momento. Ao traduzir esse texto
para o português onde se procure ser fiel ao original (como foi o caso da
Septuaginta) o tradutor traduzirá longing com sua designação inicial, ou seja,
ânsia/desejo, apesar de existir na língua portuguesa o termo específico para
designar saudade. Deste modo, a tradução ânsia/desejo terá um alargamento onde
se englobará também saudade, do mesmo modo como αδέλφος passou a ter outros
significados na tradução grega e, daí, no costume semítico.
Assim percebemos que nem sempre αδέλφος quer dizer filhos do mesmo
útero como foi proposto.
18 - MAIS OBJEÇÕES Por Carlos J. Magliano Neto
O senhor cita um argumento católico (que se não me engano foi retirado
da primeira carta) onde se comenta que a Bíblia jamais diz filhos de Maria, mas
sempre irmãos de Jesus. O argumento cita o trecho evangélico: “...E não se
chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas?” (Mt 13,55) e
conclui: não eram filhos de Maria. O senhor responde a esse argumento:
“A organização da frase é esta porque seu personagem principal é Jesus
e não Maria. Além disso, o contexto nos mostra que ninguém desejava mostrar
quem era filho de quem; e sim, identificar os parentes de Jesus” (pág. 29). Vou concordar contigo. A
intenção era identificar os parentes de Jesus, pois os seus conterrâneos
estavam “escandalizados” (Mt 13,57) com o que o Mestre estava fazendo. Com
sucesso o senhor mostrou que aí não caberia filhos de Maria por causa do centro
das atenções que era Jesus. Vamos então “tirar Jesus do jogo” e procurar um
texto onde apareça apenas Maria com “seus filhos” sem Jesus para “roubar a
cena”.
Atos dos Apóstolos 1,14 tem a resposta: “Todos eles tinham os mesmos
sentimentos e eram assíduos na oração, junto com algumas mulheres, entre as
quais Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos de Jesus”. É fácil percebermos:
Jesus já não está mais presente, pois já havia voltado para o Pai, e mesmo
assim a narrativa diz “irmãos de Jesus”, podendo agora tranquilamente dizer:
“Maria, mãe de Jesus, com seus filhos”. Repito: os autores bíblicos tiveram
todas as chances para deixar claro que Maria teve outros filhos, mas eles não
disseram.
19 - FILHOS DE MARIA Por Carlos
J. Magliano Neto
“Porém, para sermos decisivos na questão, usemos como base o salmo 69.
Trata-se de um salmo messiânico; ou seja, dirige-se profeticamente a Jesus.
Possuímos várias citações do Novo Testamento conectando este Salmo a Cristo.
(...) Tendo isso em mente, veja o que diz o verso 8: ‘Tenho me tornado um
estranho para com meus irmãos, e um desconhecido para com os filhos de minha
mãe’. Fica assim estabelecido que as pessoas citadas no referido texto, ou
seja, Tiago, José, Simão e Judas, não eram apenas irmãos de Jesus em algum
sentido, mas filhos legítimos de Maria” (págs. 29 e 30). Interessante sua
argumentação sobre o Salmo 69. A princípio parece perfeita a alegação de que
finalmente encontrou-se na Bíblia a expressão filhos de Maria e que ela está
num salmo messiânico. Mais um estudo cabe aqui.
Acredito que não se deva tomar este salmo ao pé da letra e dizer que
ele venha a provar por fim que Maria teve outros filhos. Este salmo se aplica a
Jesus sim, porém apenas algumas de suas partes, não todas, e muito menos
detalhes como este. Veja o exemplo que está no versículo 6: “Ó Deus, tu
conheces a minha ignorância, meus crimes não são ocultos para ti”. Se
dissermos, numa leitura fundamentalista, que este salmo prova ponto por ponto
da vida de Jesus, certamente então Jesus teve ignorâncias e também pecou. Já os
versos 28 e 29 mostram o clamor do lamentador contra seus opositores e também
confirmam minha afirmação: “Acusa-os, crime por crime, não os declares
inocentes. Risca-os do livro dos vivos, e não sejam inscritos entre os
justos!”. Ao que me parece, no momento de sua maior angústia, assim disse o
Senhor: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que estão fazendo!” (Lc 23,34), o
que é muito diferente do que o salmo diz. O salmo é messiânico, pode-se aplicar
ao Messias, porém não só a Ele, mas também a todo servo sofredor comum.
20 - “EIS AÍ O TEU FILHO!” Por Carlos J. Magliano Neto
Cena do Evangelho de João 19,25-27: “Perto da cruz de Jesus,
permaneciam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Clopas, e Maria
Madalena. Jesus, então, vendo sua mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava,
disse à sua mãe: ‘Mulher, eis o teu filho!’ Depois disse ao discípulo: ‘Eis a
tua mãe!’ E a partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua casa”. Da leitura
dessa perícope, a Igreja na sua sabedoria milenar retira belíssimos
ensinamentos. É o que vamos passar a ver.
