Após descobrir o Brasil, Pedro Ávares Cabral seguiu viagem para a Índia pela rota aberta por Vasco da Gama, dois anos antes.
Aportou em Cochim, em 26 de novembro de 1500. Imediatamente os quatro frades franciscanos que ele trouxera consigo iniciaram a evangelização dos nativos. Pois, para os portugueses do Século de Ouro das descobertas, descobrir ou conquistar importava em evangelizar.
Quando, três anos mais tarde, o Rajá de Cochim foi aprisionado pelo Samorim de Calicute, uma frota portuguesa sob o comando do legendário Afonso de Albuquerque desbaratou os exércitos daquele potentado e dos Marikars, libertando o monarca. Este, profundamente grato, concedeu ao grande almirante permissão para erigir uma fortaleza com capela em Cochim.
E, mais tarde, autorizou o primeiro Vice-Rei das Índias a edificar uma igreja utilizando pedra e cal, então privilégio dos templos hindus. Com o tempo, o Rajá de Cochim tornou-se o mais fiel apoio dos lusos no Oriente. Suas liberalidades facilitaram e deram novo impulso à evangelização.
Graça concedida ao Ministro pagão
No encantador estuário em que está Cochim, há várias ilhas. Uma delas é a de Vallapardam, a 3 km da terra firme, a oeste de Ernakulam.
Por volta de 1524 os missionários portugueses nela construíram uma igreja para abrigar um quadro de Nossa Senhora, doado por Vasco da Gama em sua última viagem ao país, onde faleceu pouco depois. Essa igreja foi dedicada ao Divino Espírito Santo.
No ano de 1676, a ilha foi praticamente submersa pelas águas. Como que guiado por mão invisível, o quadro de Nossa Senhora desprendeu-se do interior do santuário inundado, sendo levado para fora do templo pelas águas em fúria. Flutuando à mercê das ondas, quando alguém tentava agarrá-lo, afastava-se misteriosamente.
Por insondável desígnio da Virgem, não foi um católico, mas um hindu, que conseguiu resgatar das águas o precioso ícone. O Primeiro Ministro do Rajá de Cochim, Paliyath Raman Valiyachan, percorria de barco a área inundada quando o viu brilhando nas águas. "É o quadro de Nossa Senhora, da igreja, que ninguém consegue pegar", informou-lhe um de seus remadores, cristão. Intrigado Paliyath mandou aproximar seu barco, e o quadro desta vez permaneceu imóvel até ser retirado das águas pelo ministro.
Poder-se-ia supor que o hindu se convertesse com isso. Tal não ocorreu. Doou, entretanto o terreno para que outra igreja fosse construída em substituição à arruinada pela enchente, oferecendo-se também a fornecer, enquanto vivesse, o azeite para iluminar a lamparina do Santíssimo do novo templo. Esse propósito continua a ser cumprido até nossos dias por seus descendentes.
Três dias mãe e filho sobrevivem milagrosamente sob as águas
Quase um século mais tarde, em maio de 1752, ocorreria o estupendo milagre que tornaria a igreja de Vallapardam um centro de peregrinação.
Vivia naquela ilha uma jovem esposa da casta dos Nair (dos guerreiros), de nome Meenakshiyamma, oriunda de nobre família local. Um dia ela cruzava o estreito entre Vallapardam e Mattanchery quando o barco em que estava começou a soçobrar. Imediatamente lembrou-se da Senhora representada no quadro resgatado das águas e prometeu que, se a Virgem Santíssima também delas a resgatasse com o filhinho que tinha ao colo, eles far-se-iam seus Adimas(escravos ou servos) até a morte. O bote foi ao fundo levando consigo mãe e filho.
Três dias depois o vigário da ilha, o português Pe. Miguel Corrêa (*), viu em sonhos Nossa Senhora que lhe ordenou que fosse "resgatar das águas minha serva", indicando-lhe o exato lugar em que se encontrava.
De manhãzinha o Pe. Miguel foi ao rio com alguns pescadores dizendo-lhes para lançar as redes no local apontado pela Virgem. Qual não foi a surpresa geral ao verem nelas mãe e filho, são e salvos!
Meenakshiyamma, sim, converteu-se. Ela e seu filho foram batizados, recebendo ele o nome de Jesudas (Jesus) e ela o de Mariamma (Maria). Cumprindo seu voto, mudaram-se para junto da igreja. Como servos da Senhora, até o fim de sua vida narravam a atônitos peregrinos a grande mercê recebida.
A fama do milagre alastrou-se rapidamente atraindo gente de toda parte, católicos ou não, o que levou o Papa Leão XIII a elevar, em 1888, o altar-mor da igreja, onde se encontra o milagroso quadro, a "Altare Privilegiatum in Perpetuum Concessum".
Pescadores de toda área litorânea de Kerala levam seus barcos para serem bentos em Vallarpadam. Os peregrinos habitualmente procuram a Vallapardathamma (Mãe de Vallarpadam como ternamente a chamam na língua local, o Malayalam) para pedir por suas mais variadas necessidades, tais como livrar-se de doenças, da pobreza, desemprego, de vícios adquiridos como o do alcoolismo ou drogas; ou vão à procura de alívio para problemas psicológicos como ansiedade, medo, ódio, depressão. Muitos deles, a exemplo de Mariamma, consagram-se, por meio de uma oração, como servos de Nossa Senhora do Resgate.
Nota:
(*) Quando visitamos o santuário, seu simpático vigário, Pe. Isaac Kirisingal mostrou-nos um antigo livro de atas da Confraria de Nossa Senhora do Resgate, um pouco posterior a esse acontecimento. Estava todo redigido em português, embora na época os lusos já não dominassem mais a região, e sim os huguenotes holandeses. E mencionava diversas vezes o nome do Pe. Miguel. Durante essa visita em um dia comum de semana, dois diferentes grupos de peregrinos -- um constituído de católicos, e o outro de hindus -- chamaram o Pe. Isaac para dar-lhes a benção costumeira; e, por ordem do sacerdote, humildemente ajoelharam-se durante a cerimônia.
Por Plinio Maria Solimeo
Fonte: http://www.catolicismo.com.br
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