sábado, 12 de dezembro de 2015
A IMACULADA CONCEIÇÃO DE MARIA
A Igreja ao celebrar
a Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria explica que para ser a Mãe
do Salvador, Maria “foi enriquecida por Deus com dons dignos para tamanha
função”.
No momento da Anunciação o anjo Gabriel a saúda como “cheia
de graça”, isto é, sem pecado, viveu totalmente “sob a moção da graça de Deus”
(CIC §490). Ao longo dos séculos a Igreja tomou consciência de que Maria,
“cumulada de graça” por Deus (Lc 1, 28), foi redimida desde a concepção pelo
sangue de Cristo. É isto que confessa o dogma da Imaculada conceição (ou
concepção), proclamado em 1854 pelo Papa Pio IX:
“A beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua
Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos
méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de
toda mancha de pecado original.” Esta “santidade inteiramente singular” da qual
Maria é “enriquecida desde o primeiro instante da sua conceição” lhe vem
inteiramente de Cristo: “Em vista dos méritos de seu Filho, foi redimida de um
modo mais sublime”. Mais do que qualquer outra pessoa criada, o Pai a “abençoou
com toda a sorte de bênçãos espirituais, nos céus, em Cristo” (Ef 1,3). Ele a
“escolheu nele, desde antes da fundação do mundo, para ser santa e imaculada na
sua presença, no amor”. Fica claro que Maria foi também salva do pecado por
Jesus, mas de maneira antecipada, como alguém que toma uma vacina para não ser
infectado pela doença.
Santo Afonso de Ligório, doutor da Igreja (†1787), disse:
“Maria tinha de ser medianeira de paz entre Deus e os homens. Logo,
absolutamente, não podia aparecer como pecadora e inimiga de Deus, mas só como
Sua amiga, toda imaculada” (Glória de Maria, p. 209). E ainda: “Maria devia ser
mulher forte, posta no mundo para vencer a Lúcifer, e portanto devia permanecer
sempre livre de toda mácula e de toda a sujeição ao inimigo” (idem).
São Bernardino de Sena, falecido (†1444), diz a Maria:
“Antes de toda criatura fostes, ó Senhora, destinada na mente de Deus para Mãe
do Homem Deus. Se não por outro motivo, ao menos pela honra de seu Filho, que é
Deus, era necessário que o Pai Eterno a criasse pura de toda mancha” (GM, p.
210).
São Tomas de Vilanova, (†1555), disse em sua teologia sobre
Nossa Senhora: “Nenhuma graça foi concedida aos santos sem que Maria a
possuísse desde o começo em sua plenitude” (GM, p. 211). E pergunta Santo
Anselmo, bispo e doutor da Igreja (†1109): “Deus, que pode conceder a Eva a
graça de vir ao mundo imaculada, não teria podido concedê-la também a Maria?”.
“A Virgem, a quem Deus resolveu dar Seu Filho Único, tinha de brilhar numa
pureza que ofuscasse a de todos os anjos e de todos os homens e fosse a maior
imaginável abaixo de Deus” (GM, p. 212).
É importante notar que Santo Afonso de Ligório afirma: “O
espírito mal buscou, sem dúvida, infeccionar a alma puríssima da Virgem, como
infeccionado já havia com seu veneno a todo o gênero humano. Mas louvado seja
Deus! O Senhor a preveniu com tanta graça, que ficou livre de toda mancha do
pecado. E dessa maneira pode a Senhora abater e confundir a soberba do inimigo”
(GM, p. 210).
Rezemos: "Ó
Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós".
Por prof. Filipe Aquino.
sábado, 28 de novembro de 2015
GRATIDÃO DO PAPA COM MARIA
PAPA LEÃO XIII CARTA ENCÍCLICA LAETITIAE
SANCTAE DE SUA SANTIDADE PAPA LEÃO XIII A TODOS OS NOSSOS VENERÁVEIS IRMÃOS, OS
PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS E BISPOS DO ORBE CATÓLICO, EM GRAÇA E COMUNHÃO
COM A SÉ APOSTÓLICA SOBRE O ROSÁRIO DE NOSSA SENHORA.
Veneráveis Irmãos, Saúde e Bênção
Apostólica, Gratidão do Papa para com Maria
1. A santa alegria que nos trouxe
o feliz transcurso do quinquagésimo aniversário da Nossa sagração episcopal foi
intensamente aumentada pelo fato de termos tido como participantes da Nossa
alegria os católicos de todo o mundo, estreitados como filhos em torno do Pai,
numa esplêndida manifestação de fidelidade e de amor. Nisto, com renovada
gratidão, reconhecemos e exaltamos um desígnio da Divina Providência sumamente
benévolo para conosco, e, ao mesmo tempo, assaz profícuo para a sua Igreja. Mas
o Nosso ânimo sente-se impelido a saudar e louvar também a augusta Mãe de Deus,
que deste benefício foi poderosa mediadora junto a Deus. A sua singular
bondade, que no longo e mutável período da Nossa vida temos experimentado em
vários modos eficaz, brilha cada dia mais manifesta diante dos nossos olhos, e,
ferindo-nos suavissimamente o coração, robustece-o com confiança sobrenatural.
Afigurasse-nos ouvir a própria
voz da Rainha do Céu, ora benevolamente encorajar-nos no meio das terríveis
adversidades da Igreja, ora ajudar-nos, com largueza de inspirações, nas
decisões a tomar para o bem comum, ora também advertir-nos a estimular o povo
cristão à piedade e ao culto da virtude. Já muitas vezes, no passado, fizemos
para nós um grato dever de corresponder a estes desejos da Virgem. Ora, entre
as utilidades que com a sua bênção recolhemos das Nossas exortações, justo é
recordar o extraordinário desenvolvimento da devoção do seu santo Rosário, seja
pelo incremento e pela constituição de confrarias sob este título, seja pela
divulgação de escritos doutos e oportunos, seja também pela inspiração dada a
verdadeiras obras-primas artísticas.
O Rosário e os males do nosso tempo
2. E hoje, como que acolhendo a
mesma voz da amorosíssima Mãe, com a qual ela nos repete: "Clama, nunca te
canses", apraz-nos tornar a falar-vos, Veneráveis Irmãos, do Rosário
mariano, agora que se aproxima o mês de Outubro: mês que quisemos consagrado a
esta cara devoção, e que enriquecemos com os tesouros das santas indulgências.
A Nossa palavra, todavia, não terá o fim imediato de tributar novos louvores a
uma oração já, por si mesma, tão excelente, nem de estimular os fiéis a
praticá-la com sempre maior fervor; falaremos, antes, de algumas preciosíssimas
vantagens que dela podem derivar, o mais possível correspondentes às condições
e às necessidades dos homens e dos tempos presentes. Porque estamos absolutamente
convencido de que, se a prática do Rosário for retamente seguida, de modo a
poder ostentar toda a eficácia que lhe é intrínseca, não somente aos simples
indivíduos, mas também a toda a sociedade, trará a maior utilidade.
3. Sabem todos o quanto Nós, pelo
dever do Nosso supremo apostolado, nos temos aplicado a contribuir para o bem
da sociedade, e o quarto ainda estamos disposto a fazê-lo, com o auxílio de
Deus. Com frequência temos advertido os governantes a não fazerem e a não
aplicarem leis que não sejam conformes à mente divina, norma de suma justiça.
E, por outra parte, mais de uma vez temos exortado aqueles cidadãos que, ou por
inteligência, ou por méritos, ou por nobreza do sangue, ou por haveres, estão
em posição de privilégio em relação aos outros, a defenderem e a promoverem, em
união de entendimentos e de forças, os supremos e fundamentais interesses da
sociedade.
4. Mas, na estado presente da
sociedade civil, sobejas são as causas que debilitam os ligames da ordem
pública e desviam os povos da justa honestidade dos costumes. Todavia, os males
que mais perigosamente minam o bem comum parecem-nos ser principalmente os três
seguintes: "aversão à vida humilde e laboriosa; o horror ao sofrimento; o
esquecimento dos bens futuros, objeto das nossas esperanças".
A aversão ao viver moderno
5. Lamentamos - e conosco devem
reconhecê-lo e deplorá-lo mesmo aqueles que não admitem outra regra senão a luz
da razão, nem outra medida afora a utilidade, - lamentamos que uma chaga
verdadeiramente profunda tenha ferido o corpo social desde quando se começou a
descurar os deveres e as virtudes que formam o ornamento da vida simples e
comum. De fato, daí se segue que, nas relações domésticas, os filhos,
intolerantes de toda educação que não seja a da moleza e da volúpia, recusam
arrogantemente a obediência que a própria natureza lhes impõe. Por esse mesmo
motivo os operários se afastam do seu próprio mister, fogem do labor, e,
descontentes com a sua sorte, levantam o olhar a metas demasiado altas, e
aspiram a uma inconsiderada repartição dos bens.
Ao mesmo tempo dai se segue o
afanar-se de muitos que, depois de abandonarem o torrão natal, buscam o bulício
e as numerosas seduções da cidade. Por este motivo ainda, veio a faltar o
necessário equilíbrio entre as classes sociais; tudo é flutuante; os ânimos são
agitados por invejas e rivalidades; a justiça é abertamente violada; e aqueles
que foram iludidos nas suas esperanças procuram perturbar a tranquilidade
pública com sedições, com desordens e com a resistência aos defensores da ordem
pública.