Pela localização do texto dentro do Evangelho se percebe que ele
pretende trazer algo a mais do que apenas um cuidado filial de Jesus para com
sua Mãe. A perícope, especialmente os versículos 26 e 27, se localiza na sequência
final onde Jesus está cumprindo as profecias da Escritura, veja:
v. 24: “Disseram entre si: ‘Não rasguemos a sua túnica, mas tiremos a
sorte, para ver com quem ficará’. Isso a fim de se cumprir a Escritura que diz:
‘repartiram entre si as minhas roupas e sortearam minha veste’”
v. 26 e 27: “Jesus, então vendo sua mãe e, perto dela, o discípulo a
quem amava, disse à sua mãe: ‘Mulher, eis o teu filho!’ Depois disse ao
discípulo: ‘Eis a tua mãe!’”
v. 28: “Depois, sabendo Jesus que tudo estava consumado, disse, para
que se cumprisse a Escritura até o fim: ‘Tenho sede!’”
v. 36 e 37: “Pois isso aconteceu para que se cumprisse a Escritura:
‘Nenhum osso lhe será quebrado’. E uma outra Escritura diz ainda: ‘Olharão para
aquele que transpassaram’
Compreendendo o contexto, a Igreja nunca duvidou em dizer que Jesus
apresenta aí a Mulher prometida por Deus desde o peca-do de Adão (cf. Gn 3,15),
fazendo de Maria a nova Eva, apresen-tada como Mãe daquele a quem Jesus ama: o
fiel redimido pelo seu sangue. É interessante salientar que João no seu
Evangelho parece reescrever os primeiros capítulos de Gênesis (a narração da
criação do mundo). Três importantes elementos, pelo menos, são comuns entre os
dois. João começa o Evangelho da mesma forma como se inicia Gênesis: “No
princípio...” (Jo 1,1, compare com Gn 1,1). João então discorre por toda a vida de
Jesus, chamando a Maria sempre de “Mulher” (cf. Jo 2,4 e 19,26), da mesma forma
como é chamada a mãe da descendência que venceria o mal. E se o homem foi
criado e posto num jardim (cf. Gn 2,8) e ali se iniciou sua culpa (cf. Gn 3,1-13),
também o sacrifício para a salvação da humanidade começa (cf. Jo 18,1) e
termina num jardim (cf. Jo 19,41). Tudo isso além do pecado, que venceu na
árvore do paraíso, mas na árvore da Cruz foi vencido (cf. Oração Eucarística
III, Missal p.482; pref. p. 656).
Mais do que isso, a Igreja ainda vê nessa cena a Virgindade Perpétua de
Maria, pois quem passa a tomar conta de Maria na ausência de Jesus é João, e
não os “seus filhos”, o que seria o mais lógico. Acerca desse texto, o senhor
comenta: “Finalmente podemos mostrar que Jesus entregou Maria aos cuidados de
João porque tinha preocupações espirituais com ela. Jesus desejava entregá-la
aos cuidados de um de seus seguidores, e seus irmãos ainda não tinham se
convertido: ‘Porque nem mesmo seus irmãos criam nele’ (Jo 7:5)” (pág. 31).
O texto de João 7 citado pelo senhor, mostra-nos mais detalhes do que
se pode perceber de uma leitura superficial. Ele comenta sobre a falta de fé
dos “irmãos de Jesus”. Logicamente, se Jesus tivesse outros irmãos consanguíneos,
estes seriam mais novos, afinal Ele foi o primogênito (cf. Lc 2,7) e certamente
seriam bem mais novos, pois quando Jesus aparece já com doze anos, ainda não há
nenhuma menção sobre eles (cf. Lc 2,41-52). Pois bem, jamais na cultura
semítica de 2000 anos atrás, irmãos mais novos (e digamos, bem mais novos)
teriam uma atitude de superioridade diante do irmão mais velho como percebemos
que os “irmãos” de Jesus tiveram para com Ele em Jo 7,3-4: “Então os irmãos de
Jesus disseram: ‘Tu deves sair daqui e ir para a Judéia, para que também teus
discípulos possam ver as obras que fazes. Quem quer ter fama não faz nada às
escondidas. Se fazes essas obras, mostra-te ao mundo’”. Isso nos faz pensar que
não poderiam ser irmãos mais novos de Jesus, pois a cultura oriental não
permite um diálogo nesse nível de espontaneidade e autoridade por parte de
irmãos mais novos.
21 - QUATRO CITAÇÕES Por Carlos J. Magliano Neto
Encerrando o tema da Virgindade Perpétua, o senhor coloca na página 32 quatro textos a
fim de convencer o leitor de que Maria teve outros filhos após o nascimento de
Jesus. Vamos analizá-los:
22 - NÚMERO UM Por Carlos J. Magliano Neto
“Não vi nenhum apóstolo, mas somente Tiago, o irmão do Senhor” (Gl
1,19).
Certamente é dúvida corrente: se os “irmãos de Jesus” não são irmãos consanguíneos,
como propõe a Igreja Católica, então quem são eles?
Peguemos mais uma vez o texto de Mateus 13,55: “Ele não é o filho do
carpinteiro? Não se chama a mãe dele Maria e os seus irmãos Tiago, José, Simão
e Judas?”. Analisaremos agora calmamente não só a Tiago, o irmão do Senhor, mas
também a José, Simão e Judas, também irmãos do Senhor.
