sábado, 27 de dezembro de 2014

O SINAL DA VIRGEM


21,1. Foi, portanto, Deus que se fez homem, o próprio Senhor que nos salvou, ele próprio que nos deu o sinal da Virgem. Por isso não é verdadeira a interpretação de alguns que ousam traduzir assim a Escritura: “Eis que uma moça conceberá e dará à luz um filho” (Is 7,14), como fizeram Teodocião de Éfeso e Áquila do Ponto, ambos os prosélitos judeus; seguidos pelos ebionitas, que dizem que Jesus nasceu de José, destruindo assim, por aquilo que está em seu poder, esta grande economia de Deus e reduzindo a nada o testemunho dos profetas, que é o de Deus. Trata-se de profecia feita antes da deportação do povo para a Babilônia, isto é, antes que os medos e os persas tomassem o poder e foi traduzida para o grego pelos próprios judeus muito tempo antes da vinda de nosso Senhor, para que não fique nenhuma suspeita de que traduziram assim para nos agradar. Com efeito, se tivessem sabido da nossa existência e que nos serviríamos do testemunho das Escrituras, não teriam hesitado em queimar com as suas próprias mãos as suas Escrituras que declaram abertamente que todas as outras nações participariam da vida, ao passo que os que se gloriam de pertencer à casa de Jacó e de ser o povo de Israel seriam deserdados da graça de Deus.
21,2. Antes que os romanos estabelecessem o seu império, quando os macedônios mantinham ainda a Ásia em seu poder, Ptolomeu, filho de Lago, que tinha fundado em Alexandria uma biblioteca, desejava enriquecê-la com os escritos de todos os homens, pediu aos judeus de Jerusalém uma tradução, em grego, das suas Escrituras. Eles, então, que ainda estavam submetidos aos macedônios, enviaram a Ptolomeu setenta anciãos, os mais competentes nas Escrituras e no conhecimento das duas línguas, para executar o trabalho que desejava. Ele, para pô-los à prova e mais, por medo de que concordassem entre si em falsear a verdade das Escrituras, na sua tradução, fê-los separar uns dos outros e mandou que todos traduzissem toda a Escritura; e fez assim com todos os livros.
Quando se reuniram com Ptolomeu e confrontaram entre si as suas traduções, Deus foi glorificado e as Escrituras foram reconhecidas verdadeiramente divinas, porque todos, do início ao fim, exprimiram as mesmas coisas com as mesmas palavras, de forma que também os pagãos presentes reconheceram que as Escrituras foram traduzidas sob a inspiração de Deus. Aliás, não há que admirar por ter Deus agido desta forma, se se lembrar que, destruídas as Escrituras durante a escravidão do povo sob Nabucodonosor, quando, depois de setenta anos, no tempo de Artaxerxes, rei dos persas, os judeus voltaram à sua terra, Deus inspirou Esdras, sacerdote da tribo de Levi, a reconstruir de memória todas as palavras dos profetas anteriores e restituir ao povo a Lei dada por Moisés.
21,3. As Escrituras, pelas quais Deus preparou e fundou a nossa fé em seu Filho, foram, pois, traduzidas com tanta fidelidade, pela graça de Deus, e conservadas, em toda a sua pureza, no Egito, onde se tornou grande a família de Jacó, depois de ter fugido da fome, em Canaã, e onde também foi salvo nosso Senhor ao escapar à perseguição de Herodes; e como esta tradução foi feita antes do advento de nosso Senhor à terra e antes do aparecimento dos cristãos — pois nosso Senhor nasceu por volta do quadragésimo primeiro ano do império de Augusto, e Ptolomeu, no tempo do qual foram traduzidas as Escrituras, é muito mais antigo — revelam-se verdadeiramente impudentes e temerários os que agora pretendem fazer outra tradução, quando nós os refutamos com estas mesmas Escrituras e os obrigamos a crer na vinda do Filho de Deus.
É, portanto, sólida, não forçada, única verdadeira, a nossa fé que tem sua prova evidente nas Escrituras, traduzidas da forma que dissemos, e é isenta de toda interpolação a pregação da Igreja. Ora, os apóstolos, que são bastante anteriores a esta gente, estão de acordo com a tradução mencionada acima e a nossa versão concorda com a dos apóstolos. Pedro, João, Mateus, Paulo, todos os outros apóstolos e seus discípulos anunciaram as coisas profetizadas na forma em que estão contidas na tradução dos anciãos.