As lições do mistérios gozosos
6. Pois bem: contra estes males
pensamos que se deve buscar remédio no
Rosário de Maria, composto de uma bem ordenada série de orações e da piedosa
contemplação de mistérios relativos a Cristo Redentor e a sua Mãe.
Expliquem-se de forma exata e popular os mistérios gozosos, apresentando-os aos
olhos dos fiéis como outros tantos quadros e vivas figurações das virtudes. E
assim cada um verá que fácil e rica mina eles oferecem de ensinamentos aptos
para arrastar com maravilhosa suavidade as almas à honestidade da vida.
7. Eis diante do nosso olhar a
Casa de Nazaré, onde toda santidade, a humana e a divina, colocou a sua morada.
Que exemplo de vida comum! Que perfeito modelo de sociedade! Ali há
simplicidade e candura de costumes; perpétua harmonia de almas; nenhuma
desordem; respeito mútuo; e, enfim, o amor: mas não o amor falso e mendaz, e
sim aquele amor integral, que se alimenta na prática dos próprios deveres, e
tal que atrai a admiração de todos.
Ali não falta a solicitude de se
proporcionar a si mesmos tudo quanto é necessário à vida, mas com o "suor
da fronte", e como convém àqueles que, contentando-se com pouco, se
esforçam antes por diminuir a sua pobreza do que por multiplicar os seus
haveres. E, sobre tudo isto, reina ali a maior serenidade de ânimo e alegria de
espírito: duas coisas que sempre acompanham a consciência do dever cumprido.
8. Ora, estes exemplos de
modéstia e de humildade, de tolerância da fadiga, de bondade para com o próximo
e de fiel observância dos pequenos deveres da vida quotidiana, e, numa palavra,
os exemplos de todas estas virtudes, assim que entram nos corações e nele se
imprimem profundamente, certamente produzem nele pouco a pouco a desejada
transformação dos pensamentos e dos costumes.
Então os deveres do próprio
estado não mais serão nem descurados nem considerados enfadonhos, mas serão,
antes, agradáveis e deleitáveis; e a consciência do dever, imbuída de senso de
alegria, será sempre mais decidida no obrar o bem.
Por consequência, os costumes
tornar-se-ão mais brandos sob todos os aspectos; a convivência familiar
transcorrerá no amor e na alegria; as relações com os outros serão pautadas por
um maior respeito e caridade. E, se estas transformações se estenderem dos
indivíduos às famílias, às cidades, aos povos e às suas instituições, é fácil
ver que imensas vantagens devam daí derivar para a sociedade inteira.
A aversão ao sacrifício
9. O segundo mal funestíssimo,
que Nós nunca deploraremos bastante, porque ele sempre mais difusa e
ruinosamente envenena as almas, é a tendência a fugir da dor e a afastar por
todos os meios as adversidades.
De feito, a maioria dos homens
não consideram mais, como deveriam, a serena liberdade de espírito como um
prêmio para quem exercita a virtude e suporta vitoriosamente perigos e
trabalhos; mas excogitam uma quimérica perfeição da sociedade, em que, removido
todo sacrifício, se deparem todas as comodidades terrenas. Ora, este agudo e desenfreado
desejo de uma vida cômoda debilita fatalmente as almas, que, mesmo quando não
se arruínam totalmente, ficam, sem embargo, tão enervados, que primeiro cedem
vergonhosamente em face dos males da vida, e depois sucumbem miseravelmente.
As lições dos mistérios dolorosos
10. Pois bem: ainda contra este
mal é bem justificado esperar-se do Rosário de Maria um remédio que, pela força
do exemplo, pode grandemente contribuir para fortalecer os ânimos. E isto se
obterá se os homens, desde a sua primeira infância, e depois constantemente em
toda a sua vida, se aplicarem, no recolhimento, à meditação dos mistérios
dolorosos.
Através destes mistérios vemos
que Jesus, "guia e aperfeiçoados da fé", começou a fazer e a ensinar,
a fim de que víssemos n'Ele próprio o exemplo prático dos ensinamentos que Ele
daria à nossa humanidade, acerca da tolerância da dor e dos trabalhos; e o
exemplo de Jesus chegou a tal ponto, que, voluntariamente e de grande coração,
Ele mesmo abraçou tudo o que há de mais duro de suportar.
Com efeito, vemo-lo como um
ladrão, julgado por homens iníquos, e feito alvo de ultrajes e de calúnias.
Vemo-lo flagelado, coroado de espinhos, crucificado considerado indigno de
continuar a viver, e merecedor de morrer entre os clamores de todo um povo.
Consideremos a aflição de sua
santíssima Mãe, cuja alma não foi somente roçada, mas verdadeiramente
"traspassada" pela "espadácia dor"- de modo que ela mereceu
ser chamada, e realmente se tornou, a Mãe das dores.
11. Todo aquele que se não
contentar com olhar, porém meditar amiúde exemplos de tão excelsa virtude, oh!
como se sentirá impelido a imitá-los! Para esse, ainda que seja "maldita a
terra, e faça germinar espinhos e abrolhos", ainda que o espírito seja
oprimido pelos sofrimentos, ou o corpo pelas doenças, nunca haverá nenhum mal
causado pela perfídia dos homens ou pelo furor dos demônios, nunca haverá
calamidade, pública ou privada, que ele não consiga superar com paciência.
É, pois, realmente verdadeiro o
dito: "É de cristão fazer e suportar coisas árduas"; porque todo
aquele que não quiser ser indigno desse nome não pode deixar de imitar Cristo
que sofre. E repare-se em que como resignação não entendemos a vã ostentação de
um ânimo endurecido à dor, como o tiveram alguns filósofos antigos; mas sim
essa resignação que se funda no exemplo d'Aquele que "em lugar do gozo que
tinha diante de si, suportou o suplício da Cruz, desprezando a ignomínia"
(Heb 12, 2); essa resignação que, depois de pedir a Ele o necessário auxilio da
graça, de modo algum recusa afrontar as adversidades; antes, alegra-se com
elas, e considera um lucro qualquer sofrimento, por mais acerbo que seja.
A Igreja Católica sempre teve, e
tem ainda agora, insignes campeões de tal doutrina: homens e mulheres, em
grande número, em todas as partes do mundo, de todas as condições. Estes,
seguindo as pegadas de Cristo, em nome da fé e da virtude suportam contumélias
e amarguras de todo gênero, e têm como seu programa, mais com os fatos do que
com as palavras, a exortação de S. Tomé: "Vamos também nós, e morramos com
Ele" (Jo. 11, 16).
12. Oh! praza ao Céu que exemplos
de tão admirável fortaleza se multipliquem sempre mais, a fim de que deles
brote segurança para a sociedade, e virtude e glória para a Igreja.
O descaso dos bens eternos
13. O terceiro mal para o qual é
preciso achar um remédio é particularmente próprio dos homens dos nossos dias
Com efeito, os homens dos tempos passados, mesmo quando com excessiva paixão
procuravam as coisas terrenas, contudo não desprezavam totalmente as celestes;
antes, os mais sábios entre os próprios pagãos ensinaram que esta nossa vida é
um lugar de hospedagem e uma estação de passagem, antes que uma morada fixa e
definitiva.
Ao contrário, muitos dos
modernos, embora educados na fé cristã, procuram de tal modo os bens
transitórios desta terra, que não somente esquecem uma pátria melhor na
eternidade bem-aventurada, mas, por excesso de vergonha, chegam a cancelá-la
completamente de sua memória, contra a advertência de S. Paulo: "Não temos
aqui uma cidade permanente, porém demandamos a futura" (Heb. 13, 14).
Quem quiser examinar as causas desta
aberração logo notará que a primeira delas é a convicção de muitos de que o
pensamento das coisas eternas extingue o amor da pátria terrena e impede a
prosperidade do Estado. Calúnia odiosa e insensata.
E, de fato, os bens que esperamos
não são de natureza tal que absorvam os pensamentos do homem até o ponto de o
distrair inteiramente do cuidado dos interesses terrenos. O próprio Cristo
embora recomendando-nos procurarmos antes de tudo o reino de Deus, com isto nos
insinua que não devemos descurar tudo o mais.
E, de fato, se o uso dos bens
terrenos e dos gozos honestos que deles derivam servem de estímulo à virtude;
se o esplendor e o bem-estar da, cidade terrena - que depois redundam em glória
da sociedade humana - são considerados como uma imagem do esplendor e da
magnificência da cidade eterna, eles não são nem indignos de homens racionais,
nem contrários aos desígnios de Deus.
Porque Deus é ao mesmo tempo
autor da natureza e da graça; e por isto não pode ter disposto que uma obste à
outra e estejam entre si em luta; mas, ao contrário, que, amigavelmente unidas,
nos guiem, por uma trilha mais fácil, àquela eterna felicidade a que, embora
mortais, somos destinados.