A exegese atual do Novo Testamento vê a presença de três personagens
com o nome de Tiago. O primeiro deles é TIAGO MAIOR, filho de Zebedeu e Salomé
(cf. Mc 15,40, compare com Mt 27,56) e irmão de João evangelista (cf. Mc 3,17).
Este Tiago, juntamente com seu irmão João e Pedro, formava o grupo de apóstolos
mais íntimos de Jesus (cf. Mt 17,1). Morreu como mártir por volta do ano 44
(cf. At 12,2).
O segundo é TIAGO MENOR (título que na verdade pertence a Tiago, o
irmão do Senhor [cf. Mc 15,40], a quem analisaremos logo abaixo com o título de
Tiago Pequeno. Estes dois em algumas interpretações são entendidos como sendo a
mesma pessoa). Tiago Menor é filho de Alfeu (cf. Mt 10,3). Na Bíblia seu nome
aparece apenas na listagem dos Apóstolos.
E o terceiro é finalmente TIAGO, O IRMÃO DO SENHOR, que agora comumente
se chama de Tiago Pequeno. É filho de Clopas e uma outra Maria (cf. Jo 19,25,
compare com Mc 15,40) e irmão de Joset (cf. Mt 27,56) que também é chamado de
irmão do Senhor no texto em Mt 13,55. Segundo Hegesipo, o mais antigo
historiador da Igreja, Clopas, seu pai, é irmão de São José (Eus. Hist. Eccl.
3,1.2). Sendo assim, Clopas é tio de Jesus e conseqüentemente, seus filhos
Tiago e José, são primos de Jesus. Tiago, o irmão do Senhor, não era apóstolo,
visto que ele mesmo não se dá esse título em sua carta (cf. Tg 1,1)
diferentemente de Pedro (cf. 1ª Pe 1,1) e Paulo (cf. Tt 1,1). Em certa ocasião,
Pedro, a quem Jesus colocou como líder da Igreja (cf. Mt 16,18), precisou fugir
de Jerusalém (cf. At 12,17) e assim, Tiago, o irmão do Senhor, assume a igreja
de Jerusalém, certamente por ser o mais próximo a Jesus, pois era seu primo
(cf. Gl 2,9). Segundo relatos históricos, morreu apedrejado na Páscoa de 62.
Sendo assim, este Tiago a quem se chama de irmão do Senhor, nada mais é que
primo de Jesus. Inclusive, como se fala da morte de São José antes do início da
vida pública de Jesus, Maria Santíssima e seu Filho podem ter ser mudado para a
casa de Clopas, tornando-se assim uma só família.
O outro “irmão do Senhor” chamado Judas provavelmente é o autor de
Carta de Judas do Novo Testamento, pois este também não era apóstolo: não se dá
esse título (cf. Jd 1) e se diferencia deles (cf. Jd 17). Por isso não deve ser
confundido com o Apóstolo Judas Tadeu (cf. Mt 10,3); com Judas Iscariotes (cf.
Mt 27,3-9); com Judas de Damasco (cf. At 9,11); com Judas, o galileu (cf. At
5,37) e nem com Judas Barsabás (cf. At 15,22). Interessante que na Carta, Judas
apresenta-se como sendo “irmão de Tiago” (Jd 1,1). Certamente é Tiago, o irmão
do Senhor, bispo de Jerusalém, pois, Judas mencionaria alguém conhecido. Como
já disse, Tiago, o irmão do Senhor, é filho de Clopas e de uma outra Maria e
irmão de Joset. Assim sendo, os irmãos do Senhor, Tiago, Judas e Joset são
sobrinhos de São José, primos de Jesus, irmãos no linguajar grego semítico.
No que se refere a Simão, o outro irmão de Jesus, pouco é sabido dele.
No entanto, deve-se diferenciá-lo de Simão Pedro (cf. Jo 1,42); de Simão, o
zelota (cf. Mc 3,18); de Simão, o leproso (cf. Mc 14,3); de Simão, o fariseu
(cf. Lc 7,36-50); de Simão de Cirene (cf. Mc 15,21); de Simão Iscariotes (cf.
Jo 6,71); de Simão, o feiticeiro (cf. At 8,9-13) e de Simão, o curtidor (cf. At
9,43). Simão, o irmão do Senhor, foi o segundo bispo de Jerusalém, na morte de
seu irmão Tiago Pequeno. Mais uma vez segundo Hegesipo, ele era também filho de
Clopas, assim, ao lado de seus irmãos Tiago, Judas e Joset, era também primo do
Senhor.
Podemos, para ficar mais fácil, esboçar o seguinte esque-ma:
Jacó – avô paterno de Jesus (cf. Mt 1,16)
pai deClopas irmão de José casado com Maria casado com Maria Ssma. Tiago
José primos de Jesus Cristo Judas Simão
Em Jo 19,25 ainda há um detalhe: “Perto da cruz de Jesus, permaneciam
de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Clopas...”, na interpretação
mais óbvia percebe-se que a mulher de Clopas é irmã de Maria Santíssima. O que
faz com que o parentesco entre os filhos de Clopas e Jesus seja cada vez mais
próximo, porém não são irmãos no sentido primeiro da palavra.
