sábado, 23 de março de 2013

MARIA NA CRENÇA POPULAR


Os fieis constantemente veneram Maria e se voltam para ela em tempo de necessidade para buscar ajuda e misericórdia. Em toda história da Igreja, certos cristãos têm proclamado que a mãe de Jesus manifestou-se a eles. A partir da Idade Média, à medida que a devoção à Virgem Santíssima fazia parte cada vez mais integrante da vida piedosa católica, as proclamações das aparições ou manifestações marianas difundiram-se mais. Quatros das aparições mais famosas e universalmente reconhecidas são: as de Nossa Senhora de Guadalupe, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora da Salete e Nossa Senhora de Fátima.
   Nas Filipinas, a veneração de Maria assumiu a forma de visitas a santuários marianos, em especial os de Antipolo, Manaoag e Baclaran. No Paquistão, todo ano o Santuário mariano nacional em Miriambad atrai grande número de peregrinos. O estudo sobre Maria na tradição cristã não seria, completo sem um comentário geral sobre a religião popular e os fenômenos de peregrinação e aparições.
   A religião popular é intensamente humana e cheia de emoção, contudo tende a ser pouco exigente ao aceitar proposições de fé. Com frequência, busca provas tangíveis, por exemplo, sinais e prodígios físicos, como sinais da presença do divino. Os santuários de peregrinação e os milagres que ali acontecem afirmam a presença do divino. O relacionamento entre o fiel e Deus, ou o fiel e Maria, é muitas vezes contratual. Deus concede favores em troca de oração, penitencia ou cumprimento de um voto. Por causa do crescente entusiasmo por aparições e visões marianas e do fluxo constante de peregrinos aos santuários marianos, examinaremos o papel das peregrinações na tradição cristã.

A Peregrinação na Tradição Cristã
Os locais de peregrinação são tidos como lugares onde outrora milagres aconteceram ou podem tornar a acontecer. Representam um “rasgo no véu” que separa o céu da terra. No cristianismo, os contemplativos e místicos monásticos cristãos preocupavam-se com as viagens salvíficas interiores cotidianas. Para os leigos, a peregrinação era a grande experiência liminar da vida religiosa. Victor e Edith Turner explicam isso de maneira sucinta: “Se o misticismo é uma peregrinação interior, a peregrinação é o misticismo exteriorizado”. A pessoa se purifica por meio de penitencia e viagem. O peregrino visita um local santo ou um santuário santo. Em muitas peregrinações, há abundancia de crenças mágicas: fé em relíquias, imagens e a eficácia da água de fontes sagradas, mas que só beneficia o peregrino que se converteu de coração. Quando um sistema de peregrinação é estabelecido, opera como qualquer outra instituição social. Liturgias e serviços de devoção nos locais de peregrinação são estruturados e, às vezes, são estabelecidas temporadas de peregrinação para servir ao grande número de peregrinos. Entretanto, o ideal é que a peregrinação seja carismática. É uma decisão ou resposta pessoal do peregrino a um carisma. Por isso, a religião ortodoxa tende a ser ambivalente em relação a ela.
   Embora haja um vasto conjunto de literatura sobre aparições marianas, a maior parte dela é piedosa ou apologética. Seus autores estão interessados em defender e divulgar o que acreditam serem aparições da Virgem Maria. São raros os escritos eruditos sobre aparições. Isso dificulta o trabalho dos que desejam estudar a natureza das aparições e os fenômenos relacionados, os contextos sócio histórico e religiosos em que ocorrem, a visão universal dos devotos e seu relacionamento com Maria (ou com os santos). Tais estudos precisam examinar o sentido das aparições para os próprios visionários e o processo pelo qual eles dão sentido às experiências das aparições.