21,4. Único e idêntico é, pois, o Espírito de Deus que nos profetas anunciou as características da vinda do Senhor e que nos anciãos traduziu bem as coisas profetizadas. Foi ainda ele que, pelos apóstolos, anunciou ter chegado a plenitude dos tempos da adoção filial, que o Reino dos céus estava próximo e que se encontrava dentro dos homens que criam no Emanuel nascido da Virgem. Assim eles testemunharam que antes que José morasse com Maria, enquanto era virgem, achou-se grávida pelo Espírito Santo, e que o anjo Gabriel lhe disse: “O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra, por isso o Santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus” (Lc, 1,35); e que o anjo disse a José, em sonho: “Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor havia dito pelo profeta: Eis que a Virgem conceberá” (Mt 1,22-23).
Eis como os anciãos traduziram as palavras de Isaías: “O Senhor continuou a falar com Acaz, dizendo: Pede para ti ao Senhor teu Deus um sinal, quer no fundo da terra, quer no mais alto do céu”. Acaz disse: Não pedirei tal, nem tentarei ao Senhor. Isaías disse: Ouvi, pois, casa de Davi, porventura não vos basta ser molestos aos homens se não que também ousais sê-lo ao meu Deus? Pois, por isso o próprio Senhor vos dará este sinal: Uma Virgem conceberá e dará à luz um filho e o seu nome será Emanuel. Ele comerá manteiga e mel; antes de conhecer ou escolher o mal, escolherá o bem; porque antes que o menino saiba rejeitar o mal e escolher o bem ele rechaçará o mal para escolher o bem.” Com estas palavras o Espírito Santo indicou exatamente a sua geração virginal e a sua natureza divina: Deus — é isto que significa o nome de Emanuel — e homem — o que é indicado pela frase: “comerá manteiga e mel”, em chamá-lo de “menino”, e as palavras “antes de conhecer o bem e o mal” (Is 7,10-16): sinais todos que caracterizam o homem e a criança. — E com as palavras: “rechaçará o mal para escolher o bem” exprime algo próprio de Deus. Isso para que as palavras “comerá manteiga e mel” não nos levem a ver nele somente um homem, e ao contrário, o nome de “Emanuel” não nos leve a supor um Deus não revestido de carne.
21,5. Além disso, as palavras: “escutai, casa de Davi” significam que o Rei eterno que Deus prometeu suscitar a Davi do fruto de seu seio é aquele mesmo que nasceu da Virgem, descendente de Davi. Por isso prometeu um Rei que seria o fruto do seu seio, expressão que indica uma virgem grávida, e não o fruto de seus lombos, nem o fruto de sua virilidade, expressão que caracterizaria um homem que gera e uma mulher que concebe por obra deste homem. Assim, nesta promessa, a Escritura exclui o poder gerador do homem, mais ainda, sequer o lembra, porque não devia ser efeito da vontade do homem, aquele que estava para nascer. Porém afirma vigorosamente que era fruto do seio para sublinhar a concepção daquele que devia nascer de Virgem. E o que afirma Isabel, repleta de Espírito Santo, dizendo a Maria: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu seio” (Lc 1,42); querendo o Espírito Santo indicar, para quem quiser entender, que a promessa feita por Deus a Davi, de suscitar um Rei, fruto de seu seio, foi cumprida quando a Virgem, isto é, Maria, deu à luz. Aqueles que mudam o texto de Isaías “eis que uma moça conceberá em seu seio” para dizer que é filho de José, que mudem também o texto da promessa feita a Davi a quem Deus prometeu suscitar, do fruto de seu seio, um poder, isto é, o reino de Cristo. Mas não entenderam, do contrário teriam mudado também este.
21,6. Quanto à expressão de Isaías: “no fundo da terra ou no mais alto do céu”, ela significa que aquele que desceu é o mesmo que subiu; e com as palavras: “o próprio Senhor vos dará um sinal” sublinha o caráter inesperado de sua geração que nunca teria acontecido se o Senhor, o Deus de todas as coisas não a tivesse dado como sinal para a casa de Davi. O que haveria de especial e como poderia ser um sinal o fato de uma moça conceber de um homem e dar à luz? É coisa comum a todas as mulheres que se tornam mães. Mas como o inesperado era a salvação que se devia realizar para os homens, pelo socorro de Deus, inesperado também devia ser uma Virgem dar à luz um filho, como sinal de Deus e não por obra de homem.
21,7. Por isso, também Daniel, ao prever a sua vinda, falava de uma pedra que se desprendeu sem a intervenção de mão de homem e que veio a este mundo. Com efeito, é isto que significa “sem a intervenção de mão de homem”; a sua vinda ao mundo se deu sem o trabalho de mãos humanas, como o destes canteiros que lavram as pedras, isto é, sem a ação de José, visto que somente Maria haveria de cooperar à economia; esta pedra se desprende da terra, mas pelo poder e pela arte de Deus. Por isso Isaías diz: “Assim fala o Senhor: eis que porei como fundamento em Sião uma pedra preciosa, escolhida, angular, ilustre, para que entendamos que a sua vinda não se deve à vontade do homem, e sim à de Deus” (Is 28,16).