14. Mas os homens dados ao prazer
e egoístas, que de tal modo mergulham e aviltam os seus pensamentos nas coisas
caducas a ponto de não saberem elevar-se a mais alto, estes, antes que
procurarem os bens eternos através dos bens sensíveis de que gozam, perdem
completamente de vista a eternidade, caindo assim numa condição verdadeiramente
abjeta. Na verdade, Deus não poderia infligir ao homem punição mais terrível do
que abandonando-o por toda a vida às seduções dos vícios, sem ter jamais um
olhar para o Céu.
As lições dos mistérios gloriosos
15. A este perigo não estará
exposto aquele que, rezando o santo Rosário, meditar com atenção e com frequência
as verdades contidas nos mistérios gloriosos. Desses mistérios, com efeito,
brilha na mente dos cristãos uma luz tão viva, que nos faz descobrir aqueles
bens que o nosso olho humano nunca poderia perceber, mas que Deus - assim o
cremos com fé inabalável - preparou "para aqueles que o amam".
Deles aprendemos, além disto, que
a morte não é um esfacelamento que tudo perde e destrói, mas sim uma simples
passagem e uma mudança de vida. Aprendemos que o caminho do céu está aberto a
todos; e, quando observamos Cristo que volta ao Céu, recordamos a sua bela
promessa: "Vou preparar-vos o lugar".
Aprendemos que haverá um tempo em
que "Deus enxugará toda lágrima dos nossos olhos; em que não haverá mais
nem lutos, nem pranto, nem dor, mas estaremos sempre com o Senhor, semelhantes
a Deus, porque o veremos como Ele é, bebendo na torrente das suas delícias,
concidadãos dos santos", em feliz união com a grande Mãe e Rainha.
16. Uma alma que se nutra destas
verdades deverá necessariamente inflamar-se delas e repetir a frase de um
grande. Santo: "Oh! como me parece sórdida a terra quando olho o
Céu"; deverá necessariamente alegrar-se ao pensamento de que "um
instante de um leve sofrimento nosso produz em nós uma medida eterna de
glória".
E, verdadeiramente, só aqui está
o segredo de harmonizar o tempo com a eternidade, a cidade terrena com a
celeste, e de formar caracteres fortes e generosos. E se estes se tornarem
muito numerosos, sem dúvida estará com isso consolidada a dignidade e a
grandeza do Estado; e florescerá tudo o que é verdadeiro, tudo o que é bom,
tudo o que é belo; florescerá em harmonia com aquela norma que é o sumo
princípio e a fonte inexaurível de toda verdade, de toda bondade e de toda
beleza.
17. Ora, quem não vê a verdade
disso que havemos observado desde o princípio, isto é, de que preciosos bens é
fecundo o santo Rosário? O quanto ele é maravilhosamente eficaz em curar os
males dos nossos tempos, e em opor um dique aos gravíssimos males da sociedade?
As confrarias do Rosário
18. Mas, como cada um facilmente
compreende, de tal eficácia serão mais direta e mais largamente participantes
os membros das sacras confrarias do Rosário, porque a ela adquirem um direito
particular, quer pela sua união fraterna, quer pela sua devoção especial à
Virgem Santíssima.
Tais sodalícios autorizadamente
aprovados pelos Romanos Pontífices e por eles enriquecidos de privilégios e de
tesouros de indulgências, têm uma forma própria de ordenação e de disciplina.
Promovem reuniões em dias determinados, e neles são fornecidos meios mais
adequados para florescer na piedade e para prestar úteis serviços à própria
sociedade civil. Eles são como que falanges militantes que, guiadas e amparadas
pela celeste Rainha, combaterão as batalhas de Cristo, em virtude dos seus
santos mistérios.
E em todas as ocasiões, mas
especialmente em Lepanto, pôde-se ver como a Virgem se compraz com as orações,
as festas e as procissões desses seus devotos.
19. Bem justo é, pois, que não
somente os filhos do patriarca S. Domingos - certamente obrigados mais do que
os outros, por motivo da sua vocação, - mas também todos aqueles que têm cura
de almas -especialmente nas igrejas onde essas confrarias estão canonicamente
eretas - se apliquem com todo o seu zelo a multiplicá-las, desenvolvê-las e
assisti-las. Antes, ardentemente desejamos que também se dediquem a este
trabalho aqueles que empreendem missões, seja para levar a doutrina de Cristo
aos infiéis, seja para reforçá-la nos fiéis.
20. Não duvidamos de que, pelas
exortações de todos estes, muitos cristãos estarão prontos não só a
inscrever-se nessas confrarias, mas também a esforçar-se, por todos os meios,
para colher as já indicadas vantagens espirituais que formam como que a razão
de ser e, por assim dizer, a substância do santo Rosário. Depois, o exemplo dos
membros das confrarias arrastará também os outros fiéis a uma maior estima e
devoção ao Rosário; os quais, assim estimulados, porão todo o seu empenho -
como Nós vivamente desejamos - em tirar também, na mais larga medida, salutares
vantagens desta prática.
21. Eis aí a esperança que nos
sorri. É ela que, no meio de tantas calamidades públicas, nos guia e
profundamente nos consola. Digne-se Maria, Mãe de Deus e dos homens,
inspiradora e mestra do santo Rosário, de realizar plenamente esta esperança,
acolhendo as preces comuns.
Nós, ó Veneráveis Irmãos, temos
confiança de que, pelo zelo de cada um de vós, os vossos ensinamentos e os
Nossos votos produzirão toda espécie de bem, e contribuirão, em particular,
para a prosperidade das famílias e para a paz dos povos.
Enquanto isso, em penhor dos
favores celestes e em testemunho da Nossa benevolência, no Senhor concedemos a
cada um de vós, ao vosso clero e ao vosso povo a Bênção Apostólica.
Dado em Roma, junto a S. Pedro, a
8 de Setembro de 1893, décimo sexto ano do Nosso Pontificado.
LEÃO XIII PAPA
Referência: disponível em http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_08091893_laetitiae-sanctae_po.html
sábado, 21 de novembro de 2015
APRESENTAÇÃO DE NOSSA SENHORA
A memória que a Igreja celebra hoje não encontra fundamentos explícitos nos Evangelhos Canônicos, mas algumas pistas no chamado Pronto-evangelho de Tiago, Livro de Tiago, ou ainda, história do nascimento de Maria.
A validade do acontecimento que lembramos possui real alicerce na Tradição que a liga à Dedicação da Igreja de Santa Maria Nova, construída em 534, perto do templo de Jerusalém.
Os manuscritos não canônicos, contam que Joaquim e Ana, por muito tempo não tinham filhos, até que nasceu Maria, cuja infância se dedicou totalmente, e livremente a Deus, impelida pelo Espírito Santo desde sua concepção imaculada.
Tanto no Oriente, quanto no Ocidente observamos esta celebração mariana nascendo no meio do povo e com muita sabedoria sendo acolhida pela Liturgia Católica, por isso esta festa aparece no Missal Romano a partir de 1505, onde busca exaltar a Jesus através daquela que muito bem soube isto fazer com a vida, como partilha Santo Agostinho, em um dos seus sermões: "Acaso não fez a vontade do Pai a Virgem Maria, que creu pela fé concebeu, foi escolhida dentre os homens para que dela nos nascesse a salvação; criada por Cristo antes que Cristo nela fosse criado? Fez Maria totalmente a vontade do Pai e por isto mas valeu para ela ser discípula de Cristo do que mãe de Cristo; maior felicidade em ser discípula do que mãe de Cristo. E assim, Maria era feliz porque já antes de dar à luz o Mestre, trazia-o na mente.
Referência: comentário da liturgia diária catolicoorante. Disponível em www.catolicoorante.com.br acessado no dia 21/ 11/ 2015 às 15: 00 hrs.
domingo, 15 de novembro de 2015
CARTA ENCÍCLICA SOBRE OS BENEFÍCIOS DO ROSÁRIO DE NOSSA SENHORA
CARTA ENCÍCLICA FIDENTEM PIUMQUE ANIMUM DE SUA SANTIDADE LEÃO
XIII
A TODOS OS NOSSOS VENERÁVEIS IRMÃOS, OS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS DO ORBE CATÓLICO, EM GRAÇA E COMUNHÃO COM A SÉ
APOSTÓLICA SOBRE O ROSÁRIO DE NOSSA SENHORA.
Veneráveis Irmãos, Saúde e Bênção Apostólica.
Devoção do Pontífice
para com o Rosário
1. Durante o Nosso Sumo Pontificado frequentemente temos
tido ocasião de dar públicas provas da confiança e da piedade, para com a
Santíssima Virgem, que sempre nutrimos desde os mais tenros anos, e que depois
nos temos esforçado por alimentar e aumentar em toda a Nossa vida. Incidindo,
com efeito, em tempos não menos infaustos para a Igreja do que cheios de
perigos para a própria sociedade civil, facilmente havemos compreendido o
quanto era útil recomendarmos com máximo calor esse baluarte de salvação e de
paz que Deus, na sua grande misericórdia, quis dar à humanidade, na pessoa de
sua augusta Mãe, e que depois ele tornou insigne nos fastos da Igreja por uma
série ininterrupta de acontecimentos favoráveis.