As Aparições Marianas E A Doutrina Da Igreja
Não há nenhuma doutrina religiosa definitiva sobre o que acontece durante uma aparição. Alguns teólogos sugerem que a aparição é a manifestação do elemento carismático da Igreja na qual a imaginação da pessoa é inspirada para receber uma mensagem do céu. Outros sugerem que essa ocorrência poderia ser interpretada como a proximidade de Deus aos que estão fora dos canais oficiais de acesso ao que é santo.
   Embora interpretem o fenômeno de diversas maneiras, os teólogos aceitam que visões ou aparições, consideradas revelações particulares pelo magistério da Igreja, não aumentam nem embelezam o depósito de fé. Se genuínas, apenas realçam a devoção e talvez o entendimento da fé, mas, como acontece com outras práticas de devoção, a aprovação oficial da Igreja não exige que os fieis acreditem em aparições nem em sua historicidade. Elas devem ser respeitadas porque inspiram as pessoas a uma fé mais profunda e à ação social consiste e devem ser julgadas por seus frutos: amor, justiça e paz. Uma palavra de advertência dos bispos católicos dos EUA em sua carta pastoral: Mesmo quando uma revelação particular espalhou-se pelo mundo todo, como no caso de Nossa Senhora de Lourdes, e foi reconhecida no calendário litúrgico, a Igreja não obriga a aceitação da historia original nem das formas especiais de devoção que se originam dela.

Expressão Da Experiência Do Que É Santo
 Sabemos por nosso comportamento religioso que a psique humana procura símbolos concretos quando tenta expressar sua experiência do que é santo. Em Israel foram a arca e o templo; no cristianismo são a Igreja, os sacramentos e os sacramentais. O templo e a Igreja são terreno santo, espaço sagrado, onde a pessoa experimenta o divino de um jeito especial. Nas aparições marianas, o visionário experimenta algo maravilhoso que nunca foi experimentado antes. É como se estivesse preparado para aceitar uma grande teofania, neste caso a manifestação da Mãe de Deus. Em geral, quem vê as aparições são os pobres, a maioria mulheres pobres, e os jovens, e as teofanias são descritas com muitos detalhes. Gebara e Bingemer explicam que algo extraordinário acontece no nível dos relacionamentos humanos. Quando palavras e gestos normais não são mais convincentes, o “divino” se instala para dizer o que o coração humano já sabe, mas que não está dando atenção.
   ... (a) teofania é a grande poesia dos seres humanos: é o uso mais avançado de símbolos e, às vezes, da capacidade profética de denunciar o mal existente e exigir que a justiça seja restaurada.
    Portanto, nas aparições,... A constante é o elemento “extraordinário” que interrompe o ramerrão da vida e interfere no funcionamento normal da natureza. É como se a teofania ou a aparição buscasse indicar a necessidade de mudar alguma coisa de forma radical.

Há Uma Constante Nas Aparições Marianas
   Há certas constantes na imagem de Maria como ela é experimentada por visionários através dos séculos. A primeira imagem popular de Maria é a que cura e restaura a saúde. Na Idade Média, quando o conhecimento médico era mais limitado e as causas de muitas doenças eram desconhecidas, as pessoas buscavam a cura divina. Os muitos santuários de Maria tornaram-se lugares para buscar curas e numerosas curas milagrosas foram atribuídas a ela. Não fazia nenhuma diferença se essas curas eram, ou não, resultado de meios naturais ou psicológicos. Eram aceitas como milagrosas pelos que se sentiam aliviados de seus sofrimentos. Embora o avanço moderno da medicina influencie nossa avaliação das curas contemporâneas, ainda persiste a proclamação de curas milagrosas em sanitários marianos, principalmente em Lourdes, pois as pessoas continuam a buscar milagres quando a ciência deixa de curar.
   Outra constante na imaginação religiosa popular é que Maria permanece intercessora entre o céu e a terra. Não só roga a Deus por nós, como também, por ser a Mãe de Deus, influencia realmente os julgamentos divinos. Como Mãe de Misericórdia, usa seus poderes intercessores especialmente para intervir a nosso favor e assegurar nossa salvação. A crença em seu poder para rogar a Deus por nós aumentou o poder e a popularidade de seus santuários e das histórias de milagres ligadas a eles. Neste século, ela não só intercede pelos pecadores, como também se tornou crítica sincera do comunismo. Em Fátima, por exemplo, ela pediu orações pela conversão da Rússia.