21,8. Por isso Moisés, com gesto simbólico e profético, lançou ao chão a verga, para que, encarnando-se, vencesse e engolisse toda a prevaricação dos egípcios que se levantava contra a economia de Deus e para que os próprios egípcios testemunhassem que é o dedo de Deus que opera a salvação do povo e não um filho de José. Porque se fosse filho de José como poderia ser superior a Salomão ou a Jonas ou a Davi, sendo da linhagem e filho deles? E por que teria chamado bem-aventurado a Pedro que o reconhecia como o Filho do Deus vivo?
21,9. Além do mais, se era filho de José, não poderia ser nem o rei, nem o herdeiro de quem fala Jeremias. De fato, José aparece como filho de Joaquim e de Jeconias, segundo aparece na genealogia apresentada por Mateus. Ora, Jeconias e todos os seus descendentes foram excluídos do reino, como diz Jeremias: “Pela minha vida, diz o Senhor, ainda que Jeconias, filho de Joaquim, fosse um anel na minha mão direita, eu o arrancaria dela e o entregaria na mão dos que procuram a sua vida”. E mais: Jeconias foi desonrado como um vaso de que não se necessita, porque foi expulsado para uma terra que não conhecia. Terra, escuta a palavra do Senhor: Inscreve este homem como um rejeitado, porque nenhum da sua descendência engrandecerá tanto que possa sentar-se sobre o trono de Davi e tornar-se príncipe em Judá. Deus diz ainda acerca de Joaquim, seu pai: “Portanto isto diz o Senhor contra Joaquim, rei de Judá: Não sairá dele quem se sente no trono de Davi; o seu cadáver será exposto ao ardor do dia e à geada da noite. Castigá-lo-ei a ele, à sua linhagem, e farei cair sobre eles, sobre os habitantes de Jerusalém e sobre a terra de Judá, todo o mal com que os tenho ameaçado” (Jr 22,24-25.28-30; 36,30-31).
Portanto, os que dizem ser gerado por José e põem nele a sua esperança, excluem-se a si mesmos do reino, caindo sob a maldição e o castigo que atingiram Jeconias e a sua descendência. Com efeito, estas coisas foram ditas a Jeconias porque o Espírito já sabia o que um dia teriam dito estes falsos doutores, para que entendessem que não teria nascido do seio dele, isto é, de José, mas, segundo a promessa de Deus, o Rei eterno teria nascido do seio de Davi e recapitulado em si todas as coisas. Cristo, segundo Adão, recapitula todas as gerações Ele recapitulou também em si a obra modelada no princípio.
21,10. Como pela desobediência de um só homem o pecado entrou no mundo e pelo pecado a morte, assim pela obediência de um só homem foi introduzida a justiça que traz como fruto a vida ao homem morto. E como a substância de Adão, o primeiro homem plasmado, foi tirada da terra simples e ainda virgem — “Deus ainda não havia feito chover e o homem ainda não a tinha trabalhado” (Gn 2,5) — e foi modelado pela mão de Deus, isto é, pelo Verbo de Deus — com efeito, “todas as coisas foram feitas por ele”, e o “Senhor tomou do lodo da terra e modelou o homem”(Gen 2,7) -, assim o Verbo que recapitula em si Adão, recebeu de Maria, ainda virgem, a geração da recapitulação de Adão. Se o primeiro Adão tivesse um homem por pai e tivesse nascido de sêmen viril teriam razão em dizer que também o segundo Adão foi gerado por José. Mas se o primeiro Adão foi tirado da terra e modelado pelo Verbo de Deus, era necessário que este mesmo Verbo, efetuando em si a recapitulação de Adão, tivesse geração semelhante à dele. E, então, por que Deus não tomou outra vez do limo da terra, mas quis que esta modelagem fosse feita por Maria? Para que não houvesse segunda obra modelada e para que não fosse obra modelada diferente da que era salvada, mas, conservando a semelhança, fosse aquela primeira a ser recapitulada.