Finalizando, é importante ressaltar que a Verdade definida pela Igreja
no Concílio de Latrão no ano 649 é decisiva: Maria é virgem antes, durante e
depois do parto, tendo apenas um filho: Jesus Cristo, uma vez que a cristandade
toda nisso acreditou desde os mais longínquos tempos. No entanto, os estudos
teológicos sobre a identidade exata de cada um dos irmãos do Senhor ainda estão
em processo de caminhada e aprofundamento, pois “cresce o conhecimento tanto
das coisas como das palavras que constituem parte da Tradição” (Concílio
Vaticano II, Constituição Dogmática Dei Verbum, 8). Além da explicação que demonstrei,
ainda existem outras sobre o assunto que embora divergindo em alguns pontos,
continuam a indicar a Virgindade Perpétua. A dificuldade de exatidão se dá
porque os autores da Bíblia não pretenderam fazer um livro de biografia, mas
sim “uma narração” (Lc 1,3), um relato sobre a Pessoa e os atos do Filho de
Deus. Além do mais, eles escreveram seus Textos Sagrados muitos anos depois dos
acontecimentos e basearam-se em várias fontes que poderiam divergir em pontos
secundários. Por isso não se deve fazer uma leitura fundamentalista da Bíblia.
Ela não erra enquanto fala de realidades divinas, porém, o modo de escrever e
as palavras usadas para tratar dessa realidade estão presas ao tempo, à
História e à cultura daquele povo.
23 - NÚMERO DOIS Por Carlos
J. Magliano Neto
“...Estando Maria, sua mãe, desposada com José, antes de coabitarem,
achou-se grávida do Espírito Santo” (Mt 1,18). Utilizando-se desta passagem o
senhor tenta mostrar que “antes de coabitarem” prova que houve um depois de
coabitarem, no sentido de que José e Maria depois do nascimento de Jesus
tiveram relações sexuais. Porém, coabitar nada mais quer dizer que morar
juntamente, viver em comum.
Este texto, na verdade, não contém provas que possam ser usadas nem por
católicos e nem por protestantes para tratar da Virgindade de Maria. São Mateus
escreveu isto apenas para confirmar que quando Maria engravidou, ela era virgem
e ainda não estava morando juntamente com José, mostrando assim que ela é
Esposa do Espírito Santo. Confirmamos essa intenção em Mt 1,24: “Quando
acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado: levou Maria para
casa”, a partir daí sim, eles coabitaram, ou seja, moraram juntos.
Nas traduções da Bíblia onde se coloque uma outra expressão para “antes
de coabitarem”, jamais se usa: “antes que tivessem relações”, mas se traduz:
“antes que morassem juntos”. A própria Bíblia protestante tradução de João
Ferreira de Almeida contribui para minha observação. Assim ela traduz o antes
de coabitarem: “antes de se ajuntarem”. Até a Bíblia Tradução do Novo Mundo
utilizada pelos Testemunhas de Jeová, apesar de possuir muitíssimos erros de
tradução, conservou nesse versículo fidelidade à intenção de São Mateus e
traduziu: “... antes de se unirem”.
24 - NÚMERO TRÊS Por Carlos J. Magliano Neto
“... e Maria deu à luz seu filho primogênito” (Lc 2,7). Pode-se
argumentar com este versículo: se Jesus é o filho primogênito de Maria, é
porque é o primeiro filho, e se existe o primeiro é porque existe o segundo, o
terceiro... Este primogênito, que significa primeiro, não significa
necessariamente que seja o primeiro de outros, mas apenas quer mostrar o valor
que tinha naquela cultura o primeiro filho, mesmo que seja o único. No costume
judaico, o primogênito tinha muitas vantagens e era isso que o autor queria
lembrar: “Consagra-me todo o primogênito, todo o que abre o útero materno” (Ex
13,2).
Por exemplo, muita gente na Igreja Católica faz a Primeira Comunhão, o
que não quer dizer que depois voltará a comungar. Do mesmo aconteceu quando
viajei a Belo Horizonte, eu disse: “É a primeira vez que venho aqui”, apesar de
ter sido a primeira vez, até hoje não teve a segunda e pode não ter nunca.
Portanto, esse primogênito não prova nem de longe que Maria teve outros filhos.
Um exemplo: sabemos que Jesus é o Filho único do Pai e, no entanto, em Hebreus
1,6, lemos que Jesus é o “Primogênito”. Jesus é o Primogênito do Pai, mas nem
por isso deixa de ser também o “Filho Único” (Jo 3,16). Este então, é mais um
texto que nada prova contra a Verdade Católica.
25 - NÚMERO QUATRO Por Carlos J. Magliano Neto
“... e Maria mãe de Jesus, e com seus irmãos” (At 1,14).
Já falei desse texto quando
disse que ele até ajuda a perceber que Maria não teve outros filhos. Afinal,
Jesus já não mais está presente e mesmo assim, ao lado de Maria eles não são
chamados de filhos de Maria, mas continuam sendo chamados de irmãos de Jesus.
“Jesus é o Filho Único de Maria. Mas a maternidade espiritual de Maria
estende-se a todos os homens que Ele veio salvar: Ela gerou seu Filho, do qual
Deus fez ‘o primogênito entre uma multidão de irmãos’(Rm 8,29), isto é, entre
os fiéis, em cujo nascimento e educação Ela coopera com amor materno” (Catecismo
da Igreja Católica, § 501).