E os povos católicos têm correspondido aos Nossos votos e às
Nossas exortações com múltiplas e pressurosas iniciativas, mas especialmente
reavivando a devoção para com o Rosário, com abundante messe de esplêndidos
frutos. Mas Nós não nos podemos cansar de exaltar a Mãe de Deus, que é
verdadeiramente "digníssima de todo louvor", nem de inculcar um terno
amor para com ela, que também é Mãe dos homens, e que é "cheia de
misericórdia e cheia de graça". Antes, quanto mais a Nossa alma, fatigada
pelas solicitudes apostólicas, sente avizinhar-se a hora da sua partida, tanto
mais ardente e confiantemente volve o olhar para aquela que é como a aurora
bendita da qual surgiu o dia de uma felicidade e de uma alegria sem ocaso.
Oh! quanto nos consola, Veneráveis Irmãos, a lembrança das
Cartas periodicamente escritas para recomendar o Rosário, tão grato àquela a
quem se quer honrar, tão útil àqueles que o rezam bem! Mas não é menos caro ao
Nosso coração o termos ainda a possibilidade de reafirmar insistentemente o
Nosso propósito; mesmo porque, assim fazendo, temos ótima ocasião de exortar
paternalmente as mentes e os corações a um sempre maior apego à religião, e de
revigorar neles a esperança das imortais recompensas.
As principais
condições da oração
2. A forma de oração de que falamos foi chamada com o belo
nome de Rosário como que para exprimir, a um tempo, o perfume das rosas e a
graça das coroas. Nome que, enquanto é indicadíssimo para significar uma
devoção destinada a honrar aquela que justamente é saudada como "Rosa
Mística" do Paraíso, e que, cingida de uma coroa de estrelas, é venerada
como Rainha do universo, parece também simbolizar o augúrio das alegrias e das
grinaldas que Maria oferece aos seus fiéis.
3. E esta asserção aparece ainda mais evidente se se
considerar a natureza do Rosário mariano. De feito, nada nos é mais recomendado
pelos preceitos e pelos exemplos de Cristo e dos Apóstolos do que a obrigação
de invocarmos a Deus e de suplicarmos o seu auxilio. Depois, os Padres e os
Doutores da Igreja, por sua parte, nos ensinam que este dever é de tal
importância, que quem o descurasse debalde confiaria em alcançar a eterna
salvação. Mas, embora quem reza tenha, pela própria virtude da oração e pela
promessa de Cristo, a possibilidade ímpar das graças divinas, todavia, como
todos sabem, a oração tira a sua maior eficácia principalmente destas duas
condições, a saber: da assídua perseverança, e da união de muitos corações na
mesma oração.
A primeira condição é claramente posta em evidência pelas
amorosas instâncias de Cristo: "Pedi, procurai, batei" (Mt. 7, 7);
instâncias que pintam Deus como o mais terno dos pais, o qual quer, sim,
acolher os desejos de seus filhos, mas também se alegra de sentir-se por eles
longamente rogado, antes como que cansado pelas súplicas deles, para ligar
sempre mais estreitamente a si os seus corações. Depois, sobre a outra
condição, o próprio Senhor em várias circunstâncias proclamou: "Se dois de
vós se puserem juntos na terra para pedir qualquer coisa, eu estarei no meio
deles" (Mt 18, 19-20). Ensinamento do qual tirou inspiração aquela
vigorosa sentença de Tertuliano: "Reunimo-nos juntos em assembléia e em
sociedade como que para tomar de assalto a Deus com as nossas preces; é esta
uma forma de violência, porém muito do agrado de Deus" (Tertuliano,
Apologet., c. 39). Além disto, é digno de menção, a este propósito, o que
escreve o Aquinate: "É impossível que não sejam escutadas as orações de
muitos juntos, quando não formam senão uma só oração" (S. Thomas de
Aquino, In Evangelium Matthaei, c. 18).
A união e a
perseverança na recitação do Rosário
4. Ora, ambas estas condições se acham perfeitamente unidas
no Rosário. Nele, com efeito, - para omitirmos outras reflexões - pela nossa
repetição das mesmas orações nós demonstramos querer obter do Pai Celeste o seu
reino de graça e de glória; e com as nossas reiteradas súplicas à Virgem Mãe
imploramos para nós pecadores o seu auxílio e a sua intercessão durante toda a
nossa vida e na nossa hora extrema, que é a porta da eternidade. Depois, a
própria forma do Rosário presta-se otimamente para a oração em comum; tanto
que, com razão, foi ele chamado "Saltério mariano".
Mantenha-se, portanto, com religiosa exatidão, ou se reponha
em honra, o uso que tanto floresceu entre os nossos antepassados, quando as
famílias cristãs, nas cidades e nos campos, consideravam como um sagrado dever
o reunir-se, à noite, depois dos labores do dia, diante de uma imagem da
Virgem, para recitar alternativamente o Rosário. E ela se comprazia tanto nesta
fiel e concorde homenagem, que, como uma mãe entre a coroa de seus filhos,
assistia propícia aqueles seus devotos, e concedia-lhes o dom da paz doméstica,
penhor da paz do Céu.
5. E foi justamente refletindo na eficácia desta oração em
comum que, entre as Nossas muitas outras disposições sobre o Rosário,
explicitamente declaramos "ser Nosso vivo desejo que ele fosse recitado
todo os dias nas catedrais das simples Dioceses, e todos os dias de festa nas
igrejas paroquiais" (Leão XIII, Carta Apostólica "Salutaris
Ille", 24 dez. 1883). Observe-se, pois, com solicitude e com constância
essa nossa disposição. De resto, vemos com profunda satisfação que a santa
prática se divulga e se conjuga com outras públicas manifestações de piedade,
como, por exemplo, com as peregrinações aos santuários mais insignes: costume
que se afirma sempre mais, com grande comprazimento Nosso.
6. Mas esta união de preces e de louvores marianos apresenta
também outros aspectos, que proporcionam muita alegria e muita utilidade às
almas. E nós mesmo - alegrasse-nos o coração ao reavivarmos aqui esta lembrança
- tivemos meios de fazer a experiência disso em algumas circunstâncias
particulares do Nosso Pontificado: quando, na Basílica Vaticana, estávamos
cercados por uma multidão imensa de fiéis de todas as categorias, os quais,
unidos a Nós nas intenções, na voz e na meditação dos mistérios do Rosário,
suplicavam a poderosíssima Auxiliadora do povo cristão.
O Rosário
apresenta-nos Maria como mediadora
7. E quem quererá considerar excessiva e censurar a grande
confiança depositada no auxilio e na proteção da Virgem? Todos estão de acordo
em admitir que o nome e a função de perfeito Mediador não convém senão a
Cristo: porque só Ele, conjuntamente, Deus e Homem, reconciliou o gênero humano
com seu sumo Pai: "Um mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus Homem,
aquele que a si mesmo se deu como preço de resgate por todos" (1 Tim. 2,
5-6). Mas se, como ensina o Angélico, "nada proíbe que algum outro se
chame, sob certos aspectos, mediador entre Deus e os homens, quando dispositiva
e ministerialmente coopera para a união do homem com Deus" (S. Thomas de
Aquino, 3 q. 26 a. 1), como é o caso dos Anjos, dos Santos, dos profetas e dos
sacerdotes do velho e do novo Testamento, sem dúvida alguma tal título de
glória convém, em medida ainda maior, à Virgem excelsa.
Com efeito, é impossível imaginar outra criatura que tenha
realizado ou esteja para realizar uma obra semelhante à dela, na reconciliação
dos homens com Deus. Foi ela que, para os homens fadados à eterna ruína, gerou
o Salvador; quando, ao anúncio do mistério de paz trazido à terra pelo Anjo,
ela deu o seu admirável assentimento, "em nome de todo o gênero
humano" (S. Thomas de Aquino, 3 q. 30 a. 1). Ela é aquela "da qual
nasceu Jesus", sua verdadeira Mãe, e por isto digna e agradabilíssima
"Mediadora junto ao Mediador”.
8. Como estes mistérios são sucessivamente propostos, no
Rosário, à meditação dos fiéis, segue-se que esta oração põe em evidencia os
méritos de Maria na obra da nossa reconciliação e da nossa salvação. Ninguém -
assim pensamos pode subtrair-se a uma suave emoção ao contemplar a Virgem, ou
quando visita a casa de Isabel para lhe dispensar os divinos carismas, ou
quando apresenta seu filho pequenino aos pastores, aos reis, a Simeão. E que
não sentirá a alma fiel quando refletir que o Sangue de Cristo, derramado por
nós, e os membros nos quais ele mostra ao Pai as feridas recebidas "como
penhor da nossa liberdade", não são outra coisa senão carne e sangue da
Virgem? E, na realidade: "A carne de Jesus é carne de Maria; e, embora
sublimada pela glória de ressurreição, todavia a natureza dessa carne permaneceu
e permanece a mesma que foi tomada de Maria" (De Assumptione B. M. V., c.
V, inter operas S. Augustini, PL, XL, Incerti Auctoris ac Pii, col. 1141-1145).
O Rosário fortifica a
nossa fé
9. Mas, como de outra vez lembramos, o Rosário produz outro
fruto notável, adequado às necessidades dos nossos tempos. É este: que, numa
época em que a virtude da fé em Deus está cada dia exposta a tão graves perigos
e assaltos, o cristão acha no Rosário meios abundantes para alimentá-la e
reforçá-la.