O símbolo de Guadalupe
   Nossa Senhora de Guadalupe, originalmente padroeira do México, ficou cada vez mais conhecida como Mãe das Américas. A devoção a ela está nas origens do cristianismo mexicano. Tepeyac, o local da aparição de Maria, era o lugar sagrado de Tonantzin, a deusa-mãe índia de tempos muito remotos. Tepeyac, cerca de 8 km ao norte da cidade do México, foi local de peregrinações durante séculos e o povo vinha de longe e de perto para cultuar a deusa-mãe. Nossa Senhora ali apareceu em 9 de dezembro de 1551, a um índio de nome indígena Águia solitária e de nome cristão Juan Diego. Ela se identificava com Tonantzin, a deusa do povo subjugado, não só em seu corpo, linguagem e vestes, mas também na escolha do antigo lugar santo indígena e nos símbolos celestes que a rodeavam. As flores e a música da visão também faziam parte do culto no templo da deusa.
   Foi neste lugar que Maria falou ao povo com ternura, pediu sua colaboração e pediu-lhes que fossem seus missionários. Ela se identificou como a “sempre Virgem Maria, Mãe de Deus verdadeiro, que dá vida e a mantém em existência”.
   Essa mensagem de esperança surgiu quando a nação mexicana era explorada pelos conquistadores, os representantes da coroa espanhola que vieram conquistar o México. A escravidão dos povos nativos, dos quais se discutiam até a humanidade, o estupro e a degradação de suas mulheres e os esforços para erradicar totalmente a religião deles, levou a nação à beira do desespero. Na pessoa de Juan Diego, a dignidade subjugada do povo foi restabelecida e, por intermédio dele, as pessoas foram conclamadas a serem mensageiras fidedignas de Maria. Juan Diego não teve dificuldade para entendê-la, porque ela falou em sua língua nativa. Falando-lhe com dignidade e respeito, ela desafiou o povo a se elevar acima da situação da marginalização e opressão e a assumir a responsabilidade por suas vidas e seu futuro. Também em Maria, a feminilidade mexicana que fora prostituída pelos conquistadores foi novamente restaurada em sua dignidade original.
   Ao pedir a Juan Diego que procurasse o bispo, Maria apoiou a autoridade dos ministros da Igreja e preservou o significado da Igreja como comunhão. Ao pedir aos pobres para serem seus mensageiros, estava convidando os missionários espanhóis, a se dedicarem a eles e a se mudarem para a periferia e servi-los. Esse era, ao mesmo tempo, um convite para apreciar o valor da cultura indígena deles e incorpora-los à comunidade da Igreja. O símbolo de Maria em Guadalupe é, portanto, símbolo poderoso para o povo do México, pois assimila sua antiga figura religiosa a sua representação mexicana. Ela aparece carregando Cristo no ventre, oferecendo nova vida ao povo, nova esperança na pessoa de seu Filho que está vindo para se encarnar em suas vidas e cultura.
   Elizabeth Johnson diz que a figura de Nossa Senhora de Guadalupe: combinou a expressão feminina índia de Deus, que os espanhóis haviam tentado eliminar como diabólica, com a expressão masculina espanhola de Deus que os índios haviam achado incompreensível (pois tudo que é perfeito na cosmovisão náuatle tem um componente masculino feminino). Cada entendimento de Deus foi expandido pelo outro, produzindo uma nova expressão mestiça que enriquece o próprio entendimento da personalidade de Deus.
O culto de Nossa Senhora de Guadalupe serve de mediador da realidade compassiva de Deus na forma de mulher. Seu fervor e amor abrangentes transmitem uma força de presença e de cuidados pelos pequenos. Enquanto luta pela justiça continua, este símbolo poderoso continua a ser associado à libertação social e política do povo, não só no México, mas por todas as Américas. Portanto, foi apropriado proclamá-la santa padroeira de todas as Américas.