26 - A IMACULADA CONCEIÇÃO Por Carlos J. Magliano Neto
Agora o estudo volta-se
para a grande graça reservada àquela cuja missão era ser “a mãe do meu Senhor”
(Lc 1,43): a IMACULADA CONCEIÇÃO, ou seja, a concepção sem mancha, sem pecado
da Virgem Maria. Maria não possuiu a mancha do pecado original e mais do que
isso, nunca pecou.
Assim está posto na página 34: “O dogma da imaculada conceição de Maria
foi inicialmente apresentado pelo Papa Pio IX” .Porém, na página 38 é dito: “Esse
pensamento (da Imaculada) é endossado por João Duns Scoto (1308)”. Se ele foi
inicialmente apresentado por Pio IX em 1854 como o senhor diz, então não
poderia ter sido comentado 546 anos antes por João Duns Scoto. Entretanto, a
origem desta verdade é ainda anterior a João Duns Scoto. Essa Doutrina se
firmou inicialmente no Oriente por volta do século IV (há 1700 anos atrás!).
Desde então ela começou a se espalhar e por volta do ano 600 já havia
comemoração de sua festa em parte da Europa. Em 1128 o Monge Eadmer de
Conterbury organizou e escreveu o primeiro tratado teológico sobre a concepção
sem mancha de Maria. Em 1661, o Papa Alexandre VII já escrevia na Bula
Sollicitudo omnium Ecclesiarum: “A devoção à Virgem Imaculada cresceu e
espalhou-se e, depois que as escolas apoiaram esta pia doutrina, a partilham
agora quase todos os católicos”. Diante
de tantos anos de estudos e de fé neste mistério, a Igreja em 8 de dezembro de
1854, através da Definição Dogmática Ineffabilis Deus do Papa Pio IX,
reconheceu oficialmente esta Verdade professada desde os tempos mais remotos do
cristianismo.
27 – INFALIBILIDADE Por Carlos J. Magliano Neto
Comentando sobre a incapacidade da Igreja errar em termos de Doutrina o
senhor afirma: “Os papas acreditam
efetivamente que suas determinações são como as determinações de Deus” (pág.
34).
Não diria que as determinações papais são como as determinações de
Deus, mas digo que elas são totalmente constituídas pelo carisma da Verdade
divina. E assim, não só os papas
acreditam nisso, mas todos os cristãos que pautam sua vida pela Palavra de Deus
deveriam saber e acreditar também. As determinações papais em termos de fé e
moral não possuem erros. Isso porque Jesus é categórico ao falar com Pedro, o
primeiro líder do grupo apostólico: “Por isso eu lhe digo: você é Pedro, e
sobre esta pedra construirei a MINHA IGREJA e o poder da morte nunca poderá
vencê-la. Eu lhe darei AS CHAVES DO REINO DO CÉU, e O QUE VOCÊ LIGAR NA TERRA
SERÁ LIGADO NO CÉU, E O QUE VOCÊ DESLIGAR NA TERRA SERÁ DESLIGADO NO CÉU” (Mt
15,18-19). Além de Jesus ter deixado uma Igreja que Ele chama no singular
“minha Igreja”, dá a Pedro “as chaves do Reino do Céu”. Tranquilamente eu digo
que Jesus não fez tudo o que fez, ensinou tudo o que ensinou para deixar uma
obra que tempos depois poderia fracassar. Não. Logicamente que Jesus desejou
que sua mensagem chegasse intacta e sem erro a todos os cantos do mundo, em
todos os tempos a partir de sua vinda. Por isso, Ele escolheu para a Missão “os
que ele quis” (Mc 3,13-16) e a esses deu autoridade (cf. Jo 20,21-23). Assim,
deu capacidade primeiro a Pedro (cf. Mt 16,19) e depois a todos os outros
juntos (cf. Mt 18,18) de ensinar aquilo que era ensinamento de Deus (cf. Mt
10,40; Jo 13,20) sem mancha, sem erro. Estes, que possuíam a autoridade dada
pessoalmente pelo Senhor, foram passando essa autoridade para outros (cf. At
6,3-6) a fim de que nunca se acabasse no mundo essa corrente de Poder, de
Autoridade e de Verdade iniciada pelo Filho de Deus. Daí concluímos que a
Igreja que Jesus chamou de minha, enquanto se pronuncia sobre fé e moral é
incapaz de errar, pois foi com este selo de inerrância que Deus a marcou “por
causa da verdade que permanece em nós e estará conosco para sempre” (2ª Jo
1,2), assim, como a Palavra de Deus é uma só, não podemos duvidar que o Senhor
esteve e está acompanhando de perto essa Igreja (cf. Jo 14,18) e que tudo o que
se decide e se conclui na união dos apóstolos é inspirado e confirmado pelo
Espírito Santo (cf. At 15,28).
“Jesus disse: ‘Você é feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um
ser humano que lhe revelou isso, mas o meu Pai que está no céu’” (Mt 16,17).