10. As Sagradas Escrituras chamam a Cristo "condutor e
aperfeiçoador da fé" (Heb. 12, 2). "Condutor", porque ensinou
aos homens grande número de verdades que eles devem crer, especialmente as que
dizem respeito a "Aquele em quem "habita toda a plenitude da Divindade"
(Col. 2, 9); e, ademais, porque, com a graça e como que com a unção do Espírito
Santo, concede generosamente o dom da fé. "Aperfeiçoador", porque no
Céu, onde converterá o hábito da fé na clareza da glória, Ele tornará evidentes
aquelas coisas que os homens, na vida mortal, perceberam como através de um
véu. Ora, todos sabem que, na prática do Rosário, Cristo tem esse lugar de
proeminência que lhe compete. De fato, é a sua vida que nós contemplamos na
meditação: a privada, nos mistérios gozosos; a pública, em meio aos graves
incômodos e a padecimentos mortais; a gloriosa, enfim, que da sua triunfal
ressurreição chega até à eternidade d'Ele, sentado à destra do Pai.
E, como é necessário que a fé, para ser digna e perfeita, se
manifeste exteriormente, "pois que com o coração se crê para a justiça, e
com a boca se faz a profissão para a salvação" (Rom. 10, 10), no Rosário
achamos também excelente meio para professarmos a nossa fé. E, realmente, com
as orações vocais de que ele se tece, podemos exprimir a nossa fé em Deus,
nosso Pai providentíssimo, na vida futura, na remissão dos pecados, nos
mistérios da augusta Trindade, do Verbo encarnado, da maternidade divina, e em
outras verdades ainda. Ora, ninguém ignora o quanto é grande o valor e o,
mérito da fé: semente seletíssima que hoje faz desabrochar as flores de todas
as virtudes que nos tornam agradáveis a Deus, e que um dia produzirá frutos que
durarão eternamente: "O conhecer a ti é perfeita justiça, e o saber a tua
justiça e poder é raiz de imortalidade" (Sab. 15, 3).
O Rosário dá-nos
lições de penitência
11. E aqui afigura-se oportuno um chamamento aos deveres das
virtudes que a fé justamente impõe. Entre estas, por mais de um motivo é
obrigatória e salutar a virtude da penitência, da qual é uma manifestação a
"abstinência". Se a Igreja mostra, sobre este ponto, sempre maior
brandura para com seus filhos, é entretanto dever destes compensar com outras
obras meritórias a sua maternal indulgência. Ora, também para tal fim
apraz-nos, em primeiro lugar, inculcar a prática do Rosário, que pode produzir
"bons frutos de penitência", especialmente pela meditação dos
sofrimentos de Jesus e de sua Mãe Santíssima.
Facilidade e
preciosidade do Rosário
12. Aqueles, pois, que se esforçam por atingir o seu bem
supremo, um admirável desígnio da Providência ofereceu o auxílio do Rosário:
auxilio mais fácil e mais prático do que qualquer outro. Porque basta um
conhecimento, mesmo modesto, da religião, para se aprender a rezar com fruto o
Rosário; e, por outro lado, isso requer tão pouco tempo, que na realidade não
pode acarretar prejuízo a outros afazeres. Além de que isto é confirmado por
oportunos e luminosos exemplos da história da Igreja; onde se lê que em todos
os tempos houve pessoas que, conquanto desempenhassem ofícios muito pesados, ou
fossem absorvidas por fatigantes ocupações, todavia nem sequer por um só dia
relaxaram este piedoso costume.
13. Isto se explica por esse íntimo sentimento de piedade
que transporta as almas para esta sagrada coroa, até a amá-la ternamente e a
considerá-la como a companheira inseparável e fiel amparo da sua vida.
Apertando-a entre os dedos nas supremas agonias, eles estão mais seguros de ter
em mão um penhor da "imarcescível coroa de glória". Tal esperança é,
depois, grandemente reforçada pelos tesouros "das indulgências" com
que o Rosário foi enriquecido na mais larga medida pelos Nossos Predecessores e
por Nós mesmo; contanto que, entende-se, delas se tenha devida estima. Não há
dúvida que essas indulgências, como que dispensadas pelas mãos da Virgem misericordiosa,
ajudam muito os moribundos e os defuntos, apressando para eles as alegrias da
suspirada paz e da luz eterna.
Para o retorno dos
dissidentes
14. Eis aí, ó Veneráveis Irmãos, os motivos que nos impelem
a não desistir de louvar e de recomendar aos católicos uma forma tão excelente
de piedade, uma devoção tão útil para chegar ao porto da salvação. Mas a isto
somos movido também por outra razão de extraordinária importância sobre a qual
já muitas vezes temos manifestado o nosso pensamento em Cartas e Alocuções,
como seja:
15. Sentindo-nos cada dia mais fortemente estimulado e
impelido á obra pelo ardente desejo - em nós ateado pelo sacratíssimo Coração
de Jesus - de favorecei a reconciliação dos dissidentes, compreende que esta
admirável unidade não pode ser mais bem preparada e realizada do que em virtude
da oração. Temos presente ao Nosso espírito o exemplo de Cristo, que suplicou
longamente seu Pai para que os seguidores da sua doutrina fossem "uma
coisa só" na fé e na caridade. Depois disso, que a prece da Virgem também
seja eficacíssima para este fim, disto temos uma prova eloquente na história
apostólica. Aquela página que, enquanto nos apresenta a primeira reunião dos
Discípulos, em suplicante espera da prometida efusão do Espírito Santo, faz
especial menção de Maria, em oração com eles: "Todos eles perseveravam
unânimes na oração com Maria, Mãe de Jesus" (At 1, 14).
Portanto, assim como a Igreja nascente justamente se uniu na
oração a ela - a mais nobre fautora e guardiã da unidade, - o mais possível
oportuno é que outro tanto façam, nos nossos dias, os católicos; especialmente
durante o mês de Outubro, que Nós, já de longa data, temos querido dedicado e
consagrado à divina Mãe, com a recitação solene do Rosário, para implorar o
auxílio dela nas presentes angústias da Igreja. Acenda-se, pois, por toda parte
o ardor por esta oração, com a finalidade precípua de alcançar a santa unidade.
Nada poderá ser mais suave e mais grato a Maria. Unida intimamente a Cristo,
ela deseja sobretudo e quer que aqueles que receberam o dom do mesmo batismo,
por Ele instituído, estejam também unidos, por uma mesma fé e por uma perfeita
caridade, com Cristo e entre si mesmos.
16. Que, mediante o Rosário, os mistérios augustos desta fé
penetrem tão profundamente nas almas, que nós possamos - queira-o Deus!
-"imitar aquilo que eles contêm, e alcançar o que prometem!"
Entrementes, em auspício dos divinos favores, e em atestado do Nosso afeto, Concedemos
de grande coração a cada um de vós, ao vosso clero e ao vosso povo a Bênção
Apostólica.
Dado em Roma, junto a S. Pedro, a 20 de Setembro de 1896,
décimo nono ano do Nosso Pontificado.
LEÃO PP. XIII.
domingo, 25 de outubro de 2015
SOBRE O ROSÁRIO DE NOSSA SENHORA
PAPA LEÃO XIII - CARTA ENCÍCLICA IUCUNDA SEMPER EXPECTATIONE
- SOBRE O ROSÁRIO DE NOSSA SENHORA A TODOS OS NOSSOS VENERÁVEIS IRMÃOS, OS
PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS E BISPOS DO ORBE CATÓLICO, EM GRAÇA E COMUNHÃO COM A SÉ
APOSTÓLICA SOBRE O ROSÁRIO DE NOSSA SENHORA.
Veneráveis Irmãos, Saúde e Bênção Apostólica.
Viva confiança no
Rosário
1. Com alegre expectativa e com renovada confiança olhamos
sempre a volta do mês de Outubro; porque, desde quando começamos a exortar os
fiéis a consagrarem este mês à beatíssima Virgem, ele tem acarretado em toda
parte uma poderosa floração do Rosário entre os católicos. Qual tenha sido o
motivo elas Nossas exortações, já mais de uma vez o expusemos. Visto que os
tempos, prenunciadores de desgraças para a Igreja e para a sociedade, exigiam o
auxílio poderoso de Deus, Nós achamos dever implorá-lo justamente mediante a
intercessão de sua Mãe, e sobretudo com essa fórmula de oração cuja salutar eficácia
o povo cristão pôde sempre experimentar.
Experimentou-a, com efeito, desde as origens do Rosário
mariano, quer na defesa da santa fé contra os nefastos ataques dos hereges,
quer no repor em honra aquelas virtudes que haviam sido sufocadas pela corrupção
do mundo. Experimentou-a por uma série ininterrupta de benefícios, privados e
públicos, cuja lembrança por toda parte foi imortalizada até mesmo com insignes
instituições e monumentos. E também nos nossos tempos, trabalhados por
múltiplas crises, folgamos de reconhecer que justamente do Rosário têm provindo
frutos salutares. Todavia, olhando em volta, Veneráveis Irmãos, vós mesmos
vedes que ainda permanecem, e em parte agravados, os motivos para convidarmos,
ainda este ano, os vossos fiéis a reavivarem o fervor das suas súplicas para
com a Rainha do Céu.
