sábado, 4 de julho de 2015

MARIA TINHA OUTROS FILHOS?

O USO DA PALAVRA IRMÃO E PRIMO NO NOVO TESTAMENTO

   Carecemos de muita informação sobre o uso das palavras “primos” e “irmãos” no Novo Testamento. Vamos a um detalhado estudo sobre as línguas da Bíblia: A Bíblia começou a ser escrita mais de 1000 anos antes de Cristo na língua hebraica, pois esta era a língua falada na Palestina até o povo de Deus sofrer o cativeiro de cinqüenta anos na Babilônia em 586 a.C.  Após o cativeiro, parte do povo que voltou para a sua terra começou a falar o aramaico; a outra parte de judeus imigrou para o Egito onde começou a falar o grego.  Mas a Bíblia continuou a ser lida e copiada em hebraico, sua língua original. 
   Por volta do ano 300 antes de Cristo, o grego havia se tornado a nova língua do comércio e invadiu o mundo daquele tempo. Então, por volta do ano 250 antes de Cristo, os judeus que estavam no Egito desde o fim do cativeiro já não sabiam mais o hebraico e nem o aramaico, tendo dificuldades para ler a Sagrada Escritura.  Para resolver a questão, um grupo de setenta e dois sábios judeus (seis de cada tribo de Israel) se reuniu em Alexandria (Egito) e pegaram todo o Texto Sagrado escrito na esquecida língua hebraica (com partes em aramaico) e o traduziram para o grego, formando assim a chamada Bíblia dos Setenta ou Septuaginta. Esta tradução grega tornou-se o referencial dos Apóstolos e dos primeiros cristãos na confecção do Novo Testamento que também foi escrito em grego. Entendido isso, vamos agora saber o que houve com a palavra irmão ao ser traduzida do hebraico (língua original) para o grego (língua agora mais usada). Na língua hebraica a palavra irmão se escreve ’āh e significa filhos dos mesmos pais, mas poderia significar também outros parentes, porque não existe variedade de palavras hebraicas para designar a parentela. Quando se traduziu a Sagrada Escritura para o grego, o termo grego usado para traduzir ’āh (irmão ou parente em hebraico) foi αδέλφος (lê-se adelphós), que é irmão em grego e significa exatamente: “nascidos do mesmo útero”. Com esta tradução, αδέλφος recebeu também um significado mais amplo do que apenas nascidos do mesmo útero, pois αδέλφος passou na tradução a ser’āh (irmão ou parente). Precisamos agora investigar até onde os semitas utilizavam αδέλφος para podermos estabelecer o grau de parentesco desses αδέλφοι (irmãos – lê-se adelphoi) com Jesus.
   No grego se designa com essa palavra especificamente o irmão carnal, ou pelo menos o meio irmão. Mas existem exceções como um antigo documento chamado Marco Aurélio 1, 14,1; assim como numerosos textos de papiros egípcios, onde, da mesma forma como na tradução grega do Antigo Testamento, os filhos dos irmãos (sobrinhos) ou mesmo primos são chamados de αδέλφος, ou seja, irmão. Veja o exemplo de I Crônicas 23,21-22: “Filhos de Mooli: Eleazar e Cis. Eleazar morreu sem ter filhos, mas somente filhas, que se casaram com os filhos de Cis, seus αδέλφοι (irmãos)”, o texto deveria ser: “…se casaram com os filhos de Cis, seus primos”. Leia também Gn 13,8; Gn 31,22-23; Ex 2,11; Jz 9, 1-3; I Cr 15,1-5; I Cr 23,21-22; II Cr 36,10.