Certamente Pedro foi feliz porque recebeu do Senhor tão nobre tesouro: falar
das coisas de Deus não com sua capacidade humana imperfeita, mas com sabedoria
revelada pelo Pai que está no céu: este é o dom de infalibilidade.
Errar em questões pessoais e assuntos que não se referem à fé e à
moral, o Santo Padre e os Bispos podem errar como errou também Pedro (cf. Gl
1,11-14); são humanos. Mas até aí, nos erros, a graça se Deus se destaca
demonstrando o quanto Ele acompanha a sua Igreja: “... graças a Deus nós temos
percebido isso ao longo dos séculos. Sempre ao lado do pecado, sobressaiu o
mistério da santidade, a beleza da santidade, através de homens e mulheres que
por uma vida de fidelidade absoluta, de uma busca incansável de Deus, semearam
o ideal da santidade evangélica no chão da História” (D. Fr. Alano Maria Pena,
O.P., Arcebispo-eleito de Niterói-RJ no “Programa Na Fé Católica” em 22 de
agosto de 2003).
Esse dom da infalibilidade dado a Pedro e seus sucessores, na verdade
nada tem de novo. Os redatores da Bíblia também receberam de Deus esse carisma,
visto que tudo o que eles escreveram, pela graça de Deus, não possui erro de
Doutrina (cf. 2ª Pe 1,20-21). E como o Senhor cooperou para que a Bíblia
tivesse uma palavra inerrante, quis também que a sua Igreja a tivesse. Fato: em
2000 anos de Igreja Católica, 21 Concílios Ecumênicos e 264 papas, a Doutrina
foi amadurecida, mas nunca alterada ou corrigida. Nunca um Concílio anulou ou
corrigiu outro Concílio em termos de Doutrina. Nunca um Papa desdisse outro
Papa em pontos de fé e moral. Perdoe-me, mas eu não consigo ver uma instituição
assim, tão grande e tão una como uma obra que não seja de Deus. Por isso temos
a certeza que tudo o que a Igreja declara como Verdade de Fé, é para ser
acreditado sem sombra de dúvida.
É o mesmo que os protestantes fazem: vocês também acreditam na verdade
de fé declarada pelo líder de vocês. A diferença está apenas em que no nosso
caso, temos o respaldo bíblico das palavras de Jesus sobre o primeiro líder que
se estende a todos os outros nessa corrente apostólica ininterrupta
bimilenária.
“Considerar-se-á, antes de tudo, a autoridade da Igreja universal e dos
outros espíritos mais doutos que brilham nas controvérsias e escritos quando se
trata da Verdade da Igreja” (Santo Agostinho, Doutor da Igreja, Na Escola dos
Santos Doutores, 175).
28 - TODOS PECARAM Por Carlos J.
Magliano Neto
“ (...) ‘Na verdade não há homem justo sobre a terra, que faça o bem, e
nunca peque’ (Ecle 7:20); ‘...todos estão debaixo do pecado’(Rm 3,9); ‘Porque
todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus’ (Rm 3,23) (...) Note que
em nenhum dos textos citados se indica alguma exceção a Maria” (pág. 35).
Sempre que nós lermos um
texto ao pé da letra e não estivermos abertos a uma interpretação coerente e
correta, correremos o risco de desviar da Verdade e atropelarmos o que já
conhecemos. Se pegarmos a citação de Rm 3,23, por exemplo, ainda um pouco
antes, no final do versículo 22, veremos com mais precisão a respeito disso:
“...E não há distinção: Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de
Deus”. Certamente qualquer pessoa nota claramente que o Apóstolo Paulo não faz
distinção, ele afirma: todos pecaram.
A problemática vem a
seguir: o Senhor Jesus fez-se um homem normal, conforme a Igreja ensina, 100%
homem. A própria Bíblia é bem clara a esse respeito: “Uma vez que os filhos têm
todos em comum a carne e o sangue, Jesus também assumiu uma carne como a deles”
(Hb 2,14). Notemos que Jesus fez-se homem igual aos outros e que segundo Rm 3,9
“todos estão debaixo do pecado”. Conclusão: Jesus, sendo homem, tinha pecado.
No entanto, em Hb 4,15 está escrito: “... pois Jesus mesmo foi provado em tudo
como nós, em todas as coisas, menos no pecado”. Entendamos: apesar da afirmação
todos estão debaixo do pecado, havia exceções, e Jesus é uma delas. Apesar de
assumir uma natureza humana como a de todo mundo, não tinha pecado. Sendo
assim, em nenhum dos textos que o senhor citou, se indica alguma exceção a
Maria, assim como também não indica alguma exceção a Jesus. Por isso, não se
pode usar de fundamenta-lismo e dizer que absolutamente todos os homens, sem
exceção, estão sob a condição do pecado.
29 - O SALVADOR DE MARIA Por Carlos J. Magliano Neto.
“‘A minha alma engrandece ao
Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador’ (Lc 1:46,47). Veja que
ela admite precisar de um Salvador. Ora, parece óbvio, se ela não tivesse
pecado, não teria necessidade de um Salvador” (pág. 36).