2. Além disto, quanto mais fixamos o pensamento na íntima
natureza do Rosário, tanto mais claramente se nos manifesta a sua excelência e
utilidade. E por isto cresce em Nós o desejo e a esperança de que a Nossa
recomendação seja tão eficaz que dê o mais amplo desenvolvimento a esta
santíssima oração, difundindo-lhe sempre mais o conhecimento e a prática.
Confiança em Maria
como mediadora
3. Para tal fim não evocaremos aqui os argumentos que, sob
vários aspectos, expusemos sobre este mesmo assunto nos anos precedentes; mas,
antes, apraz-nos considerar e expor como, de acordo com os divinos desígnios da
Providência, o Rosário desperta no ânimo de quem reza uma suave confiança de
ser atendido, e move a maternal piedade da Virgem bendita a corresponder a tal
confiança com a ternura dos seus socorros.
4. O nosso suplicante recurso ao patrocínio de Maria
funda-se no seu ofício de Mediadora da graça divina; ofício que ela -
agradabilíssima a Deus pela sua dignidade e pelos seus méritos, e de longe
superior em poder a todos os Santos - continuamente exerce por nós junto ao
trono do Altíssimo. Ora, este seu ofício talvez por nenhum outro gênero de
oração seja tão vivamente expresso como pelo Rosário, onde a parte tida pela
Virgem na Redenção dos homens é posta tão em evidência que parece desenrolar-se
agora ante o nosso olhar; e isto traz um singular proveito à piedade, seja na
sucessiva contemplação dos sagrados mistérios, seja na recitação repetida das
preces.
Nos mistérios gozosos
5. Primeiramente se nos apresentam os mistérios gozosos. O
Filho eterno de Deus abaixa-se até aos homens, feito Ele próprio homem mas com
o assentimento de Maria, "que o concebe do Espírito Santo". Daí ser
João, por uma graça especial, "santificado" no seio materno e
enriquecido de escolhidos dons "para preparar os caminhos do Senhor".
Mas isto sucede em seguida à saudação de Maria, que, por divina inspiração, vai
visitar sua parenta. Finalmente vem à luz o Cristo, "o esperado das
nações", e vem à luz do seio da Virgem. Os pastores e os Magos, primícias
da fé, dirigem-se com ânsia pressurosa ao seu berço, e "acham o Menino com
Maria sua Mãe". Depois Ele quer ser levado em pessoa ao templo para se
oferecer publicamente em holocausto a Deus Pai. Mas é por obra da Mãe que ali
"é apresentado ao Senhor". É sempre ela que, na misteriosa perda do
Filho, o procura com ansiosa solicitude e o reencontra com alegria imensa.
Nos mistérios
dolorosos
6. No mesmo sentido falam os mistérios dolorosos. É verdade
que Maria não está presente no horto de Getsêmani, onde Jesus treme e está
triste até à morte, e no pretório, onde é flagelado, coroado de espinhos,
condenado à morte. Mas já desde tempo ela conhecera e vira claramente todas
estas coisas. Com efeito, quando ela se ofereceu a Deus como escrava, para
depois se tornar sua mãe, e quando no templo se consagrou inteiramente a Ele,
juntamente com o Filho, já desde então, em virtude destes dois fatos, ela se
tornou participante da dolorosa expiação de Cristo, para vantagem do gênero
humano. Não há, pois, dúvida alguma de que, mesmo por tal razão, durante as
cruéis angústias e torturas do Filho ela experimentou no seu coração as mais
agudas dores.
Aliás, na sua própria presença e sob seus olhos devia
consumar-se aquele divino sacrifício para o qual, com o próprio leite, ela
generosamente criara a vítima. Isto se contempla no último e mais comovente
destes mistérios. "Estava junto à Cruz de Jesus Maria sua Mãe", a
qual, movida por um imenso amor a nós, para nos ter como seus filhos ofereceu,
ela mesma, seu Filho à justiça divina, e com Ele morreu no seu coração,
traspassada pela espada da dor.
Nos mistérios gloriosos
7. Finalmente, nos mistérios gloriosos, que seguem os
dolorosos, é mais copiosamente confirmado este mesmo misericordioso ofício da
Virgem excelsa. Com tácita alegria ela saboreia a glória do Filho triunfante
sobre a morte; segue-o depois com maternal afeto na sua volta à sede celeste.
Mas, conquanto digna do Céu, ela é mantida na terra, como suprema consoladora e
mestra da Igreja nascente; "ela penetrou, além de tudo o que se possa
crer, nos profundos arcanos da sabedoria divina" (S. Bernardo, De Praerogativis
B. M. V., n. 3).
E, pois que a obra santa da redenção dos homens não podia
dizer-se completa antes da descida do Espírito Santo, prometido por Cristo, eis
que a vemos lá naquele Cenáculo cheio de recordações, a orar-lhe, juntamente
com os Apóstolos e em vantagem dos Apóstolos, com gemidos inenarráveis; a
apressar para a Igreja a sabedoria do Espírito consolador, supremo dom de
Cristo, tesouro que nunca lhe faltará. Porém em medida ainda mais cheia e
perene poderá ela advogar a nossa causa quando tiver passado à vida imortal.
E, assim, deste vale de lágrimas vemo-la assunta à cidade
santa de Jerusalém, por entre as festas dos coros angélicos; veneramo-la
elevada acima da glória de todos os Santos, coroada de estrelas por seu divino
Filho, sentada junto d'Ele, rainha e senhora do universo. Em todos estes
mistérios, ó Veneráveis Irmãos, se tão bem se manifesta "o desígnio de
Deus, desígnio de sabedoria e desígnio de misericórdia" (S. Bernardo,
Sermo in Nativitate B. M. V., n. 6), não menos claramente brilhai ao mesmo
tempo os grandíssimos benefícios da Virgem Mãe para conosco: benefícios que não
podem deixar de nos encher de alegria, porque nos infundem a firme esperança de
obtermos, pela mediação de Maria, a clemência e a misericórdia de Deus.
Nas orações vocais
8. Para este mesmo fim, em perfeita harmonia com os
mistérios, tende a oração vocal. Procede, como é justo, a oração dominical
dirigida ao Pai celeste. Em seguida, após haver invocado o mesmo Pai com a mais
Pobre das orações, do trono da sua majestade a nossa suplicante volve-se para
Maria, em obséquio à lembrada lei da sua, mediação e da sua intercessão,
expressa por S. Bernardino de Sena com as seguintes palavras: "Toda graça
que é comunicada a esta terra passa por três ordens sucessivas. De Deus é
comunicada a Cristo, de Cristo à Virgem, e da Virgem a nós" (S. Bernardino
de Sena, Sermo VI in Festis B. M. V., De Annunciatione, a. 1, c. 2).
E nós, na recitação do Rosário, passamos por todos os três
graus desta escala, em diversa relação entre eles; porém mais longamente, e de
certo modo com mais gosto, detemo-nos no último, repetindo por dez vezes a
saudação angélica, como que para nos elevarmos com maior confiança aos outros
graus, isto é, por meio de Cristo a Deus Padre.
Porquanto, se tornamos a repetir tantas vezes a mesma
saudação a Maria, é para que a nossa oração, fraca e defeituosa, seja reforçada
pela necessária confiança, confiança que surge em nós se pensarmos que Maria,
mais do que rogar por nós, roga em nosso nome. De certo as nossas vozes serão
mais agradáveis e eficazes na presença de Deus se forem apoiadas pelos rogos da
Virgem; à qual Ele mesmo dirige o amoroso convite: "Ressoe a tua voz ao
meu ouvido, porque suave é a tua voz" (Cânt. 2, 14).
Por esta mesma razão, no Rosário nós tornamos tantas vezes a
celebrar os seus gloriosos títulos de Mediadora. Em Maria saudamos aquela que
"achou favor junto a Deus"; aquela que foi por Ele, de modo
singularíssimo, "cumulada de graça", para que tal superabundância se
entornasse sobre todos os homens; aquela a quem o Senhor está unido pelo
vínculo mais estreito que existir possa; aquela que, "bendita entre as
mulheres", "só ela dissolveu a maldição e trouxe a bênção" (S.
Tom., op. VIII, Sobre a Saudação Angélica, n. 8), ou seja o fruto bendito do
seu seio, no qual "todas as nações são benditas"; aquela, enfim, que
invocamos como "Mãe de Deus".
Pois bem, em virtude de uma dignidade tão sublime, que coisa
haverá que ela não possa pedir com segurança "para nós pecadores", e,
por outro lado, que coisa haverá que não possamos esperar nós, em toda a vida e
nas nossas extremas agonias?
9. Quem com toda diligência houver recitado estas orações e
meditado com fé estes mistérios, não poderá deixar de admirar os desígnios
divinos que uniram a Virgem Santíssima à salvação dos homens; e, com comovida
confiança, desejará refugiar-se sob a sua proteção e no seu seio, repetindo a
súplica de S. Bernardo: "Lembrai-vos, ó piedosíssima Virgem Maria, que
nunca se ouviu dizer que alguém que tenha recorrido à vossa proteção, implorado
o vosso auxílio, invocado a vossa intercessão, tenha sido por vós
desamparado".