22,1. Erram, portanto, os que sustentam que o Cristo nada recebeu da Virgem, para poder rejeitar a herança da carne; mas rejeitam assim, ao mesmo tempo, a semelhança. Com efeito, se aquele primeiro recebeu a sua modelagem e substância da terra pela mão e arte de Deus e este não, então não conservou a semelhança com o homem que foi feito à imagem e semelhança de Deus, e o Artífice pareceria inconstante e sem nada que demonstre a sua sabedoria. Isto quer dizer que ele apareceu como homem sem sê-lo realmente e que se fez homem sem tomar nada do homem! Mas se não recebeu de nenhum ser humano a substância da sua carne, ele não se fez nem homem, nem Filho do homem. E se não se fez o que nós éramos, não tinha importância nem valor o que ele sofreu e padeceu. Ora, não há quem não admita que nós somos feitos de um corpo tirado da terra e de um alma que recebe de Deus o Espírito. E é isso que se tornou o Verbo de Deus ao recapitular em si mesmo a obra por ele plasmada, e é este o motivo pelo qual se declara Filho do homem e declara bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra. Por seu lado, o apóstolo Paulo, na epístola aos Gálatas, disse abertamente: “Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher”; e na epístola aos romanos diz: ...acerca do seu Filho, que nasceu da posteridade de Davi, segundo a carne, declarado Filho de Deus, com poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dentre os mortos, Jesus Cristo Senhor nosso. (Gl 4,4;Rm 1,3-4)
22,2. De outra forma, a sua descida em Maria seria supérflua; pois para que desceria nela se não devia receber nada dela? Se não tivesse recebido nada de Maria então nunca teria tomado alimentos terrenos com os quais se alimenta um corpo tirado da terra; após o jejum de quarenta dias, como Moisés e Elias, seu corpo não teria experimentado a fome e não teria procurado alimento; João, seu discípulo, não teria escrito: “Jesus, cansado pela caminhada, estava sentado”; nem Davi teria dito dele: “E acrescentaram sofrimento à dor das minhas feridas”; não teria chorado sobre o túmulo de Lázaro; não suaria gotas de sangue, nem teria dito: “A minha alma está triste” (Jo 4,6; Sl 69,27; Mt 26,38; Jo 19,24); e de seu lado transpassado não teriam saído sangue e água. Tudo isso são sinais da carne tirada da terra, que recapitulou em si, salvando a obra de suas mãos.
22,3. Por isso Lucas apresenta uma genealogia de setenta e duas gerações, que vai do nascimento do Senhor até Adão, unindo o fim ao princípio, para fazer entender que o Senhor é aquele que recapitulou em si mesmo todas as nações dispersas desde Adão, todas as línguas e gerações dos homens, inclusive Adão. Por isso Paulo chama Adão de figura daquele que devia vir, porque o Verbo, Criador de todas as coisas, prefigurara nele a futura economia da humanidade de que se revestiria o Filho de Deus, pelo fato de que Deus, formando o homem psíquico, dera a entender que seria salvo pelo homem espiritual. Por isso, visto que já existia como salvador, devia tornar-se quem devia ser salvo, para não ser o Salvador de nada.
22,4. Da mesma forma, encontramos Maria, a Virgem obediente, que diz: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”, e, em contraste, Eva, que desobedeceu quando ainda era virgem. Como esta, ainda virgem se bem que casada — no paraíso estavam nus e não se envergonhavam, porque, criados há pouco tempo ainda não pensavam em gerar filhos, sendo necessário que, primeiro, se tornassem adultos antes de se multiplicar — pela sua desobediência se tornou para si e para todo o gênero humano causa da morte, assim Maria, tendo por esposo aquele que lhe fora predestinado e sendo virgem, pela sua obediência se tornou para si e para todo o gênero humano causa da salvação. E por isso que a Lei chama aquela que é noiva, se ainda virgem, de esposa daquele que a tomou por noiva, para indicar o influxo que se opera de Maria sobre Eva. Com efeito, o que está amarrado não pode ser desamarrado se não se desatam os nós em sentido contrário ao que foram dados, e os primeiros são desfeitos depois dos segundos e estes, por sua vez, permitem que se desfaçam os primeiros: acontece que o primeiro é desfeito pelo segundo e o segundo é desfeito em primeiro lugar.
Eis porque o Senhor dizia que os primeiros serão os últimos e os últimos os primeiros. E o profeta diz a mesma coisa: Em lugar dos pais nasceram filhos para ti. Com efeito, o Senhor, o primogênito dos mortos, reuniu no seu seio os patriarcas antigos e os regenerou para a vida de Deus, tornando-se ele próprio o primeiro dos viventes, ao passo que Adão fora o primeiro dos que morrem. Eis por que Lucas, iniciando a genealogia a partir do Senhor subiu até Adão, porque não foram aqueles antepassados que lhe deram a vida, e sim foi ele que os fez renascer no evangelho da vida. Da mesma forma, o nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria, e o que Eva tinha amarrado pela sua incredulidade Maria soltou pela sua fé.

