“Em vós, Senhora, tenho colocado toda a minha esperança e de vós espero
a minha salvação... Maria é toda a esperança de nossa salvação (...) Pois, só
por vosso intermédio esperamos a salvação’ (Glórias de Maria – Afonso Maria de
Ligório – p. 21). Como se não fosse suficiente elevar Maria a posição de
Co-Redentora, isso é, Redentora junto com Cristo, alguns documentos católicos
vão além, colocando nela ‘toda a esperança de salvação’. Sugere assim não
apenas ser ela uma redentora, mas a única redentora. (...) Tal tese teria sido
desenvolvida a partir do fato de Maria ter sofrido, como mãe, ao pé da cruz de
seu filho. Ora, se Maria sofreu junto com Jesus, logo é Redentora junto com
Ele, concluem.” (pág. 61 e 64).
Agora o senhor faz menção a um dos maiores e mais bonitos documentos
sobre a Virgem Santíssima: “Glórias de Maria”, escrito por Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787)
que é um dos 33 Doutores da Igreja. Como eu ainda não havia lido esse livro,
fiquei pasmo ao ver um Doutor da Igreja escrevendo: “Em vós, Senhora, tenho
colocado toda a minha esperança e de vós espero a minha salvação”. Não me
contive e fui em busca de um exemplar dessa magnífica obra. Quando abri o livro
tive a confirmação daquilo que suspeita-va: Santo Afonso nunca escreveu isto.
No livro de Santo Afonso está claramente escrito na mesma página 21 citada no
seu livro: “Dirijo-me também a vós, ó Maria, minha Mãe dulcíssima e Senhora.
Sabeis que, depois de Jesus, em vós tenho colocado a minha esperança de minha
salvação”, pensamento que Santo Afonso repete na página 98: “Depois de Deus,
outra esperança não temos senão Maria e por isso a invoca como única esperança
nossa depois de Deus”. Penso que o senhor deve ter copiado isso de alguma fonte
errada ou ter tido uma distração, porém é bom que procure consertar esse erro,
pois tenho que dizer que ficou muito parecido com um “levantar falso testemunho
contra teu próximo” (Ex 20,16).
Quanto ao título
Co-Redentora dado a Maria, reflete toda a participação intensa que Maria
Santíssima teve no mistério da Salvação. Certamente, como o senhor falou, o
sofrimento de Maria ao pé da cruz junto com seu Filho, é um dos motivos desse
título. Num belo sermão, São Bernardo, Doutor da Igreja, fala do sofrimento da
Mãe: “Verdadeiramente, ó santa Mãe, uma espada traspassou tua alma. Aliás,
somente traspassando-a, penetraria na carne do Filho. De fato, visto que o teu
Jesus – de todos certamente, mas especialmente teu – a lança cruel, abrindo-lhe
o lado sem poupar um morto, não atingiu a alma dele, mas ela traspassou a tua
alma. A alma dele já ali não estava, a tua, porém, não podia ser arrancada
dali. Por isto a violência da dor penetrou em tua alma e nós te proclamamos,
com justiça, mais do que mártir, porque a compaixão ultrapassou a dor da paixão
corporal” (Liturgia das Horas, Segunda Leitura do dia 15 de setembro). Mas a Igreja ao proclamar Maria como Co-Redentora, vê sua participação
ainda muito mais além do que no acontecimento do Calvário. É uma questão muito
mais profunda do que isto e merece a nossa atenção.
Como sabemos, Deus criou
o homem e percebeu que não era bom que estivesse sozinho (cf. Gn 2,18). Criou
então a “mulher” (Gn 2,23) para ser sua “auxiliar semelhante” (Gn 2,18), para
que vivesse com o homem (cf. Gn 2,24), que juntamente com ele transmitisse o
dom da vida (cf. Gn 1,28) e que fosse “a mãe de todos os que vivem” (Gn 3,20).
Porém, logo depois esta obra foi manchada pelo pecado (cf. Gn 3,7). Era necessário
então uma nova criação (cf. Is 65,17-18). E então Deus faz a sua nova criação
em Jesus Cristo, que passa a ser o novo Adão (cf. Rm 5,15). E da mesma maneira
como Deus criou “homem e mulher” (Gn 1,27) também na nova criação o plano
divino seguiu a mesma linha: recriou Adão em Jesus Cristo, do qual recebemos a
vida (cf. Jo 3,15), e como não poderia deixar de participar da nova criação,
Eva foi recriada em Maria, que sendo uma auxiliar semelhante, subordinada ao
novo Adão, é agora a nova mãe de todos os que vivem, pois todos somos irmãos de
seu Filho (cf. Rm 8,27).