   Apesar dos autores do Novo Testamento terem tido a possibilidade de usar termos específicos existentes no grego para designar a parentela como ανεψιός (primo, lê-se anepsiós) ou συγγενης (parente, lê-se sungenees), os utilizaram muito pouco. Isso por dois motivos: eles tiveram como referência a tradução grega do Antigo Testamento e nesta tradução αδέλφος engloba toda a parentela; e também tendo eles tido a pobre língua hebraica como língua original, não se importavam muito com a exatidão dos termos da língua grega. Isso notamos, por exemplo, quando São Paulo escreve em grego: “Em seguida, o Senhor apareceu a mais de quinhentos αδέλφοι (irmãos) de uma vez” (1ª Cor 15,6). Com certeza São Paulo não dizia que estes mais de quinhentos irmãos eram nascidos do mesmo útero, mas sim usava αδέλφοι na sua amplitude maior. Para comparação temos o fato de que a palavra portuguesa saudade não tem tradução em muitas línguas. Esta palavra quer dizer exatamente lembrança triste do que ou de quem está distante.  Então vamos ao exemplo: como o inglês é uma das línguas onde não existe o termo exato para designar saudade, se usam termos com outros significados, mas que ganham uma amplitude para englobar saudade.  Então se alguém escrevendo em inglês quiser escrever saudade, esta pessoa utilizará (entre outras) a palavra longing que primeiramente quer dizer: ânsia/desejo intenso de algo inacessível no momento. Ao traduzir esse texto para o português onde se procure ser fiel ao original (como foi o caso da Septuaginta) o tradutor traduzirá longing com sua designação inicial, ou seja, ânsia/desejo, apesar de existir na língua portuguesa o termo específico para designar saudade.  Deste modo, a tradução ânsia/desejo terá um alargamento onde se englobará também saudade, do mesmo modo como αδέλφος passou a ter outros significados na tradução grega e, daí, no costume semítico. Assim percebemos que nem sempre αδέλφος quer dizer filhos do mesmo útero como foi proposto.
   A Sagrada Família e apenas Jesus, Maria e Jose, como nos descreve São Lucas na ida ao Templo de Jerusalém e São Joao, em seu Evangelho, ao dizer que Jesus entregou sua Mae aos cuidados do discípulo amado e não de um outro possível filho carnal como seria obrigação dele pela lei de Moises dados objetivos, mencionando as passagens bíblicas onde aparece a expressão “irmãos de Jesus”: 1. Mc 3,20-21.31-35: a mãe de Jesus, os seus irmãos e irmãs vêm encontrar Jesus, pois creem que tenha enlouquecido. Jesus invés redefine o conceito de família. 2. Mc 6,3-5: as pessoas se perguntam sobre a origem do comportamento de Jesus (de onde?), invés os seus conterrâneos sabem bem de onde ele vem: conhecem os seus irmãos e sua mãe por nome e as irmãs estão entre eles. 3. Jo 2,12, depois das bodas de Caná, diz que Jesus se encontra em Cafarnaum, com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos. Em Jo 7, 3. 5.10 se sublinha a distância que existe entre Jesus e seus irmãos: não são do mesmo mundo.
    4. Nos Atos e em Paulo os irmãos de Jesus aparecem como membros importantes da primeira comunidade cristã. Atos 1,14 conta que entre os membros da comunidade de Jerusalém estavam a mãe e os irmãos de Jesus. Em 1Cor 9,5 os irmãos do Senhor são colocados entre os apóstolos e Cefas, como líderes da comunidade cristã. Em Gálatas 1,19 é lembrada a visita de Paulo a Jerusalém, onde, além de Cefas, encontrou Tiago, o irmão do Senhor. É importante sublinhar, repetindo, que o termo grego usado nessas passagens é ‘adelfós’, que literalmente significa ‘irmão’. Todavia esse dado não basta para abaixar a poeira.
    Existe, de fato, diversas explicações sobre expressão e Elencamos algumas:

1. Primos por parte de pai

   Essa tese se baseia no trabalho de Eusébio de Cesaréia. De acordo com esse padre da igreja, os irmãos de Jesus podem ser identificados com os filhos de Alfeu-Cleofas, tio paterno de Jesus, e sua esposa, Maria de Cleófas. Portanto ‘adelfós’ significaria primo de primeiro grau. Os defensores de tal tese dizem que  não se trata de argumentos a posteriori, que tentam defender o dogma da igreja católica, mas consequência da aplicação do método histórico-crítico. O defensor clássico dessa tese é Jerônimo, autor da Vulgata, que, respondendo a Elvídio, que dizia que os ‘irmãos’ eram ‘irmãos carnais’, diz: “Tiago, chamado irmão do Senhor, chamado o Justo, alguns dizem que era filho de José com uma outra mulher, mas creio ser filho de Maria, irmã da mãe do Nosso Senhor, de quem João fala no seu Evangelho”. Em linhas gerais se pode dizer que também Lutero defendia essa tese. Lemos, em Sermão sobre João: “Cristo foi o único filho de Maria, e a virgem Maria não teve outros filhos além dele. ‘Irmãos’ significa na realidade ‘primos’, pois as Sagradas Escrituras e os judeus chamam sempre irmãos os primos... Cristo, o nosso salvador, foi o fruto real e natural do seio virgem de Maria... Isso aconteceu sem a cooperação do homem e Maria continuou virgem também depois”. 
   Também Calvino escreve: “Segundo o costume judeu, chamam-se irmãos todos os parentes. Contudo Elvídio foi ignorante quando disse que Maria teve diversos filhos por que em algum lugar se menciona ‘irmãos de Cristo’” (Comentário a Mateus, 13.55). Os críticos dessa teoria são, sobretudo, os protestantes que, diferente de Lutero e Calvino, entendem ‘adelfós’ como ‘irmão’ no sentido carnal e não ‘primo’.A tradição da Igreja sempre viu Santa Maria de Cleofas, como irmã de Nossa Senhora, Tia de Jesus e Mae dos irmãos do Senhor: Tiago, Jose, Simão e Judas.

2. Primos por parte de pai e de mãe

   É uma tese do exegeta alemão Josef Blinzler. Ele diz  que Tiago e José são filhos da irmã da mãe de Maria, que também se chama Maria; Invés Simão e Judas são filhos de Cleofas, irmão de José esposo de Maria, e de Maria de Cleofas. Ele baseia sua teoria no texto de João 19,25, que distingue a irmã de Maria de Maria de Cleofas. Outros defensores dessa tese são Rinaldo Fabris e Vittorio Messori. Mas a tese não é muito clara, visto que não é assim tão fácil distinguir duas Marias em João 19,25.

3. Irmãos carnais
   É a tese que nasceu com o bispo ariano de Milão, Elvídio, no IV século. Ele defendeu a superioridade do casamento em relação ao voto de castidade. Para sustentar a sua teoria disse que também Maria tinha vivido com José e tinha tido outros filhos depois do nascimento de Jesus. Essa posição é sustentada pelos protestantes. Essa visão é contestada pelos católicos, cristãos ortodoxos e também pelos muçulmanos, que seguem o que é escrito no Corão.

4. Irmãos adquiridos
   É a teoria do evangelho apócrifo de Tiago, segundo o qual José, quando se casou com Maria, tinha outros filhos, de um casamento anterior. Outros escritores clássicos defendem essa tese: Clemente de Alexandria, Orígenes, Eusébio, Hilário de Poitiers, Ambrosiaster, Gregório de Nisa, Epifânio, Ambrósio, Cirilo de Alexandria. Hoje, sobretudo, os ortodoxos concordam com essa visão, mas também o adventista Angel Manuel Rodríguez.

5. Colaboradores
   A escola exegética de Madri defende que os atuais textos gregos do Novo Testamento se baseiam em textos em aramaico e analisando os textos em questão dizem que ‘irmãos de Jesus’ indica na verdade aquele que colaboravam, ou seja, os apóstolos e outros discípulos que o seguiam. Do mesmo modo que a ‘irmã da mãe de Jesus’ seria também ela uma mulher que acompanhava Maria. Para organizar a nossa apresentação, digamos que existem duas teorias: uma que diz que ‘adelfós’ significa irmão carnal e outra que retém que seja primo.

Argumentos favoráveis a “irmãos” 
• Etimologicamente adelfós (plural = adelfoi) significa co-uterino, ou seja, filho da mesma mãe.
• Mt 1,24;24 diz: “José (...) recebeu em casa sua mulher. Mas não a conheceu até o dia em que ela deu à luz um filho.” ‘Conhecer’, na Bíblia, significa ter relações sexuais. O texto bíblico em si não exclui que depois do nascimento de Jesus Maria tenha tido outros filhos.
• Lucas 2,7 diz que Maria deu à luz o seu filho primogênito. Se Maria não tivesse tido outros filhos Lucas poderia ter usado ‘unigênito’.
• Se os irmãos fossem primos a Bíblia teria usada a palavra grega ‘anepsios’ e não ‘adelfos’.
• Mc 3,21 e Jo 7,5 afirmam que os irmãos não tinham fé em Jesus. Desse modo não podem serem identificados com os apóstolos ou colaboradores do Senhor.