As Peregrinações Marianas Nos Séculos XIX e XX
   As peregrinações e imagens marianas tiveram dramático ressurgimento no século XIX e no século XX. Em menos de cinquenta anos, de 1928 a 1971, pode-se citar o total de 21º aparições. Enquanto as peregrinações medievais começaram como devoções locais ou regionais a Maria, as peregrinações da era pós-industrial devem sua origem a experiências visionarias ou de aparição. A primeira entre elas foi à chamada Medalha Milagrosa de Catarina Labouré (1806 – 1876). O desenho da medalha incluía a imagem da Virgem dentro de uma moldura oval com as palavras: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”. Logo foi distribuída por todo o mundo, em milhões, e sua tremenda popularidade e os milagres atribuídos a ela ajudaram a incutir a doutrina da Imaculada Conceição na consciência do povo católico, o que, por sua vez, levou a uma crescente demanda para que a doutrina fosse solenemente definida.

As Aparições em Lourdes
   A aparição da Virgem Santíssima a Bernadete Soubirous em Lourdes, em 11 de fevereiro de 1858, levou ao estabelecimento de um santuário mariano que se tornou o centro moderno de devoção mariana de toda a cristandade.
   Ao lhe pedirem, durante o interrogatório da Igreja, para descrever a Virgem Maria como a vira, Bernadete respondeu: “A Virgem Santíssima da Igreja paroquial pelo rosto e as vestes... mas viva e rodeada de luz”. A historia de uma jovem camponesa pobre, que sofreu a vida toda de asma e a quem Maria apareceu, prendera a imaginação de todo o mundo católico. Um dos efeitos duradouros da historia de Lourdes é o crescente compromisso de crença no dogma da Imaculada Conceição de Maria, proclamado doutrina oficial apenas quatro anos antes do início das aparições. Também se proclama que um número crescente de peregrinos que rezam no santuário sente arrependimento e reconciliação, e que corpos aleijados se curam.

As Aparições em La Salette
Cerca de 12 anos antes, em outro lugar remoto, em La Salette, França, duas crianças que pastoreavam o gado voltaram para casa e relataram que haviam visto uma linda Senhora. Ela estava sentada e chorando, rodeada por uma luz brilhante. A aparição de La Salette aconselhou as crianças a fazerem suas orações com fé e descreveu os castigos que o povo sofreria por causa dos pecados: as safras se perderiam e haveria apenas batatas suficientes até o Natal. Consta que ela disse que lhe daria seis dias para trabalhar, reservando o sétimo para ela, palavras que a identificam com Deus. Também contou a cada um deles um segredo que não deviam divulgar a ninguém. As duas crianças foram repetidamente interrogadas para testar suas historias. Segundo os relatórios, elas jamais introduziram a mais leve variação em seu relato.
   Há dificuldades teológicas com a imagem de Maria dos visionários impedindo seu Filho de punir o povo. Por não haver nenhum relato crítico baseado em fontes de primeira mão, como no caso de Lourdes, Hilda Graef acrescenta:
   ... Parece não haver nada, nem na descrição da aparição, nem em seus discursos, que indique sem sombra de dúvida ema origem sobrenatural. Também os chamados “segredos”, que foram solenemente proibidos de serem divulgados pelas autoridades religiosas, parecem ter contido nada mais do que vagas ameaças apocalípticas.

As Aparições em Fátima
Em 1917, a experiência em Fátima, Portugal, de três crianças, Lúcia dos Santos, e seus primos Francisco e Jacinta Marto, chamou a atenção de um mundo em guerra. A história de Fátima começou quando um jovem que se identificou como o anjo da paz ensinou as crianças a rezar. Elas seguram suas instruções e rezaram intensamente durante um ano e, então, em maio de 1917, uma mulher vestida de branco apareceu-lhes perto da Cova da Iria, onde cuidavam do rebanho. Ela lhes pediu que voltassem no dia 13 de cada mês, até outubro. As crianças continuaram a ir à Cova no dia marcado, todos os meses e, durante esse tempo, tiveram visões apocalípticas e avisos proféticos. Em 13 de outubro de 1917, a mulher identificou-se como Nossa Senhora do Rosário. Pediu que a Rússia fosse consagrada a seu imaculado coração e que uma comunhão reparadora fosse feita no primeiro sábado de cada mês. Nessa última aparição, quando as crianças tiveram visões arrebatadoras, a multidão reunida assistiu ao que ficou conhecido como o “Milagre do Sol”.
   Depois que as aparições de Fátima foram legitimadas em 1930, o interesse por elas logo aumentou, em especial com o inicio da Segunda Guerra Mundial e o aumento do poder da União Soviética.  Rumores sobre os segredos de Fátima e em especial sobre o célebre terceiro segredo, o que só foi revelado ao papa, ainda são abundantes.