Certamente Maria precisou de Salvador. Maria é um ser humano, uma
criatura de Deus. Se não fosse a missão salvadora do Filho, Maria também teria
o pecado original como todo mundo. Jesus salvou Maria. Contudo, os méritos do
sacrifício de Cristo foram aplicados antecipadamente a Maria: “... a Santíssima
Virgem Maria, Mãe de Deus, em previsão dos méritos do Redentor Jesus Cristo,
nunca esteve sujeita ao pecado original, tendo sida, por isso, redimida de modo
mais sublime“ (Papa Pio IX, Definição Dogmática Ineffabilis Deus, 10).
“Dois, porém, são os modos de remir... Consiste o primeiro em levantar
o caído e o segundo, em preservá-lo da queda. É fora de dúvida que este último
é mais nobre... Os outros tiveram um Redentor que os livrou do pecado já
contraído; porém a Santíssima Virgem teve um Redentor que, em sendo seu Filho,
a livrou de contrair o pecado” (Santo Afonso Maria de Ligório, Glórias de
Maria, pág. 246). Com certeza Maria
chama a Deus de “meu Salvador” pois, a sua pureza e santidade vêm justamente da
salvação trazida por seu Filho a todos os homens.
30 - PURIFICAÇÃO DA IMACULADA Por Carlos J. Magliano Neto
“E cumprindo os dias da
purificação dela (Maria), segundo a lei de Moisés, o levaram a Jerusalém para
apresentarem ao Senhor... e para darem oferta segundo o disposto na lei do
Senhor: um par de rolas ou dois pombinhos” (Lc 2:22-24). Este texto nos informa
que Maria, em obediência ao dispositivo da lei de Moisés, ofereceu holocausto
pelos seus pecados. (...) É incoerente conceber uma pessoa sem pecado a
oferecer oferta pelo pecado” (pág. 36).
Posso responder isso com uma comparação: Jesus não tinha pecado e, no
entanto, se batizou no “batismo de arrependimento para a remissão dos pecados”
(Mc 1,4) de João Batista: “Jesus foi da Galiléia para o rio Jordão, a fim de se
encontrar com João, e ser batizado por ele. Mas João procurava impedi-lo,
dizendo: ‘Sou eu que devo ser batizado por ti, e tu vens a mim?’ Jesus, porém,
lhe respondeu: ‘Por enquanto deixe como está! Porque devemos cumprir toda a
justiça’. E João concordou” (Mt 3,13-15). Jesus, enquanto homem deveria cumprir
toda a justiça.
Quando Maria deu à luz, a Lei que vigorava era a Lei Mosaica que
ordenava a ida da mulher até o sacerdote para fazer uma oferta para o
sacrifício (cf. Lv 12,6). Esta Lei, de maneira nenhuma poderia ser descumprida
pelo casal José e Maria que eram bons judeus. Essa passagem também não destrói
em momento nenhum o dogma da Imaculada Conceição e nem prova nada contra ele.
Tudo que Maria fez por sua purificação também recebe as palavras de Jesus: “Por
enquanto deixe como está! Porque devemos cumprir toda a justiça”.
31 - SITUAÇÕES DIFERENTES Por Carlos J. Magliano Neto
“Se é verdade que o pecado original (desonra de Eva), não pôde alcançar
Maria pela dignidade de Jesus, logo com a simples aplicação da mesmíssima
regra, teríamos necessariamente de concluir que o pecado original não poderia
ter alcançado a mãe de Maria pela dignidade de Maria; e de igual modo: o pecado
original não poderia ter alcançado a avó de Maria pela dignidade da mãe de
Maria”(págs. 37-38).
Agora me surpreendeu sua argumentação. O senhor ultrapassou a veneração
dos católicos e colocou Maria no mesmo patamar de dignidade de Jesus. É claro
que o pecado original não poderia ter alcançado Maria pela dignidade de Jesus
que é Deus e que, como Deus, não poderia “ter contato com o pecado” (pág. 64).
Agora, dizer que a mãe de Maria não poderia ser atingida pelo pecado por causa
da dignidade de Maria é o mesmo que dizer que a grandeza de Maria é como a do Senhor
Jesus. Ora pastor, Maria é digníssima sim, mas não à altura de Deus, pois ela é
sua criatura. Olha o seu erro: “...com a simples aplicação da mesmíssima regra,
teríamos necessariamente de concluir que o pecado original não poderia ter
alcançado a mãe de Maria pela dignidade de Maria...” Não se pode ter a simples
aplicação da mesmíssima regra para situações tão diferentes. Maria foi
preservada porque Deus iria habitar no seu ventre, já a mãe de Maria teria uma
missão muito nobre, mas sua filha não era Deus.
32 - LIBERDADE DA ESCOLHIDA Por
Carlos J. Magliano Neto.
“Com isso (o dogma da Imaculada) a igreja de Roma tira de Maria o
direito de decidir, fazendo dela pouco mais que um robô; e ainda, a rebaixa a
uma posição amoral” (pág. 38). Para entendermos melhor a questão da Imaculada
Conceição de Maria, nos é necessário conhecer dois pontos:
1– “Não ter o pecado original”, é diferente de “não ter
livre-arbítrio”.