Excerto do Adversus haereses, III Livro."Contra as Heresias" - Santo Ireneu, bispo de Lião (115 - 202). Seu nascimento está entre os anos 115 e 125, ou entre 130 e 142 segundo outros autores.
Tradução de Lourenço Costa.

Fonte: Coleção Patrística. Ireneu de Lião. I, II, III, IV, V Livros. Tradução de Lourenço Costa. São Paulo: Paulus, 1995.
EXTRAÍDO DO BLOG: http://patristicabrasil.blogspot.com.br


sábado, 20 de dezembro de 2014

DEUS FILHO É FILHO DE MARIA


§18. Como o novo Adão ao seu Paraíso Terrestre, assim desceu Deus Filho ao seio virginal de Maria para aí achar as suas delícias e operar, às escondidas, maravilhas de graça. O Deus feito homem encontrou a sua liberdade em se ver aprisionado no seio d'Ela; fez brilhar a sua força, deixando-se levar por essa jovem Virgem. Achou a sua glória, e a de seu Pai, escondendo os Seus esplendores a todas as criaturas da Terra, para só os revelar a Maria; glorificou a sua independência e majestade dependendo desta amável Virgem na sua concepção, nascimento, apresentação no templo, na sua vida oculta de trinta anos e, até, na sua morte. Maria devia assistir a essa morte, porque Jesus quis oferecer com Ela um mesmo sacrifício e ser imolado ao Eterno Pai com seu assentimento, como outrora Isaac também fora imolado à vontade de Deus pelo consentimento de Abraão. Foi Ela que o amamentou, nutriu, sustentou, criou e sacrificou por nós.
- Ó admirável e incompreensível dependência de um Deus! Nem o Espírito Santo a pôde ocultar no Evangelho para nos mostrar o seu valor e glória infinita, embora tenha escondido quase todas as maravilhas operadas pela Sabedoria Encarnada durante a sua vida oculta. Jesus Cristo deu mais glória a Deus Pai pela sua submissão a Maria durante trinta anos do que lhe teria dado se convertesse toda a Terra operando os maiores prodígios.
- Oh! Quão altamente glorificamos a Deus quando nos submetemos, para lhe agradar, à Virgem Santíssima, a exemplo de Jesus Cristo, nosso único modelo!
§19. Se examinarmos de perto o resto da vida de Jesus, veremos que Ele quis iniciar os Seus milagres por Maria. Santificou São João no seio de sua mãe, Santa Isabel, pela palavra de Maria. Logo que Ela falou, João ficou santificado; e este foi o primeiro milagre de Jesus na ordem da graça (Lc 1, 41-44). Nas bodas de Caná, Jesus mudou a água em vinho, atendendo ao humilde pedido de sua Mãe; e este foi o seu primeiro milagre na ordem natural (Jo 2, 1-11). Começou e continuou os Seus milagres por Maria; por Ela os continuará até o fim dos séculos.

 Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem Maria - São Luis Maria Grignion de Monfort.