As Aparições em Medjugorje
As aparições que recentemente atraíram a atenção do mundo todo estão em Medjugorje, antiga Iugoslávia, e começaram em 1981. O lugar onde consta que seis crianças tiveram visões da Santíssima Virgem Maria atrai peregrinos e ganha devotos do mundo todo, apesar da recusa das autoridades religiosas em reconhecer as aparições. Como as aparições anteriores do século XX, Medjugorje também envolve profecias, segredos e conselhos para oração e penitência.

A Igreja: Discernimento e Prudência
   Quem vai à peregrinação em um santuário mariano pode ter profunda experiência de fé e voltar para casa com um sentimento de conversão e renovada dedicação. Apesar de aprovadas pela Igreja, essas aparições não pertencem ao que é chamado de “deposito de fé”, por isso lhes daremos o mesmo crédito meramente humano que damos a qualquer outra afirmação que sustentamos ser verdade. Em revelações particulares, a personalidade do destinatário desempenha papel importante e pode influenciar até a experiência mais autêntica.
   A prerrogativa de investigar uma aparição e decidir e decidir se é digna da “anuência da fé humana” é oficialmente do bispo da diocese em que ela ocorreu. A Igreja sabe muito bem que vestígios de mágica encontram-se não só nos adultos de hoje, mas também nas doutrinas rituais das religiões adiantadas; por isso, ela aconselha discernimento e prudência.
   Mesmo que uma aparição tenha a aprovação da Igreja, não somos obrigados a dar-lhe nossa aprovação, se depois de madura reflexão sentimo-nos incapazes de acreditar nela. Edward Schillebeeckx salienta que a aprovação da Igreja a uma aparição ou revelação particular nunca é prova infalível de sua verdade e autenticidade históricas.1 Significa que a Igreja não considera a crença na aparição mal orientada nem prejudicial aos fieis. Também confirma como Schillebeeckx enfatiza, que:
É apenas confirmação oficial do fato que da investigação surgiram provas suficientes que nos permitem ser cautelosamente seguros em nossa aceitação da autenticidade divina da aparição em bases racionais... A Igreja não faz mais que dar sua permissão oficial para que Maria seja venerada de maneira especial no local onde ocorreu a aparição... Tudo que a Igreja declara é que, em sua opinião, elas não são contrarias à fé e à moral e que há indicações suficientes para sua piedosa e cautelosa aprovação pela fé humana.2
   Anne Carr observa que, embora esse aumento de aparições nos séculos XIX e XX tenham originado grandes esperanças e temores, e seus locais tenham atraído peregrinos de todos os modos de vida, essas aparições ajudaram a divinizar Maria, ao mesmo tempo em que não destacaram sua colaboração ativa na redenção de Cristo.3 As aparições de Lourdes, por exemplo, apenas reforçam doutrinas tradicionais. Enquanto as reflexões de Gebara e Bingemer sobre a aparição de Maria em Guadalupe no século XVI concentraram-se na capacidade profética da teofania para denunciar o mal e exigir justiça, Barbara Pope observa que as aparições mais recentes dos séculos XIX e XX nunca transmitiram uma mensagem de transformação social ou de triunfo sobre a exploração e a opressão. Por outro lado, sua orientação política, argumenta ela, era sempre para trás, em vez de para frente.

O Recente Aumento de Manifestações Marianas
Ainda que interpretemos o fenômeno atual de manifestações e aparições marianas e o fluxo de peregrinos a santuários marianos, os teólogos deveriam investigar as razões pelas quais a comunidade cristã é levada a expressar sua fé e devoção pela crença nas aparições da Virgem e pelas peregrinações a seus santuários. Muitas das aparições marianas ocorreram e continuam a ocorrer em países de terrível pobreza, ou onde a situação socioeconômica é muito ruim. A presença de Maria é um sinal de esperança que oferece consolo na vida das pessoas. Turner sugere que a tendência recente pode ser sinal de:
Um principio “feminino” ressurgente, depois de séculos de iconoclasmo “masculino”, progresso técnico, burocratização, conquista pela razão e força de todos os veículos naturais. Não podemos reconstituir a historia da peregrinação mariana. O progresso da mulher de veículo alimentador quase anônimo e sem rosto para uma feminilidade individualizada e libertada, vista pelos olhos “masculinos” da cultura ocidental como nêmese e também como a vinda de uma nova era?

