Celebração litúrgica: 15 de agosto.
1. “ Celebramos hoje a Assunção de Nossa Senhora, solenidade também
conhecida como Nossa Senhora da Glória. Em Maria, aconteceu o grande sonho de
Deus para todos nós: a realização plena do Mistério Pascal. A Assunção é a
festa mais antiga em honra da Virgem, que nos recorda que, ao final de sua
vida, ela foi elevada em corpo e alma à glória do céu.
Podemos falar de uma glória terrena de Maria.
Afinal, que outra criatura humana foi mais amada e invocada, mais retratada
pelos artistas de todos os tempos e inspirou mais poetas e músicos ao longo da
história? Tudo isso vem comprovar aquilo que o Espírito Santo já havia dito
pelos seus lábios: “Todas as gerações me chamarão bem-aventurada.”
Essa glória humana,no entanto, não tem
comparação com a verdadeira glória de Maria, que é aquela que toda a Igreja,
toda criatura humana, é chamada a ser: o louvor da glória de Deus. Maria é,
pois o ícone escatológico da Igreja, ou seja, nela se antecipa aquilo que será
a futura realização de todos nós. Em Maria realiza-se plenamente a expressão
lapidar de Santo Irineu: “A glória de Deus é o homem vivo.”
A liturgia deste dia começa com a visão da
Arca da Aliança no alto dos céus, aponta Maria como a nova Arca da Aliança. Nós
a encontramos a caminho, no deserto. Na pessoa de uma mãe que carrega em seu
seio o Verbo Eterno feito Homem, o humano se faz portador do divino, o corpo se
faz sacrário da divindade, e à sua voz o austero João Batista já dança de
felicidade no ventre de Isabel, sentindo a presença no mistério escondido no
seio da Virgem. Com sua assunção, não somente João Batista exulta – palavra
latina que, em sua origem significa dar pulos de alegria -, mas também os coros
dos anjos exultam como cantamos na antífona da entrada de hoje. Juntamente com
eles, neste dia, contemplamos a glória da Mãe, a humanidade exulta celebrando a
certeza do céu”.
Referência: folheto da
missa – Ano A – nº 49 – 21 de agosto de 2011.
A Palavra É... Assunção
A Assunção de Nossa Senhora aos Céus é a
grande solenidade litúrgica do mês de agosto. É celebrada no dia 15, mas no
Brasil é celebrada no domingo seguinte. A solenidade da Assunção celebra a
elevação de Maria em corpo e alma à eternidade para junto de Deus de forma
definitiva.
A palavra assunção tem a mesma raiz que a
palavra assumir e, portanto, um
significado semelhante. Assunção deriva do latim assumptionis, que significa “ação de tomar, de receber, de assumir
algo, apropriar-se”.
Não devemos confundir assunção com ascensão.
São palavras com significados diferentes. Na assunção Maria foi sujeito
passivo. A assunção é um ato de Deus. Deus elevou Maria ate o céu em corpo e
alma. Na ascensão, Jesus foi ativo. À vista dos discípulos, se elevou ate o
Pai. Maria foi elevada. Deus a tomou para junto de si.
A assunção de Maria é um dos quatro dogmas
marianos. Este dogma foi proclamado pelo Papa Pio XII, no dia 1º de novembro de
1950, na constituição Munificentissimus
Deus (Generosíssimo Deus): “Declaramos e definimos ser dogma divinamente
revelado que Maria Imaculada, mãe de Deus, sempre Virgem Maria, no fim do curso
de sua vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à gloria do céu”.
A declaração do dogma da Assunção está
diretamente ligada a outro dogma: a Imaculada Conceição, promulgada por Pio IX,
em 8 de dezembro de 1854. Nesse dogma, a Igreja afirma a santidade original de
Maria. A Mãe de Jesus foi concebida em graça, e sem pecado original.
Essa relação entre os dois dogmas é
confirmada pelo Catecismo da Igreja Católica: “Finalmente, a Imaculada Virgem,
preservada imune de toda mancha da culpa original, terminado o curso da vida
terrestre, foi assunta em corpo e alma a gloria celeste. E para que mais
plenamente estivesse conforme a seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do
pecado e da morte, foi exaltada pelo Senhor como rainha do universo. A assunção
da Virgem Maria é uma participação singular na Ressurreição de seu Filho e uma antecipação da ressurreição dos outros
cristãos” (nº 966).