O Rosário comove
Maria em nosso favor
10. Porém a virtude que o Rosário tem de inspirar a
confiança em quem o reza, possui-a também em mover à piedade para conosco o
coração da Virgem. Quanto deve ser suave para ela o ver-nos e o escutar-nos,
enquanto entrelaçamos em coroa pedidos para nós justíssimos e louvores para ela
belíssimo! Assim rezando, nós desejamos e tributamos a Deus a glória que lhe é
devida; procuramos unicamente o cumprimento dos seus acenos e da sua vontade;
exaltamos a sua bondade e a sua munificência, chamando-lhe Pai e pedindo-lhe,
embora indignos deles, os dons mais preciosos.
Com tudo isto Maria exulta imensamente, e, pela nossa
piedade, de coração "magnifica o Senhor". Porque, quando nos
dirigimos a Deus pela oração dominical, nós o suplicamos mediante uma oração
digna d'Ele.
11. Mas às coisas que nela pedimos, já de per si tão retas e
ordenadas e tão conformes à fé, à esperança, à caridade cristã, junta-se um
valor que não pode deixar de ser sumamente apreciado pela Virgem Santíssima.
Este: que à nossa voz se une a de seu Filho Jesus, o qual, depois de nos haver
ensinado, palavra por palavra, essa fórmula de oração, autorizadamente no-la impõe,
dizendo: "Vós, pois, rezareis assim" (Mt. 6, 9).
Certos estejamos, pois, de que, se formos fiéis a este
mandato com a recitação do Rosário, de sua parte Maria não deixará de exercer
com maior benevolência o seu ofício de solícita caridade; e, acolhendo com
semblante benigno estas místicas coroas de orações, recompensar-nos-á com
abundância de graças.
O Rosário ajuda-nos a
bem orar
12. Outra fortíssima razão para contarmos com maior
segurança com a generosa bondade de Maria reside na própria natureza do
Rosário, tão adequado para nos fazer rezar bem. Pela sua fragilidade, o homem,
durante a oração, muitas vezes é levado a distrair-se do pensamento de Deus e a
faltar ao seu louvável propósito.
Ora, quem considera atentamente este fenômeno logo verá quão
eficaz é o Rosário não só para fazer aplicar a mente e para sacudir a preguiça
da alma, como também para excitar um salutar arrependimento das culpas, e,
finalmente, para elevar o espírito às coisas celestes. E isto porque, como é
bem sabido, o Rosário é composto de duas partes, distintas entre si, porém
inseparáveis: a meditação dos mistérios e a oração vocal.
Por consequência, este gênero de oração requer da parte do
fiel uma atenção particular que não só o faz elevar, de algum modo, a mente a
Deus, mas o leva também a refletir tão seriamente sobre as coisas propostas à
sua consideração e contemplação, que ele é induzido também a tirar delas
estímulo para uma vida melhor e alimento para toda forma de piedade. Realmente,
não há nada maior ou mais maravilhoso do que estas coisas, que são como que o
resumo da fé cristã, e que, com a sua luz e íntima força, têm sido fonte de
verdade, de justiça e de paz, e que assinalaram para o mundo uma nova ordem de
coisas, rica de frutos maravilhosos.
13. Atente-se, além disto, no modo como estes profundíssimos
mistérios são apresentados a quem reza o Rosário: isto é, um modo que bem se
adapta às mentes mesmo dos simples e dos menos instruídos. O Rosário não tem em
mira fazer-nos perscrutar os dogmas da fé e da doutrina cristã, mas
principalmente pôr como que diante do nosso olhar e evocar à nossa memória
fatos.
Visto como os fatos que são apresentados quase nas mesmas
circunstâncias de lugar, de tempo e de pessoa em que aconteceram, impressionam
mais a alma e a comovem salutarmente. E, visto que estas coisas são geralmente
inculcadas e gravadas nas almas desde a infância, daí se segue que, apenas
enunciado um mistério, todo aquele que efetivamente tem amor à oração
percorre-o sem nenhum esforço de imaginação, mas com movimento espontâneo da
mente e do coração, e, pelo auxílio de Maria, tira dele em abundância um
orvalho de graças celestes.
O Rosário prova a
Maria o nosso reconhecimento
14. Mas há outra razão que torna as nossas coroas mais
agradáveis e mais meritórias em presença da Virgem. Quando, com devota
recordação, repetimos a tríplice ordem dos mistérios, vimos a demonstrar-lhe
mais claramente o nosso afetuoso reconhecimento; porque com isto nós
professamos que nunca nos fartamos de recordar os benefícios dispensados pela
sua inexaurível caridade, para a nossa salvação. Ora, nós podemos ter apenas
uma vaga idéia da alegria, sempre nova, que a lembrança destes grandiosos
fatos, repetidos com freqüência e com amor em sua presença, pode infundir no
seu ânimo bendito, movendo-o a sentimentos de solicitude e de generosidade
materna.
Além disto, estas mesmas lembranças fazem com que as nossas
orações se tornem mais ardentes e eficazes: porque cada mistério que passa
diante do nosso pensamento fornece-nos um novo estímulo para orar, maximamente
eficaz perante a Virgem. Sim, a ti recorremos, santa Mãe de Deus; e tu não
desprezes estes míseros filhos de Eva!
A ti suplicamos, ó poderosa e benigna Mediadora da nossa
salvação, conjuramos-te com toda a alma; pelas suaves alegrias recebidas de teu
Filho Jesus; pela participação nas suas indizíveis dores, pelo esplendor da sua
glória que em ti se reflete. Eia, pois, escuta-nos, se bem que indignos, e
atende-nos!
A moderna perseguição
contra a Igreja
15. A excelência do Rosário mariano, focalizada também pelas
duas considerações que acabamos de vos expor, dir-vos-á ainda mais claramente,
Veneráveis Irmãos, por que razão Nós não nos cansamos de inculcá-lo e de
promovê-lo com todo cuidado.
Conforme desde o princípio observamos, a nossa época tem,
cada vez mais, necessidade dos auxílios celestes; especialmente pelas muitas
tribulações que a Igreja sofre, contrariada no seu direito e na sua liberdade,
e, depois, pelos muitos perigos que ameaçam as próprias bases da prosperidade e
da paz dos povos cristãos. Pois bem: mais uma vez declaramos solenemente que no
Rosário depositamos as maiores esperanças de obter esses auxílios.
Queira Deus - é este um ardente desejo Nosso - que esta
prática de piedade retome em toda parte o seu antigo lugar de honra! Nas
cidades e nas aldeias, nas famílias e nas oficinas, entre os nobres e os
plebeus seja o Rosário amado e venerado como o mais nobre distintivo da
profissão cristã, e como o auxílio mais eficaz para nos propiciar a divina
clemência.
Os últimos excessos
da impiedade
16. E, pois que a insensata perversidade dos ímpios a tudo
já agora recorre - com o dolo e com a audácia - para provocar a cólera divina e
atrair sobre a pátria o peso de um justo castigo, necessário é que a piedosa
prática do Rosário seja seguida com sempre maior empenho.
Além disto, todos os bons sofrem conosco, porque no próprio
seio dos povos católicos há muitos que, satisfeitos de se regozijar com as
ofensas de qualquer modo feitas à religião, eles mesmos, fortes de uma incrível
licença de propaganda, mostram não ter em mira outra coisa senão expor ao
desprezo e ao escárnio do povo as coisas mais santas da religião e sua
experimentada confiança na intercessão da Virgem.
Nestes últimos meses, pois, não se tem poupado nem sequer a
augustíssima pessoa de Jesus Cristo Salvador. Não se tem tido pejo de
apoderar-se dela para os atrativos do palco, já agora sobejamente contaminado
de infâmias, e de representarmo-la despojada da majestade da sua natureza
divina; sem a qual necessariamente rui o próprio fundamento da redenção do
gênero humano. E levou-se ao cúmulo a afronta quando se quis reabilitar da
infâmia dos séculos o homem réu da criminosa perfídia que a história tem
estigmatizado como a mais abominável e a mais monstruosa: o traidor de Cristo.
17. Ante tais excessos, cometidos ou em via de sê-lo pelas
cidades da Itália, tem-se levantado um brado geral de indignação e um enérgico
protesto pela violação dos sacrossantos direitos da religião, naquela nação que
justamente considera sua precípua ufania o ser católica.
Ante tais excessos, como era natural, levantou-se a
vigilante solicitude dos bispos, que apresentaram justíssimas recriminações
àqueles que têm o inalienável dever de tutelar a honra da religião pátria; e
não só têm avisado os seus rebanhos da gravidade do perigo, mas os têm exortado
também a especiais atos de reparação da ímpia ofensa lançada contra o
amorosíssimo Autor da nossa salvação.
Nós temos apreciado imensamente as múltiplas e notáveis
demonstrações de zelo dadas pelos bons nestas circunstâncias, e delas temos
haurido um vivo conforto para a Nossa alma, profundamente ferida. Mas, dado que
temos ocasião de falar, não podemos abafar a voz do Nosso altíssimo ministério.
E por isto falamos, para ajuntar o Nosso mais enérgico protesto aos já
levantados pelos bispos e pelos fiéis.
18. Mas, enquanto lamentamos e detestamos esse sacrílego
crime, com o mesmo ardor do Nosso ânimo apostólico dirigimos uma cálida
exortação a todos os cristãos, mas particularmente aos Italianos, para que
guardem intacta, defendem estrenuamente e continuem a alimentar com obras
honestas e piedosas essa fé avoenga que constitui a sua herança mais preciosa.
