Santo Epifanio (+403) – Grande batalhador contra heresias.
Natural da Palestina, homem culto, foi superior de uma comunidade monástica em
Euleterópolis (Judéia) e depois Bispo de Salamina, na Ilha de Chipre, foi
defensor da Virgindade Perpétua de Maria
«Voltando-se o Senhor, viu o discípulo a quem amava e lhe
disse, a respeito de Maria: 'Eis aí tua Mãe'; e então à Mãe: 'Eis aí teu
filho'»(Jo 19,26).
Ora, se Maria tivesse filhos, ou se seu esposo ainda
estivesse vivo, por que o Senhor a confiaria a João, ou João a ela? Mas, e
também por que não a confiou a Pedro, a André, a Mateus, a Bartolomeu? Fê-lo a
João, por causa de sua virgindade. A ele foi que disse: "Eis aí tua mãe".
Não sendo mãe corporal de João, o Senhor queria significar
ser ela a mãe ou o princípio da virgindade: dela procedeu a Vida. Nesse intuito
dirigiu-se a João, que era estranho, que não era parente, a fim de indicar que
sua Mãe devia ser honrada. Dela, na verdade, o Senhor nascera quanto ao corpo;
sua encarnação não fora aparente, mas real. E se ela não fosse verdadeiramente
sua mãe, aquela de quem recebera a carne, e que o dera à luz, não se
preocuparia tanto em recomendá-la como a sempre Virgem. Sendo sua Mãe, não
admitia mancha alguma na sua honra e no admirável vaso de seu corpo.
Mas prossegue o Evangelho: "e a partir daquele momento,
o discípulo a levou consigo". Ora, se ela tivesse esposo, casa e filhos,
iria para o que era seu, não para o alheio.
Temo, porém, que isso de que falamos venha a ser deturpado
por alguns, no sentido de que pareça estimulá-los a manter as mulheres que
dizem companheiras e diletas - coisa que inventaram com péssima intenção.
Com efeito, ali (no caso de João e da Santíssima Virgem) tudo
foi disposto por uma providência especial, que tornava a situação desligada das
obrigações comuns que, conforme a lei de Deus, se devem observar. Aliás, depois
daquele momento em que João a levou consigo, não permaneceu ela longamente em
sua casa.
Se alguém julgar que estamos laborando em erro, pode
consultar a Sagrada Escritura, onde não achará a morte de Maria, nem se foi
morta ou não, se foi sepultada ou não. E quando João partiu para a Ásia, em
parte alguma está dito que tenha levado consigo a santa Virgem: sobre isso a
Escritura silencia totalmente, o que penso ocorrer por causa da grandeza
transcendente do prodígio, a fim de não induzir maior assombro às mentes.
Temo falar nisso e procuro impor-me silêncio a este
respeito. Porque não sei, na verdade, se podem achar indicações, ainda que
obscuras, sobre a incerta morte da santíssima e muito bem-aventurada Virgem.
Pois de um lado temos a palavra, proferida sobre ela: "uma espada
transpassará tua alma, para que sejam revelados os pensamentos de muitos corações"
(Lc 2,35). De outro lado, todavia, lemos no Apocalipse de João (Ap 12), que o
dragão avançou contra a mulher, quando dera à luz um varão; e que foram dadas a
ela asas de águia, de modo a ser transportada para o deserto, onde o dragão não
a alcançasse. Isso pode ter-se realizado nela. Embora eu não o afirme
totalmente. Nem digo que tenha ficado imortal nem posso afirmar que tenha
morrido. A Sagrada Escritura, transcendendo aqui a capacidade da mente humana,
deixa a coisa na incerteza, em atenção ao Vaso exímio e excelente, de sorte que
ninguém lhe atribua alguma sordidez própria da carne. Portanto, se ela morreu,
não sabemos. E mesmo que tivesse sido sepultada, jamais teve comércio carnal:
longe de nós essa blasfêmia! Quem ousaria, em furor de loucura, impor esse
opróbrio à santa Virgem, erguendo contra ela a voz, abrindo a boca para uma
afirmação assim nefanda, ao invés de lhe entoar louvores? Quem iria desonrar
assim o Vaso digno de toda honra?
Foi a ela que prefigurou Eva, ao receber o título, um tanto
misterioso, de mãe dos viventes (Gn 3,20). Sim, porque o recebeu depois de ter
escutado a palavra: "tu és terra e à terra hás de tornar", isto é,
depois do pecado.
Numa consideração exterior e aparente, dir-se-ia que de Eva
derivou a vida de todo o gênero humano, sobre a terra. Mas na verdade é de
Maria que deriva a verdadeira vida para o mundo, é ela que dá à luz o Vivente,
ela a Mãe dos viventes. Portanto, o título de "mãe dos viventes"
queria indicar, na sombra e na figura, Maria.
Com efeito, não se aplica, porventura, às duas mulheres
aquela palavra: "quem deu a sabedoria à mulher, quem lhe deu a ciência de
tecer?" (Jo 18,36)
Eva, a primeira mulher sábia, teceu vestes visíveis para
Adão, a quem despojara. Fora condenada ao trabalho. Já que tinha sido
responsável pela nudez dele, precisou confeccionar a veste que cobrisse essa
nudez externa, que cobrisse o corpo exposto aos sentidos.
A Maria, porém, coube vestir o cordeiro e ovelha; com cujo
esplendor e glória, como se fora uma lã, foi confeccionada sabiamente para nós
uma veste, na virtude de sua imortalidade.
Outra coisa, além disso, pode considerar-se em ambas - Eva e
Maria - digna de admiração. Eva trouxe ao gênero humano uma causa de morte, por
ela a morte entrou no orbe da terra; Maria trouxe uma causa de vida, por ela a
Vida se estendeu a nós. Pois o Filho de Deus veio a este mundo, para que "onde
abundara o delito, superabundasse a graça" (Rm 5,20). Onde a morte havia
chegado, chegou a vida, para tomar seu lugar; e aquele mesmo que nasceu da mulher
para ser nossa Vida haveria de expulsar a morte, introduzida pela mulher.
Quando ainda virgem, no paraíso, Eva desagradou a Deus, por
sua desobediência. Por isso mesmo, emanou da Virgem a obediência própria da
graça, depois que se anunciou o advento do Verbo revestido de corpo, o advento
da eterna Vida do Céu.
FONTE: patristicabrasil.blogspot.com.br
GOMES, C. F. Antologia dos Santos Padres. Ed. Paulinas - São
Paulo, 1979
ECCLES
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