2– Deus não traça um destino que fira a liberdade, mas sabe o que vai
acontecer antes que tudo aconteça; vamos analisá-los calmamente:
1 – É um engano dizer que Maria não tendo o pecado original também não
teve o livre-arbítrio, a liberdade de decisão. Note: Adão e Eva, os primeiros
pais, não tinham o pecado original, foram criados sem mancha, e apesar de sua
pureza tinham a liberdade de escolha e, por utilizar essa liberdade de maneira
ruim, pecaram. Assim, Deus preservou Maria da mancha do pecado original, mas
não lhe retirou a liberdade. Uma coisa não anula a outra. A liberdade de
escolha de Maria fica clara na cena da Anunciação. Do mesmo modo como Maria
disse: “Eis a escrava do Senhor” (Lc 1,38) ela também poderia ter dito: “Não
quero isso, não. É muita responsabilidade para mim”. Maria é livre da mancha
original e livre também para decidir sua vida. O que acontece é que Maria foi
de tal maneira plasmada pela graça de Deus que ela entendeu que a verdadeira
liberdade é servir a Deus integralmente e, por causa de seu conhecimento e de
seu contato com Deus, não cabia em sua vida o pecado. Nesta Mulher (Maria), ao
contrário da primeira mulher (Eva), se cumpriu toda a vontade de Deus e Ele a
presenteou com “bens extraordinários e preciosos” tornando Maria participante
“da natureza divina, depois de escapar da corrupção que o egoísmo provoca neste
mundo” (2ª Pe 1,4).
2 – Não existe um destino traçado que tire a liberdade de alguém. A
maior “semelhança” (Gn 1,26) que temos para com Deus é justamente o nosso poder
de decidir sobre a nossa vida. Se existisse um destino traçado, impedido a
liberdade, ninguém poderia ser culpado de nada. O ladrão seria ladrão porque
Deus assim escreveu. O assassino seria assassino porque assim foi da vontade de
Deus. Sendo assim, não seríamos imagem e semelhança de Deus, mas seríamos meros
bonecos nas mãos do destino. Apesar disso, Deus já sabe de todas as atitudes
que iremos tomar com nossa liberdade durante a nossa vida. Ele não escreveu, mas
Ele já sabe o que, em nossa liberdade, vamos fazer. Um exemplo: Judas entregou
Jesus às autoridades por trinta moedas de prata (cf. Mt 26,15). Deus não
escreveu isso de maneira arbitrária ferindo a liberdade de Judas, mas Ele já
sabia da atitude de Judas antes até do traidor nascer. No livro de Zacarias,
escrito muitos anos antes, já se encontra a profecia: “E eles pesaram o meu
salário: trinta moedas de prata” (Zc 11,12). Pus este exemplo para ser possível
entender que o Senhor salvou Maria de seus pecados antes mesmo de acontecer o
sacrifício da cruz, porque Ele já sabia que o sacrifício iria acontecer. Ele
preservou Maria antes mesmo dela dizer o “sim” porque já sabia que Maria, na
sua liberdade o diria. “O divino artífice do universo queria preparar para seu
Filho uma digna habitação, e por isso ornou a Maria com as mais encantadoras
graças” (Beato Dionísio Cartuxo, Glórias de Maria, pág. 239).
33 - DEUS DO IMPOSSÍVEL Por Carlos J. Magliano Neto.
“Algumas regras estabelecidas por Deus não podem ser quebradas por
ninguém, nem pelo próprio Deus. Deus não podia tirar a mancha de pecado de
Maria, pois já havia estabelecido que ‘o pecado passaria a todos os homens’ (Rm
5:12), e certamente não tirou” (pág. 41). Repito suas palavras: “Algumas regras
estabelecidas por Deus não podem ser quebradas por ninguém, nem pelo próprio
Deus”. E se eu lhe perguntar: acredita em milagres? E o que é um milagre senão
o poder de Deus que quebra as regras que estão estabelecidas? Certamente o
senhor vai se lembrar que Deus quebrou suas regras quando abriu o Mar Vermelho
(cf. Ex 14,21); quando fez brotar água da rocha (cf. Ex 17,6); quando curou a
mulher que sofria havia 12 anos de hemorragia incurável (cf. Mt 9,20-22);
quando fez Lázaro tornar a viver depois de quatro dias de sepultado (cf. Jo
11,43-33); quando fez “o sol parar” (cf. Josué 10,12-13) e fez sua sombra
voltar dez graus (cf. 2 Reis 20,10-11); quando Jesus andou sobre as águas do
mar (Jo 6,19) e quando alimentou cinco mil homens sem contar mulheres e
crianças com apenas cinco pães e dois peixes e, como se não bastasse,
recolheram ainda 12 cestos cheios (cf. Jo 6,1-15). É o que Jesus disse: “Para
os homens isso é impossível, mas para Deus tudo é possível” (Mt 19,26).
Tentar provar que Deus não retirou o pecado original de Maria porque
“não podia” é negar que Deus opera milagres, e negando isto, abandona
completamente a fé em Cristo, pois Ele superou e quebrou as regras desde o
início quando foi concebido não de um relacionamento estabelecido homem-mulher,
mas de algo diferente, algo único e inimaginável. “Para ser a Mãe do Salvador,
Maria ‘foi enriquecida por Deus com dons dignos de tamanha função’” (Catecismo
da Igreja Católica, § 490).
Nenhum comentário:
Postar um comentário