sábado, 13 de dezembro de 2014

A EFICÁCIA DA AVE MARIA


- Poucos cristãos, embora esclarecidos, desconhecem o valor, o mérito, a excelência e a necessidade da oração da Ave Maria.
- Foi preciso que a Santíssima Virgem aparecesse repetidas vezes a grandes santos muito esclarecidos, como São Domingos, São João Capistrano, o bem aventurado Alano da Rocha (e no século presente, a tantos outros), para lhes mostrar o mérito desta oração.
- Compuseram grossos volumes sobre as maravilhas da sua eficácia na conversão das almas. Pregaram e publicaram que tendo a salvação do mundo começado pela Ave Maria (Lucas 1, 28); a salvação de cada alma está ligada a esta oração.
- Foi esta oração que fez dar a terra seca e estéril o fruto da vida-Jesus Cristo, e é esta mesma oração que, rezada com devoção, deve fazer germinar nas nossas almas a Palavra de Deus, e fazer brotar o fruto da vida, que é Jesus Cristo.
- Disseram ainda que a Ave Maria é um celeste orvalho que rega a terra, isto é, a alma, para lhe fazer produzir fruto ao seu tempo. E a alma que não for regada por esta oração ou orvalho celeste não dará fruto, mas apenas sarças e espinhos, não estando longe de ser amaldiçoada.
- Eis o que a Santíssima Virgem revelou ao Bem-aventurado Alano da Rocha, conforme é referido no seu livro “De dignitate Rosarii”, e depois citado por Cartagena: “Fica sabendo, meu filho, e fá-lo saber a todos, que um sinal provável e próximo de condenação eterna é ter aversão, tibieza e negligência em rezar a Saudação Angélica, que salvou todo o mundo”
- Palavras tão consoladoras quão terríveis, que dificilmente se acreditariam se não tivéssemos esse santo por garantia e, antes dele, São Domingos, e depois muitos outros grandes personagens, com a experiência de muitos séculos.
- Efetivamente, sempre se verificou que os que trazem o sinal da condenação, como todos os hereges, os ímpios, os orgulhosos e os mundanos odeiam e desprezam a Ave Maria e o Terço.
- Os hereges ainda aprendem e rezam o Pai-Nosso, mas não a Ave Maria, nem o Terço. Têm-lhes horror; prefeririam trazer consigo uma serpente a um Terço. Os orgulhosos, embora católicos, como têm as mesmas inclinações que seu pai lúcifer, também despreza ou votam indiferença a Ave Maria, considerando o Terço como uma devoção para efeminados, própria para ignorantes e analfabetos.
- Pelo contrário, a experiência tem mostrado que aqueles e aquelas que apresentam grandes sinais de predestinação amam, saboreiam e rezam com prazer a Ave Maria, e que quanto mais são de Deus, tanto mais gostam desta oração. Foi o que disse a Santíssima Virgem ao bem-aventurado Alano.
- Não sei como isto se faz nem por que, mas não deixa de ser uma realidade: não tenho melhor segredo para conhecer se uma pessoa é de Deus, do que ver se ela gosta de rezar a Ave Maria e o Terço. E digo gosta, porque pode acontecer que uma pessoa esteja na impossibilidade natural ou mesmo sobrenatural de a rezar, mas sempre gosta e a inspira aos outros.
- Almas predestinadas, escravas de Jesus em Maria, ficai sabendo que a Ave Maria é a mais bela de todas as orações, depois do Pai Nosso: é a saudação mais perfeita que podemos dirigir a Maria, porque é a que o Altíssimo lhe transmitiu por um Arcanjo, a fim de lhe ganhar o Coração.
- E foi tão poderosa, pelos encantos secretos de que está cheia, que Maria consentiu na Encarnação do Verbo, apesar da sua profunda humildade. Será também por meio desta saudação que lhe ganharemos infalivelmente o Coração, se a dissermos como convém.
- A Ave Maria bem rezada, isto é, rezada com atenção, devoção e modéstia, segundo os santos:
·         é a adversária que põe o demônio em fuga e o martelo que o esmaga; é a santificação da alma, a alegria dos anjos, a melodia dos predestinados, o cântico do Novo Testamento, o gozo de Maria e a glória da Santíssima Trindade.
- A Ave Maria:
·         é um orvalho do Céu, que torna a alma fecunda; é um beijo puro e amoroso que se dá a Maria.
·         é uma rosa vermelha que se lhe apresenta, uma pérola preciosa que se lhe oferece, é um pouco de ambrosia e de néctar divino que se lhe dá.
Todas estas comparações são dos santos.
 (Consulte também: CIC-Catecismo da Igreja Católica §2673-2679).

O Magnificat  Lucas 1,46-55
- Para agradecer a Deus as graças que concedeu a Santíssima Virgem, as almas escolhidas dirão muitas vezes o Magnificat, a exemplo da Bem aventurada Maria de Doignies e de vários outros santos.
- É a única oração e a única composição da Santíssima Virgem, ou, antes, que Jesus compôs n’Ela, pois Ele falava pela sua boca.
- Este é o maior sacrifício de louvor que Deus recebeu na Lei da Graça. Por um lado, é o mais humilde e reconhecido, por outro, o mais sublime e elevado de todos os cânticos. Há nele mistérios tão grandes e escondidos que os anjos os ignoram.
- Gerson, doutor muito piedoso e sábio, gastou uma parte da vida a compor tratados, plenos de erudição e piedade, sobre os mais difíceis temas. Mas foi só depois, no fim da vida, que empreendeu, a tremer, a explicação do Magnificat, para assim coroar as suas obras. Diz-nos que sobre ele compôs, coisas admiráveis do belo e divino cântico. Entre outras coisas, ele diz que a própria Santíssima Virgem o recitava muitas vezes, particularmente depois da Sagrada Comunhão, em ação de graças.
- O erudito Benzônio, explicando também o Magnificat, conta muitos milagres operados pela sua virtude. 
Diz que os demônios tremem e se põem em fuga quando ouvem as palavras:
Leitor 1: A minha alma engrandece o Senhor,
Todos:   e meu espírito exulta em Deus meu Salvador, porque olhou para a humilhação de sua serva.
L 2: Sim! Doravante as gerações todas me chamarão de bem-aventurada,
Todos:  O Poderoso fez em mim maravilhas, e Santo é o Seu nome!
Leitor 3:  E Sua misericórdia perdura de geração em geração,
Todos:  para aqueles que o temem.
Leitor 4:  Agiu com a força de seu braço.
Todos:  dispersou os homens de coração orgulhoso.
Leitor 5:  Depôs poderosos de seus tronos,
Todos:  e a humildes exaltou.
Leitor 6:  Cumulou de bens os famintos
Todos:  e despediu ricos de mãos vazias.
Leitor 7:  Socorreu Israel, seu servo,
Todos:  fiel ao seu amor.
Leitor 8:  conforme prometera a nossos pais
Todos:  em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre.

(Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem São Luiz Maria Grignion de Monfort §249s).



segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

IMACULADA CONCEIÇÃO DE MARIA


Santo do dia 08 de Dezembro - Imaculada Conceição de Maria
O dogma da Imaculada Conceição de Maria é um dos dogmas mais queridos ao coração do povo cristão. Os dogmas da Igreja são as verdades que não mudam nunca, que fortalecem a fé que carregamos dentro de nós e que não renunciamos nunca.
A convicção da pureza completa da Mãe de Deus, Maria, ou seja, esse dogma, foi definida em 1854, pelo papa Pio IX, através da bula "Ineffabilis Deus", mas antes disso a devoção popular à Imaculada Conceição de Maria já era extensa. A festa já existia no Oriente e na Itália meridional, então dominada pelos bizantinos, desde o século VII.
A festa não existia, oficialmente, no calendário da Igreja. Os estudos e discussões teológicas avançaram através dos tempos sem um consenso positivo. Quem resolveu a questão foi um frade franciscano escocês e grande doutor em teologia chamado bem-aventurado João Duns Scoto, que morreu em 1308. Na linha de pensamento de são Francisco de Assis, ele defendeu a Conceição Imaculada de Maria como início do projeto central de Deus: o nascimento do seu Filho feito homem para a redenção da humanidade.
Transcorrido mais um longo tempo, a festa acabou sendo incluída no calendário romano em 1476. Em 1570, foi confirmada e formalizada pelo papa Pio V, na publicação do novo ofício, e, finalmente, no século XVIII, o papa Clemente XI tornou-a obrigatória a toda a cristandade.
Quatro anos mais tarde, as aparições de Lourdes foram às prodigiosas confirmações dessa verdade, do dogma. De fato, Maria proclamou-se, explicitamente, com a prova de incontáveis milagres: "Eu sou a Imaculada Conceição".
Deus quis preparar ao seu Filho uma digna habitação. No seu projeto de redenção da humanidade, manteve a Mãe de Deus, cheia de graça, ainda no ventre materno. Assim, toda a obra veio da gratuidade de Deus misericordioso. Foi Deus que concedeu a ela o mérito de participar do seu projeto. Permitiu que nascesse de pais pecadores, mas, por preservação divina, permanecesse incontaminada.
Maria, então, foi concebida sem a mancha do orgulho e do desamor, que é o pecado original. Em vista disso, a Imaculada Conceição foi a primeira a receber a plenitude da bênção de Deus, por mérito do seu Filho, e que se manifestou na morte e na Ressurreição de Cristo, para redenção da humanidade que crê e segue seus ensinamentos.

Hoje, não comemoramos a memória de um santo, mas a solenidade mais elevada, maior e mais preciosa da Igreja: a Imaculada Conceição da Santíssima Virgem Maria, a rainha de todos os santos, a Mãe de Deus.

                     Por Dom Julio Endi Akamine - bispo da região Lapa, São Paulo.


sábado, 6 de dezembro de 2014

CONFIAR EM NOSSA SENHORA


As aparições de Nossa Senhora em Fátima no ano 1917, como todas as outras aparições d’Ela ao longo dos séculos, são uma manifestação de sua solicitude materna por nós. São um sinal da proximidade da Bem-Aventurada Virgem Maria em nossos problemas, nossas dificuldades, nossas angústias, e também uma expressão de seu desejo de vir ajudar-nos.
A mensagem de Fátima pode ser resumida em três convites: convite à oração; convite à conversão, à mudança de vida, a sair da lama, tomar a estrada certa e caminhar por ela; convite também à penitência, em reparação dos pecados.