A Ideologia Apocalíptica Popular das Aparições
O estudo das aparições modernas exige e exame da visão universal dos participantes dessas aparições. Para muitos deles, Maria é a mulher “vestida com o sol” (Ap 12), que aparece em tempos muito difíceis. Ela aparece suplicando, ameaçando chorando e suas mensagens e seus segredos relacionam-se com a situação do mundo contemporâneo. Representando a misericórdia divina, ela intercede junto a Deus ou Cristo e intervém na história para mudar o curso de acontecimentos predeterminados de outro modo. Seus avisos apocalípticos falam de castigo para os pecados da humanidade que desintegraram a ordem estabelecida e, por isso, a justiça de Deus exige castigo imediato, castigo esse que pode ser abrandado com orações e penitência. Em Medjugorje, por exemplo, Maria disse aos jovens visionários que a guerra seria evitada com jejuns e orações e enfatizou que as pessoas se reconciliariam com Deus se rezassem, jejuassem e se confessassem.
   A ênfase nas aparições de Fátima nos segredos de Maria provoca curiosidade e investigação sobre a natureza apocalíptica de tais aparições. Os avisos de Fátima continuam nas aparições aos visionários de Medjugorje, onde o mal do mundo é atribuído a satanás. John Shinners acredita que tais mensagens tenham tanto que ver com as percepções que os visionários têm de seu mundo quanto com qualquer revelação especial. Ele considera as profecias milenárias:
... A contra a ordem social existente. Essa ordem ou eliminou ou ordenou de forma radical instituições e costumes acalentados, ou é corrupta e opressiva e, portanto, precisa ser substituída por uma sociedade justa, uma utopia. As aparições marianas atuais constantemente veem a sociedade existente como corrompida por mudanças. Sentem nostalgia pela estabilidade, o conforto e a previsibilidade da tradição – em especial da tradição católica.
Apesar dos avisos apocalípticos e das previsões do desaparecimento do mundo, Maria permanece intensamente humana, misturando os papeis de mãe e nutridora, consoladora e conselheira. São suas características ternas, magnânimas e consoladoras que a fazem tão acessível. Ela continua a ser, e nos assegura que sempre será bastante acessível.

Como Canalizar A Devoção Popular
A história da devoção popular mostra que a devoção a Maria pode se tornar excessiva se não for contida e se os liturgista e líderes religiosos foram capazes de orientar essas devoções para formas aprovadas de piedade. A hierarquia eclesiástica talvez não consiga controlar com eficiência as devoções marianas populares, mas pode canaliza-las para formas mais legitimas de devoção. As devoções em Lourdes, por exemplo, receberam um enfoque Cristocêntrico. Desde que o santuário foi oficialmente aprovado, a celebração eucarística, a unção dos enfermos e a procissão vespertina do Santíssimo Sacramento tornaram-se pontos culminantes da peregrinação. Os teólogos deveriam indagar que profundas necessidades humanas e espirituais que aparentemente não são satisfeitas pelas liturgias ou celebrações da comunidade são satisfeitas por essas manifestações
   Qualquer reformulação teológica da imagem de Maria precisa levar em conta as imagens de Maria na imaginação religiosa popular. Já que todos os fieis adotam alguns aspectos da religião popular em sua vida de devoção, a piedade popular precisará de uma Maria que seja celeste, purificadora, intercessora, profeta, consoladora e amiga. O que os teólogos ignoram, o povo comum fornece: é provável que locais de aparições tais como Lourdes, Fátima e até Medjugorje sempre estejam conosco.

1 Schillebeeckx, Mery, Mother of the Redemption.New York, Herder and Herder, 1964, p.197.
2Schillebeeckx, p.197.
3CAAR. “Mary in the Mystery of the Church”.In Mary According to Women, p. 9.











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