Maria, diferente de nós, não precisou
esperar o fim dos tempos para receber um corpo glorificado. O que para nós é
uma meta a ser atingida, para a Virgem Maria já é uma realidade. Ela já está
junto de Deus com seu corpo transformado, cheio de graça e luz. Deus a assumiu,
a tomou para si. Transformou seu corpo, suas ações e sua história. Do céu,
junto com seu Filho, intercede por cada um de nós.
Referencia:
Revista mensal Ave Maria – Agosto de 2008 – p.44 – pelo Pe. Maciel M. Claro,
cmf.
2. A proclamação do dogma
A assunção corporal da Bem-aventurada Virgem
Maria foi definida como dogma de fé por Pio XII, em 1950. A definição afirma:
Pela autoridade de Nosso
Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo e pela nossa, proclamamos
e definimos ser um dogma revelado por Deus que, quando a etapa de sua vida
terrena terminou, a Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, foi elevada
de corpo e alma à glória do céu.1
Essa proclamação nada diz sobre
a morte de Maria, nem como ela morreu, mas cautelosamente fala sobre “quando a
etapa de sua vida terrena terminou”. Pio XII fala de sua assunção (analepsis),
não de sua dormição (koimesis):
Era apropriado que o santíssimo corpo de
Maria, o corpo que trouxe Deus, o receptáculo de Deus, que era divinizado,
incorruptível, iluminado pela graça divina e cheio de glória... Fosse confiado a
terra por pouco tempo e fosse elevado na glória para o céu, com sua alma
suplicando a Deus.2
A vida dela na terra terminou e
sua dedicação a Jesus e ligação com ele, que começaram na encarnação, iniciaram
a ultima etapa perfeita. Proclamar a assunção de Maria como dogma de fé é
afirmar que ela agora participa da plenitude da ressurreição que Deus prometeu
a todos os povos, quando ressuscitou Jesus dos mortos. Assim, a assunção de
Maria depende totalmente da ressurreição de Cristo. Ela agora vive além da
morte, além do julgamento, e a mesma gloria que agora ela goza é a que nós,
pela misericórdia divina, esperamos finalmente gozar.
Ao aludir às guerras sangrentas
do século XX e ao aumento do materialismo, o decreto papal deplora como a
destruição da vida e a profanação do corpo humano ameaça o sentido de nossa
identidade dada por Deus. Ao oferecer Maria como nosso modelo, “o destino sublime de nossa alma e nosso
corpo pode dessa maneira notável atrair a atenção de todos”. 3
O Concílio Vaticano II enfatizou
a unidade da glória corporal e espiritual de Maria no céu. A assunção “de corpo
e alma” afirma que a pessoa toda será salva. A fé cristã afirma que, na
ressurreição dos mortos, toda pessoa recebe um corpo transformado (não o
cadáver que é deixado para trás) e é levada inteira à vida eterna, pois a alma
não pode ser separada do corpo. Embora Maria fosse sem pecado, não ficou isenta
da transformação final na morte. Em nossa busca da imortalidade, consideramos a
morte um obstáculo a ser superado. Todavia a morte não é castigo; faz parte da
vida humana que Deus deseja para a humanidade. O relacionamento entre a Igreja
e a Virgem, assumida no céu, é enfatizado na Lumen Gentium:
Nesse ínterim, a Mãe de Jesus, tal como está
nos céus já glorificada de corpo e alma, é a imagem e o começo da Igreja como
deverá ser consumada no tempo futuro. Assim também brilha aqui na terra como
sinal de esperança segura e de conforto para o povo de Deus em peregrinação,
até que chegue o dia do Senhor.4
O Concílio Vaticano II
exorta-nos a suplicar a Maria que interceda junto a Cristo, como fez nas
primícias da Igreja, “até que a
concórdia, no único povo de Deus, para a gloria da Santíssima e Indivisa
Trindade”.5 Em sua assunção, Maria é sinal da futura realização
da Igreja como conforto para nós peregrinos.