Fátima e o século XX
O Papa João Paulo II sempre viu a mensagem de Fátima no centro dos dramas e tragédias que caracterizaram o século passado. Um século marcado por duas ideologias que produziram tanto mal, tanta dor, tanto sofrimento: o nazismo, durante 12 anos, e o marxismo soviético, o comunismo soviético, prolongado por 70 anos.
Além disso, houve duas guerras mundiais, com tanta destruição e tanta dor. Em Fátima, Nossa Senhora referiu-se à Primeira Guerra Mundial, dizendo que logo terminaria, mas fez menção também a outra que não tardaria a vir: a Segunda Guerra Mundial.
E agora, depois de tornar-se pública a terceira parte do Segredo de Fátima, sabemos que a luta contra Deus, a luta do mal contra o bem, chegou até a projetar e tentar executar o assassinato do próprio Santo Padre. É, pois, uma mensagem – esta, de Fátima – que nos toca de perto.

Próxima de Deus e próxima de nós
De um lado, essa mensagem nos faz compreender a proximidade da Virgem Maria em relação aos nossos problemas. Uma proximidade materna, pois Ela nos foi dada como Mãe. No alto do Calvário, entre as atrozes, terríveis dores da Crucifixão – a mais bárbara maneira de executar uma pessoa -, quis Jesus oferecer-nos o imenso dom da Eucaristia, efetivado na tarde anterior, e dar-nos a Santíssima Virgem como Mãe.
Se considerarmos aquela bela página do Evangelho, vemos que Jesus estava preocupado em não deixar sem proteção a Virgem Maria, após sua morte. Seu primeiro pensamento, porém, voltou-se para nós, porque antes de confiá-La ao Apóstolo João, para haver quem A assistisse no tempo de vida que ainda Lhe restava, confiou João a Ela. De fato, disse-Lhe: “Eis o teu filho” (Jo 19, 26). Entregou João, ali presente no Calvário, à sua Mãe, e depois A entregou a João.
Assim, Nossa Senhora é Mãe e, ao mesmo tempo, ocupa um posto importantíssimo, pois é a criatura mais próxima de Deus. Abaixo de Cristo, Ela ocupa no Céu o mais alto posto. E está simultaneamente próxima de nós, em nossos problemas, em nossas dificuldades. Das nossas aflições, nada Lhe passa despercebido.
Enquanto estava na Terra, Ela podia estar próxima apenas de algumas pessoas. Encontrando-Se agora no Céu, pode estar próxima de todos igualmente. Portanto, estando próxima de nós e próxima de Deus, tem esse grande poder de interceder em nosso favor.

Recorramos sempre a Maria
Grande poder é o seu! Dante, o maior poeta italiano, usa uma expressão muito incisiva quando, dirigindo-se à Virgem Maria, diz: “Senhora, tão grande e poderosa sois, que almejar graça sem recorrer a Vós equivale a querer voar sem asas”.  De fato, necessitar de graças, carecer de proteção e não recorrer a Nossa Senhora é como querer voar sem asas. E estamos aqui nesta tarde pedindo a proteção de nossa Mãe celestial. Aqui procuramos n’Ela refúgio, na conclusão da Missão Mariana há pouco vivenciada.
Recorramos a Ela com grande confiança. Confiança em sua capacidade de nos compreender. No final desta Missão Mariana, também a nós Nossa Senhora repete as palavras ditas aos criados nas Bodas de Caná, ou seja, as últimas palavras pronunciadas por Ela, registradas no Evangelho. Depois disso, a Bem-Aventurada Virgem ainda aparece nos relatos evangélicos, mas está silenciosa. Encontramo-La aos pés da Cruz e com os Apóstolos no Cenáculo, mas sempre em silêncio. Portanto, suas últimas palavras são: “Fazei tudo o que Ele, Jesus, vos disser” (cf. Jo 2, 5). É este o grande convite que Nossa Senhora dirige também a cada um de nós, no encerramento desta Missão: “Fazei o que Jesus vos disser”. Daí o convite a procurar a vontade de Deus e o desejo de que na vontade de Deus cada um de nós possa encontrar também sua paz, sua alegria, sua felicidade. ²

FONTE: Homilia na Missa de encerramento da Missão Mariana na Paróquia de San Giuseppe al Trionfale, – Cardeal Giovanni Battista Re (Prefeito Emérito da Congregação para os Bispos), Roma, 13/5/2014