Argumentos favoráveis a “primos” 
• A palavra adelfós tem um campo semântico que não se limita à ligação com a mãe, mas pode normalmente significar também irmão só por parte de pai. Além disso o grego do novo testamento é uma língua influenciada pelo pensamento semítico dos seus autores. Quando o escritor escreve em grego está, na verdade, pensando em hebraico-aramaico. Portanto quando ele usa ‘adelfós’ está efetivamente usando o vocábulo hebraico-aramaico ‘ah’. Esse termo, na sua língua, não significa só irmão, mas todo grau de afetividade ou parentesco (Conferir Gn 13,8; 29,15; Lv 10,4).
• No grego existe a palavra ‘anepsioi’ para primos, mas no grego bíblico, que é diferente daquele clássico, esse vocábulo indica um parentesco não próximo, no sentido existencial. Portanto os ‘primos’ de Jesus, visto que eram em contato com ele, não podiam ser chamados ‘anepsioi’.
• Os ‘irmãos’ de Jesus não são nunca colocados em relação com Maria e José; só Jesus é figlio de Maria e filho de José.
• O fato que Jesus é chamado primogênito e não unigênito não é importante. De fato na sociedade hebraica o primeiro filho tem um valor em si e é sempre o primogênito, mesmo sendo filho único. Ilustra essa tese a descoberta de uma inscrição em um túmulo em Tell el-Jehudi que diz: “nas dores do parto do meu primogênito a sorte me conduziu ao fim da vida”. É claro que nesse caso o primogênito é também unigênito.

Considerações finais
   O problema dos ‘irmãos de Jesus’ é sobretudo uma questão dogmática. É muito mais simples acreditar que Jesus tenha tido irmãos. Porém há outros indícios que precisam ser considerados. A palavra ‘primo’ (anèpsios) aparece uma única vez no Novo Testamento (Colossenses 4,10 – A tradução de Almeida nesse caso usa, de modo errado, ‘sobrinho’). Porém em outro livro em grego, Tobias (que não aparece na Bíblia Hebraica e, por isso, nas protestantes, mas cujo texto hebraico foi encontrado também em Qumran), os termos ‘anèpsios’ e ‘adelfós’ são usados sem distinção para significar primo ou parente em geral (cf. Tobias 7,1-4 e confrontar com Tobias 6,1). De fato alguns manuscritos em 7,4 usam anèpsios, enquanto outros usam ‘adelfós’. Além do mais, o contexto bíblico nos obriga a recordar que o conceito de família naquele tempo era muito mais largo do que o atual: fazia parte da família, como irmãos (ah em hebraico), todos os que habitava a casa (bet em hebraico), o clam familiar. Outro aspecto é a tradição. Não é decisivo, mas acreditamos seja importante. Já no segundo século não havia dúvidas sobre a relação dos “irmãos” com Jesus: não eram filhos de Maria. Esse conceito continuou vigente inclusive no tempo da Reforma, com Lutero e Calvino. Somente nos últimos tempos ele voltou a ser questionado. Concluímos dizendo que a tradição cristã afirma que aqueles que a bíblia chama ‘irmãos de Jesus’ são na verdade seus parentes. E, do nosso ponto de vista, a Bíblia não oferece argumentos para afirmar categoricamente que Jesus teve irmãos, nem para combater a doutrina que Jesus e filho único de Maria, doutrina largamente aceita no inicio do Cristianismo e, por isso mesmo, a que mais se aproxima da verdade plena, com base bíblica e histórica.

FONTES: Disponivél em  http://www.abiblia.org/ver.php?id=824#.UYtxy7UWLHV
http://circulocatolico.com.br/site/?p=512
http://rezairezairezai.blogspot.com.br acessado quinta feira, 9 de maio de 2013.


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