Quando a assunção foi declarada
dogma de fé, em 1950, muita gente receou que isso pudesse ser outro grande
empecilho à unidade cristã. Por ironia, foi o psiquiatra protestante Carl Jung
que explicou ser esse o acontecimento religioso mais importante em quatrocentos
anos. Jung sentiu que uma visão universal materialista, combinada com o
progresso ciência e da tecnologia, punha em perigo a herança espiritual da
humanidade. A Igreja, disse ele, precisava de um símbolo feminino. Ele percebeu
que a recente consciência da dignidade das mulheres precisava ser
conscientemente reconhecida e receber expressão simbólica. Chegou a chamar
Maria a “quarta pessoa” da Trindade. Aqui Jung não faz uma declaração
teológica, nem incorpora Maria à divindade. Preocupa-se com o fato de que, ao
elevar o feminino (muitas vezes projetado como símbolo do mal) no nível do
divino, a Igreja estivesse fazendo poderosa declaração simbólica. Ver a mulher
Maria coroada e gloriosa no céu era ver o feminino em uma nova luz.
No corpo de Maria glorificada, a criação
material começa a participar do corpo ressuscitado de Cristo. 6A assunção de Maria não só antecipa o corpo ressuscitado de todos os
cristãos, mas o estado redimido do cosmos que no presente está sujeito à
decomposição:
O estado do mundo material
redimido por completo também precisa resplandecer em Maria como arquétipo da
Igreja... o estado redimido do cosmo físico no fim dos tempos resplandece no
corpo dela.7
Em um século que teve guerras terríveis, destruição maciça da vida
humana e de centros de civilização, a exploração de nossa ecologia e a ameaça
constante de guerra nuclear, a Igreja católica afirma que em uma mulher, Maria,
Mãe de Deus, o sentido último de toda a realidade já está realizado.
Sentimo-nos impotentes em meio à pobreza, à fome e à opressão que trazem a
morte prematura a milhões de mulheres, homens e crianças. Entretanto, somos
incentivados por desenvolvimentos como redes de solidariedade, e cuidados com
nosso planeta Terra. São sinais de esperança em meio à injustiça e à opressão.
A Imaculada Conceição e a assunção apontam para a realização final do Reino de
Deus e nos incentivam a trabalhar pela transformação do presente enquanto
aguardamos a plenitude do tempo, para reunir “todas as coisas, as que estão nos
céus e as que estão na terra” (Ef 1, 10).
3. O que diz o dogma da Assunção
Nós cremos que a vida que Deus
nos deu e nós cultivamos não termina com a morte. Jesus, o ressuscitado, nos
garante que Deus oferecerá algo melhor: uma vida glorificada, em comunhão com a
Trindade e com os nossos irmãos e irmãs.
Deus dá a todos a possibilidade de ressuscitar, de entrar na “vida
eterna”. Como vai ser essa vida, a gente não sabe. Só sabemos que vai ser boa,
muito melhor do que a atual.
Os cristãos, no decorrer dos
séculos, começaram a pensar como seriam essas últimas realidades depois da
morte. Então, com a ajuda da Bíblia, da Filosofia e da Teologia, imaginaram
assim: depois da morte, o corpo se separa da alma, temporariamente. A alma, que
é a dimensão mais importante da pessoa, onde está sua identidade, vai para o
encontro com Deus no “juízo particular”. Ali, ela vai apresentar tudo de bom (e
de ruim) que realizou nessa vida. Se a pessoa está bem com Deus e com os
outros, se seu coração está em “estado de graça”, então a alma gozará das
alegrias eternas no céu.
No fim dos tempos, Jesus vai
voltar com gloria e poder. Será a parusia. Haverá também a ressurreição final
dos mortos. Ou seja, cada um vai receber um corpo transformado, de acordo com a
sua situação depois da morte. A alma volta a se unir ao corpo. Não esse corpo
de carne e osso, que morre estraga, mas um corpo glorificado.
Dento desse pensamento é que
foi proclamado o dogma da Assunção. Maria, diferente de nós, não precisou
esperar o fim dos tempos para receber um corpo glorificado. Depois de sua vida
terrena, ela já está junto de Deus com o corpo transformado, cheio de graça e
de luz.
Hoje há outras maneiras de
compreender a ressurreição dos mortos. O importante é a gente crer que Maria já
esta glorificada junto de Deus, toda inteira. Ela antecipa o que está prometido
para cada um de nós: participar do banquete da vida, trazendo consigo o amor e
seus frutos.
Não podemos entender ao pé da
letra a assunção, como se Maria subisse ao céu com o corpo que ela possuía aqui
na terra, com ossos, pele, carne, sangue. O corpo de Jesus ressuscitado e o de
Maria assunta não são como o de Lázaro (Jo 11, 43-44) ou do filho da viúva de
Naim (Lc 7, 13-15). Essas pessoas, mais cedo ou mais tarde, voltaram a morrer,
e seus corpos provavelmente se estragaram. O corpo de Maria, ao contrario, foi
transformado e assumido por Deus.