“Irmãos caríssimos, há um homem e uma mulher que nos prejudicaram
grandemente, mas, graças a Deus, há também um homem e uma mulher que tudo nos
restauram, e com notável superabundância de graça... Sem dúvida, Cristo por si
só bastava-nos, pois tudo que possamos fazer no plano da salvação, dEle vem;
todavia era bom que o homem não ficasse só. Havia profunda conveniência em que
os dois sexos tomassem parte na nossa Redenção, como haviam tomado parte em
nossa queda” (São Bernardo, Sermão sobre as doze estrelas 1, ed. Migne lat.
183,429). Da mesma maneira como a primeira Eva, co-pecadora ao lado de Adão,
disse sim à Serpente e trouxe ao mundo o pecado (cf. Gn 3,6), agora a nova Eva,
Co-Redentora ao lado de Cristo, diz sim a Deus e traz ao mundo a salvação (cf.
Lc 1,38).
A Co-Redenção de Maria
não tem a mesma grandiosidade da Redenção do Filho de Deus, mas o título quer
mostrar a participação viva de Maria nesta obra. Quando Santo Afonso diz que
“Depois de Deus, outra esperança não temos senão Maria”, não está diminuindo a
grandeza de Deus, mas está mostrando a importância de Maria neste contexto. De
modo parecido nos fala São Paulo: “Sejam meus imitadores, como também eu o sou
de Cristo” (1ª Cor 11,1). Nesta frase, São Paulo não indica que o exemplo de
Cristo seja insuficiente, mas mostra que o seu exemplo também é importante e
quem o segue estará seguindo a Cristo. O mesmo o senhor concorda quando publica
na página 73 de seu livro este pensamento: “A beleza serena e silenciosa de uma
vida santa é a influência mais poderosa do mundo, depois do poder do Espírito
Santo de Deus” (C.H. Spurgeon)”.
Os primeiros cristãos entenderam perfeitamente que ao dar valor aos
servos de Deus, de maneira nenhuma se retira a Glória do Senhor, antes, a
multiplica: “... o povo muito engrandecia aos apóstolos (...) a ponto de
levarem os doentes até as ruas, colocando-os sobre leitos e em macas, para que,
ao passar Pedro, ao menos sua sombra encobrisse alguns deles” (At 5,13-15).
Não há nada de estranho no título de Co-Redentora se analisarmos as
palavras de Rm 8,17 onde somos chamados de “co-herdeiros com Cristo, pois, uma
vez que, tendo participado dos seus sofrimentos, também participamos da sua glória”.
Veja que nenhum de nós tem condições de ser comparado a Jesus, mas mesmo assim
São Paulo diz que somos co-herdeiros com Cristo, ou seja, juntos com Jesus
receberemos a recompensa porque também nós participamos de seus sofrimentos.
Sabemos que nossa herança não é exatamente a mesma de Cristo e que nem
participamos da mesma forma nos seus sofrimentos, mas mesmo assim ganhamos o
título de co-herdeiros. O mesmo acontece com Maria: sua Co-Redenção não é a
mesma Redenção do Filho, mas o título deve ser este por causa da sua singular
participação neste mistério.
“Não sejamos daqueles que julgam diminuir a glória de Jesus Cristo
quando se alimentam elevados sentimentos para com a Santíssima Virgem e os
Santos (...) Por certo seria atribuir a Deus fraqueza deplorável crer que Ele
se torne invejoso das dádivas e luzes que Ele próprio derrama sobre as
criaturas. Pois que são os Santos e a Virgem se não a obra das mãos e da graça
do Criador? (...) Por mais elevadas que sejam as perfeições que reconhecemos em
Maria, não poderia Jesus Cristo ter-lhes inveja, porque é dEle que vêm e é a
glória exclusiva dEle que se referem” (Bossuet, 3º sermão na festa da Conceição
da Virgem, 1669. Obras t. II. Paris, 1863, 51).
Fonte: Por Carlos J.
Magliano Neto.
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