“Com toda evidência vós sois uma carta de Cristo confiada a
nosso ministério, escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não
em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, nos vossos corações” (II Cor 3,3).
São Paulo escreve esta Palavra aos membros da Igreja em
Corinto. O frei Raniero Cantalamessa usa esta Palavra para referir-se a Nossa
Senhora, Mãe e figura de toda a Igreja. E faz isto amparado pela tradição da
Igreja: Orígenes falou de Maria como uma tabuazinha encerada sobre a qual Deus
pôde escrever tudo aquilo que quis e Sto Epifânio, Como um livro grande e novo
no qual só o Espírito Santo escreveu. A carta viva de Deus que é Maria, começa com uma palavra que guarda em si, como
uma semente, toda a sua vida: “Alegra-te ó cheia de Graça, o Senhor está
contigo”(Lc 1,28). Naquele momento o Espírito sopra no coração de Maria o
entendimento de que Deus a favorecera grandemente, que a enchera de Graça sem
mérito algum de sua parte, e que também sem mérito algum de sua parte a convida
a tomar parte no seu desígnio de amor por toda a humanidade. Deus a elege
gratuitamente.
Que significa para nós o fato da história de Maria começar
assim? Significa que para nós também, no começo de tudo está a graça, a livre e
gratuita eleição de Deus.
A primeira obra do Espírito na vida de Maria foi purificá-la
de todo pecado Original no ato de sua criação, imprimindo nela a marca de sua
eleição, da escolha divina em sua vida. Na nossa vida, a primeira obra do
Espírito é também, junto com o Pai e o Filho, criar-nos e eleger-nos para Deus,
e purificar-nos do Pecado Original pelo Batismo. Tudo isto, como em Maria,
acontece na nossa vida gratuitamente, sem mérito algum de nossa parte, Não
pudemos merecer, e nunca poderemos pagar nossa eleição à vida o chamado que
Deus faz a nós. A vida de Maria, como carta escrita por Deus a nós proclama
esta verdade em primeiro lugar.
Assim como Maria, ao tomarmos conhecimento de nossa eleição,
e da gratuidade da Salvação que nos foi ofertada por Deus, o mesmo Espírito nos
impulsiona ao desejo de doarmos inteiramente a nossa vida a Ele, como fez
Maria: “Faça-se em mim segundo a vossa Palavra”, e ao próximo, como fez Maria,
correndo para servir sua prima Isabel. De fato, Maria se oferece a Deus como
uma página em branco, na qual Ele pode escrever tudo o que quiser.
Porém, ser dócil à ação do Espírito não consiste exatamente
em inatividade, mas em ação inteiramente submissa à vontade divina. O menino
por ela concebido é obra do Espírito Santo. Porém nem todos creem nisto, e por
esta razão Maria avançou desde o princípio por uma estrada onde todas as placas
de sinalização parecem dizer: para trás! Ela avançou sempre antes de qualquer
confirmação por parte da história. O seu sim foi suscitado não por fatos
externos, mas pelo próprio Espírito Santo nas profundezas de sua alma. É sempre
assim que se realizam as grandes obediências. Deus derrama sobre nós o Seu
Espírito, e este nos impulsiona à Caridade, que nos impele a fazer o que Deus
quer. Deus nunca impõe a sua vontade, mas dá a Caridade. Assim é que o sim de
Maria é inteiramente livre, é o sim nupcial da esposa para o esposo. Sta
Teresinha do menino Jesus conta em seu manuscrito o momento em que se ofereceu
a Deus para sempre: “Foi um beijo de amor. Sentia-me amada e dizia: amo-te,
dou-me a ti para sempre”. O sim de Maria é também o sim da filha que se sabe
infinitamente amada pelo Pai, como na oração de Charles de Forcauld: “É para
mim uma exigência de amor o doar-me e o entregar-me nas tuas mãos sem medida,
com uma confiança infinita porque tu és o meu Pai”.
Depois da Anunciação, todas as situações vividas por Maria
eram uma aparente contradição às promessas divinas: o nascimento de Jesus em
extrema pobreza, a profecia de Simeão, a necessidade de fugir para o Egito, a perda
de Jesus no templo, sua vida escondida durante trinta anos, as perseguições, a
morte cruenta… Deus chamou Maria a percorrer caminhos especiais, nos quais ela
não tinha outra defesa contra as evidências senão a sua Palavra ouvida no
íntimo.
Somos chamados a seguir o itinerário de Maria, a sua vida no
Espírito, caminho aonde não se pode reduzir Deus às nossas próprias ideias, às
nossas próprias medidas, porque isto seria rebaixar a Deus, querer fazê-lo
igual a nós, quando Ele vem para nos elevar até Ele e seus Caminhos “são
infinitamente superiores aos nossos”.
Fonte: COMUNIDADE
SHALOM
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