A assunção de Maria deve ser
compreendida em relação à ressurreição de Jesus. São Paulo nos diz que Jesus é
o primeiro ressuscitado (Cl 1, 18; Rm 15, 20-22); e que nós os seguiremos. Os
relatos dos evangelhos que falam sobre a ressurreição mostram que o Cristo
ressuscitado é o mesmo Jesus, pois os discípulos podem comer com ele e tocar em
seu corpo (Jo 2º, 27). Mas o corpo do ressuscitado é completamente diferente do
nosso. As pessoas só podem reconhecer Jesus se têm fé nele (Jo 20, 14-16). Até
seus discípulos não o identificam à primeira vista (Lc 24, 13-16). Jesus não é
nenhum fantasma, mas entra na casa dos discípulos, estando às portas trancadas
(Jo 20, 19). ComoJesus pode continuar o mesmo e ser tão diferente? Aí está uma
das novidades da ressurreição. É uma forma de vida completamente nova, muito
além do que podemos imaginar.
Cremos que Maria está junto de
Jesus, glorificada por inteiro. Deus assumiu e transformou toda sua historia,
suas ações e seu corpo. E como ela está na gloria de Deus e dos santos,
continua perto de nós, acompanhando-nos como mãe amorosa e companheira de fé.
4. As lições do dogma para nós
O dogma da assunção estimula a
nossa fé, especialmente nos momentos de crise. Sabemos que Deus assumiu e
transformou tudo de bom que Maria construiu aqui na terra, até o seu corpo.
Olhando para Maria, ressuscitada e glorificada, que seguiu os passos de seu
Filho Jesus, a gente se anima a lutar pelo bem, pela verdade e pela justiça.
Mesmo que a incompreensão e o fracasso aparentemente sejam mais fortes, cremos
na força de Deus, no poder de Cristo ressuscitado. Ele inaugura para nós o
“Novo Céu e a Nova Terra”, onde Maria já está com os santos. Lá, Jesus ficará
bem pertinho de nós. Vai enxugar as lágrimas dos nossos olhos. Não haverá nem
morte, nem sofrimento. O Senhor fará nova todas às coisas e nos dará,
gratuitamente, a fonte da água da vida (Ap 21, 1-7).
A assunção de Maria foi o
resultado do seu peregrinar nesse mundo. Cada vez que ela ia dando novos passos
para seguir a Jesus, para buscar a vontade de Deus, o Senhor ia assumindo e
transformando sua pessoa. Ate que chegou o momento final. Acontece algo
parecido conosco. Na vida de fé, cada passo que nós damos corresponde, da parte
de Deus, a nos acolher, tomar pela mão, assumir e transformar.
Conclusão
Cada dogma nos diz que Maria é uma pessoa humana como nós, mas muito
especial. Mostra os segredos de sua pessoa, que a gente não percebe com um
olhar superficial. Maria é como a terra virgem, cheia de viço, cheirosa, aberta
para ser fecundada por Deus. Ao acolher o imenso dom de Deus, ela se torna a
Mãe do Filho de Deus encarnado. E nos ensina a desenvolver os traços do amor de
Mãe. Ela correspondeu sempre, com liberdade e generosidade. Maria é a mulher de
Nazaré, mãe e educadora do Messias. Ela se torna a perfeita discípula de Jesus,
que ouve a Palavra, medita e a põe em pratica. Age também como mãe da
comunidade. Deus assume de tal maneira sua pessoa e sua missão, que Maria hoje
está glorificada junto de seu Filho e dos santos, pela assunção. Toda de Deus e
muito humana: eis o segredo dos dogmas sobre Maria. Um segredo que nos ajuda a
ser mais autênticos seguidores de Jesus com ela.
1 Pio XII. Muntificentissimus Deus. In Acta
Apostolicae Sedis. 1950, 42: 757. Veja a
tradução inglesa em The Catholic Mind 1951, pp. 65-78. Doravante citado como
MD.
2 MD. 754.
3 MD. 758.
4 Lumen Gentium. 68.
5Lumen Gentium. 68.
6 Lumen Gentium. 69.
7 Citadoem RUETHER,
Rosemary Radford.Sexism and God-Talk.Boston, Beacon Press. 1983. p.151.
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