Recurso à poderosa
Rainha do Céu
19. É esta mais uma razão pela qual Nós vivamente desejamos
que durante o mês de Outubro os simples fiéis e as confrarias porfiem em honrar
a grande Mãe de Deus, a poderosa Auxiliadora do povo cristão, a gloriosíssima
Rainha do Céu. Por Nossa parte, de todo coração confirmamos os favores das
santas Indulgências anteriormente concedidos a este propósito.
20. E Deus, ó Veneráveis Irmãos, que "na sua
misericordiosa bondade nos deu uma Mediadora tão poderosa" (S. Bernardo,
De C II Praerogativis B. M. V., n. 2), "e quis que tudo nos viesse pelas
mãos de Maria" (S. Bernardo, Sermo in Nativitatem B. M. V., n. 7), pela
intercessão e pelo favor dela acolha propício os votos e satisfaça as
esperanças de todos. Como auspício, pois, destes bens, juntamos de todo coração
para vós, para o vosso clero e para o vosso povo a Bênção Apostólica.
Dado em Roma, junto a S. Pedro, a 8 de Setembro de 1894, décimo
sétimo do Nosso Pontificado - LEÃO PP. XIII.
OS BENEFÍCIOS DA ORAÇÃO DO ROSÁRIO
PAPA LEÃO XIII - CARTA ENCÍCLICA DIUTURNI TEMPORIS - SOBRE O
ROSÁRIO DE NOSSA SENHORA, A TODOS OS NOSSOS VENERÁVEIS IRMÃOS, OS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS DO ORBE CATÓLICO, EM GRAÇA E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA
Veneráveis Irmãos, Saúde e Bênção Apostólica.
Proteção de Maria
sobre o Pontificado de Leão XIII
1. Quando refletimos sobre o longo período de tempo que, por
vontade de Deus, temos passado na suprema dignidade do Pontificado, não podemos
deixar de reconhecer havermos experimentado de modo o mais tangível a singular
assistência da Providência Divina. Na verdade, pensamos deva isto
principalmente atribuir-se às orações unânimes, e, por isto mesmo,
eficacíssimas, que agora toda a Igreja incessantemente eleva a Deus por Nós,
como outrora por Pedro. Por isto, antes de tudo agradecemos do mais profundo do
coração ao Senhor, dispensados de todos os bens.
E, enquanto tivermos vida, a Nossa alma conservará uma fiel
recordação de cada singular benefício d'Ele recebido. Mas logo depois o Nosso
pensamento suavemente se volve para a maternal proteção da augusta Rainha do
Céu; e esta piedosa lembrança viverá indelével no Nosso coração, para nos mover
a magnificar os benefícios de Maria e a nutrir para com ela a mais sentida
gratidão. Dela, com efeito, como de um canal repleto, desce a onda das graças
celestes: "nas suas mãos se acham os tesouros das divinas
misericórdias" (S. João Damasceno, Sermo I de Nativitate) "É vontade
de Deus que ela seja o princípio de todos os bens" (S. Ireneu, Contra
Valent. 1, III, c. 33). E Nós firmemente esperamos poder encerrar a Nossa vida
terrena no amor desta terníssima Mãe: amor que com todas as Nossas forças
sempre nos esforçamos por cultivar e estender sempre mais.
A Obra do Pontífice
para a devoção ao Rosário
2. Já de há tempo Nós, movido pelo desejo de colocar na tão
aumentada devoção para com a Virgem, como numa rocha inexpugnável, a salvação
da humanidade, nunca cessamos de promover entre os fiéis a piedosa prática do
"santo Rosário". Para este fim, já desde o primeiro dia de Setembro
do ano de 1883, publicamos uma Carta Encíclica, e, como todos vós bem sabeis,
em seguida temos promulgado sobre este assunto vários outros decretos. E, já
que os desígnios da divina misericórdia nos concedem ver, ainda este ano, a
aproximação do mês de Outubro, já reiteradamente por Nós dedicado e consagrado
à celeste Rainha do Rosário, não queremos deixar de renovar-vos a Nossa exortação.
Portanto, a fim ,de que sejam brevemente resumidos todos os esforços por Nós
até agora feitos para o incremento desta singular forma de oração, entendemos
de coroar a Nossa obra com um último documento que quer demonstrar, com
evidência ainda maior, o Nosso zelo e a Nossa solicitude por esta
louvabilíssima manifestação de piedade mariana, e ao mesmo tempo estimular o
ardor dos fiéis a conservar piedosamente na sua integridade a bela prática do
santo Rosário.
Resumo dos documentos
pontifícios sobre o Santo Rosário
3. Portanto, impelido pelo constante desejo de manifestar ao
povo cristão o poder e a grandeza do Rosário mariano, Nós recordamos antes de
tudo a origem, mais celeste que humana, desta oração. E, para este fim, pusemos
em evidência que esta maravilhosa coroa é um enredo de saudações angélicas,
intercaladas pela oração dominical, unidas pela meditação. Assim composto, o
Rosário constitui a mais excelente forma de oração, e o meio mais eficaz para
alcançar a vida eterna, visto como, além da excelência das suas orações, ele
nos oferece uma sólida defesa da nossa fé e um sublime modelo de virtude, nos
mistérios propostos à nossa contemplação. Além disto demonstramos que o Rosário
é uma prática fácil e adaptada à índole do povo, a qual apresenta, outrossim,
na recordação da Família de Nazaré, o ideal mais perfeito da vida doméstica.
Por tais motivos os fiéis sempre lhe experimentaram o salutar poder.
O Mês de Outubro e a
Festa do Rosário
4. Depois de havermos inculcado, especialmente com estas
razões e com os Nossos reiterados apelos, a prática do santo Rosário, Nós,
seguindo o exemplo dos Nossos Predecessores, demo-nos, além disso, pressa de
juntar a importância e a solenidade do seu culto. Dos Nossos Predecessores,
Sixto V, de feliz memória, aprovou o antigo costume de recitar o Rosário;
Gregório XIII instituiu a festa do Rosário; Clemente VIII introduziu-a no
Martirológio; Clemente XI estendeu-a a toda a Igreja; e Benedito XIII inseriu-a
depois no Breviário Romano. Assim Nós, em perene testemunho do Nosso apreço por
esta forma de piedade, além de havermos decretado que dita festa e o seu Oficio
sejam celebrados em toda a Igreja, com rito duplo de segunda classe, também
quisemos que o mês de Outubro inteiro fosse consagrado a esta devoção. Enfim,
prescrevemos que nas Ladainhas Lauretanas se acrescentasse a invocação:
"Rainha do sacratíssimo Rosário", como augúrio de vitória na presente
luta.
Indulgências anexas à
recitação do Santo Rosário
5. Depois disto, não restava senão fazer conhecer aos fiéis
o imenso valor e as grandíssimas vantagens ligadas ao Rosário mariano, pelos
numerosos privilégios e direitos com que ele foi enriquecido, e sobretudo pelo
tesouro de Indulgências de que goza. E certamente não é difícil compreender o
quanto estas vantagens devam ser estimadas por aqueles que pensam seriamente na
sua eterna salvação. Com efeito, aqui se trata de obter, total ou parcialmente,
a remissão da pena temporal a pagar nesta ou na outra vida, mesmo depois de
haver sido cancelada a culpa. Tesouro este, sem dúvida, preciosíssimo, porque
constituído pelos méritos de Cristo, aos quais se juntaram os da Mãe de Deus e
dos Santos. A tal tesouro, o Nosso Predecessor Clemente VI com razão referia aquelas
palavras da Sabedoria: "Inexaurível tesouro é ela para os homens: aqueles
que dela fazem uso proporcionam-se amizade junto a Deus" (Sab. 7, 14). Já
os Romanos Pontífices, por força do seu supremo poder recebido de Deus, abriram
largamente os mananciais de tais graças aos membros das Confrarias do Santo
Rosário, e àqueles que rezam o Rosário com devoção.
Anúncio de uma
constituição sobre as confrarias do Rosário
6. Também Nós, portanto, persuadidos de que estas graças e
estas Indulgências, como outras tantas fúlgidas jóias bem dispostas, aumentam o
esplendor da Coroa de Maria, após madura reflexão decidimos promulgar uma
"Constituição" sobre os direitos, privilégios, Indulgências,
reservados às Confrarias do Rosário. Seja essa "Constituição"
considerada um público testemunho do Nosso amor à augusta Mãe de Deus e, ao
mesmo tempo, um estímulo e um prêmio à piedade dos fiéis, a fim de que, na hora
extrema tia sua vida, possam ser confortados pelo seu auxílio, e suavemente
adormecer sobre o seu seio.
7. É esta a graça que rogamos a Deus, pela intercessão da
Rainha do sacratíssimo Rosário. E, entrementes, como penhor e auspício dos
favores celestes, concedemos a vós, Veneráveis Irmãos, ao vosso clero e ao
vosso povo a Bênção Apostólica.
Dado em Roma, junto a S. Pedro, a 5 de Setembro de 1898,
vigésimo primeiro ano do Nosso Pontificado. LEÃO PP. XIII.
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