O Alcorão1 não é muito explícito sobre a Virgem Mãe de Deus.
Entretanto, a tradição muçulmana proclama, com unanimidade, o extraordinário
privilégio de Maria e de seu Filho: o fato de ambos terem sido preservados de
qualquer contato com Satanás no momento do nascimento.
A versão mais divulgada deste célebre hadîth2: “Todos os
filhos recém-nascidos de Adão são tocados por Satã, menos o Filho de Maria e
sua Mãe; quando acontece tal contato, a criança dá o seu primeiro grito”.
Maria, mãe de Jesus, é assim referenciada no Corão (Sura
3:42): Recorda-te de quando os anjos disseram "Ó Maria, é certo que Allah
te elegeu e te purificou, e te preferiu a todas as mulheres da humanidade! Allah
manifesta Sua suprema vontade através de infinitas e magníficas formas. Através
do milagre da vida, da sofisticação da consciência, da imensidão do espaço, da
incomensurabilidade do tempo,... Dentre as majestosas expressões de Seus atos,
Allah criou Adão (as) por Sua vontade, sem pai nem mãe, criou Eva a partir de
Adão (as), porém sem mãe e criou Jesus (as) a partir de Maria (as), porém sem
pai. Quando Allah deseja criar, Ele manifesta o comando "Seja" e
aquilo que é comandado aparece de imediato.
Todos os comentários reproduzem este primeiro hadîth, que
está entre as mais sólidas tradições do Islã, visto que está incluído nas duas
antologias que usufruem de autoridade máxima: a de Boukhari e a de Mouslime.
Sempre que esse privilégio de Jesus e de Maria recebeu
ataques de pensadores muçulmanos sobre a sua existência ou sobre o seu
significado, os representantes da ortodoxia islâmica o defenderam
vigorosamente.
Referindo-se a Maria, o sentido que os pensadores muçulmanos
dão ao privilégio recebido por ela, apenas se referem que “Maria foi preservada
de qualquer mácula”: 3 diz o Corão: “E (Deus propõe o exemplo para aqueles que
creem) de Maria, a filha de Heli, que guardou sua castidade; então sopramos
nela Nosso Espírito (ou seja, Gabriel), e ela acreditou nas palavras de seu Senhor
e Seus Livros e foi devotadamente obediente.” (66: 12) Al-Alousi resume o
ensinamento habitual. Ou seja: Deus purificou Maria de todas as máculas comuns
às mulheres (períodos como a menstruação, a sequência do parto etc.); “Maria,
filha de Imran, que preservou sua castidade, e nela infundimos nosso Espírito e ela
confirmou a verdade das palavras de seu Senhor e de Suas Revelações e se contou
entre os servos virtuosos.”4 purificou-a, da incredulidade, dando-lhe fé
inabalável, preservou-a da indocilidade, concedendo-lhe a virtude inalterável
da obediência; livrou-a dos defeitos inerentes à alma e ao caráter
dos seres humanos.
E mais - conclui Al-Alousi - o mais correto é tomar a
palavra “purificação” no sentido mais vasto e admitir que Deus
concedeu a Maria o privilégio de ser pura e isenta de todas as máculas, no
sentido próprio e no sentido figurado, as manchas do coração, dos sentimentos e
as da carne; deste modo, ela esteve pronta para receber a completa “profusão do
Espírito” .
O minimalismo do sobrenatural sobre Maria é compensado pelo
esplendor do que é maravilhoso e arrebatador, sob uma forma concreta e,
igualmente, extraordinária e cândida. Assim, para Maria, por vontade expressa
de Alah (Deus na concepção islâmica), uma espécie de cortina houve entre ela e
Satanás no momento do seu nascimento: Hannah chamou a sua filha de Maria
(Mariam, em árabe) e invocou a Deus que a protegesse e à sua criança de
Satanás: “E eu a chamei de Maria (Mariam), e a entrego e à sua descendência à
Tua proteção, contra o maldito Satanás.” (Sura 3:36).
O Corão apresenta apenas três traços, ligeiramente
delineados, sobre esses períodos da vida de Maria: infância e juventude.
Como resposta ao voto e à oração da esposa de Imrâne, Maria
foi agraciada por Deus e a escolhida de Deus: “E seu Senhor a acolheu,
dando-lhe agradável abrigo e a fez florescer e crescer de forma afável...”
(Corão 3/34). O Corão declara que foi Zacarias quem se ocupou dela. (3/37).
Enfim, “cada vez que Zacarias entrava no santuário onde Maria se encontrava,
descobria nela um manancial de recursos”; e lhe diz: ‘de onde lhe vem isso?’ -
E ela responde: ‘Isso me vem de Deus, que provê com fartura o que é necessário
ao seu escolhido” (3/36). Unindo-se ao zelo de Zacarias por Maria, existe um
outra mensagem do Corão: “E tu não estavas no meio deles quando tiravam a sorte
para saber quem cuidaria de Maria?” (3/39) Os relatos reunidos pelos
comentaristas sobre esses textos do Corão dividem-se em vários sentidos.
Maria teria sido levada ao Templo logo após o nascimento.
Zacarias, seu tio, passou a cuidar dela. Ele foi designado por sorteio; visto
que, os outros o contestaram, inicialmente pelo direito que Zacarias requeria,
em nome do parentesco com a criança... Zacarias manteve a pequena menina
encerrada no santuário - ou em sua casa, ou ainda num oratório pessoal munido
de sete portas. Maria não precisou contar com uma ama de leite como as outras
crianças, pois ela viveu de alimentos celestes, que deixava Zacarias deveras
maravilhado. Conforme o exposto, Maria teve, por privilégio, o uso da razão e
da palavra desde a mais tenra idade.
Verificando outros conceitos, encontra-se um relato que
supõe que a mãe de Maria tivesse morrido logo após o nascimento da filha. O tio
da criança, Zacarias, passou a cuidar dela sem qualquer contestação e sem
recorrer a recursos ou sorteio. A criancinha cresceu com o tio. Quando mocinha
foi admitida para “servir” no Templo. Nesta época, viu-se beneficiada pelos
prodígios que provocaram a admiração de Zacarias.
O recurso à sorte só aconteceu bem mais tarde, após um tempo
de penúria, durante o qual Zacarias, já muito idoso, não tinha mais forças para
vencer as dificuldades materiais e assegurar o necessário para a subsistência
de Maria. Era imprescindível encontrar alguém que a amparasse. O acaso designou
um carpinteiro chamado Jourayj. Um texto antigo declara que Jourayj era um
monge (râhib) e igualmente carpinteiro - velha indicação que insinua a pureza
dos costumes do novo tutor de Maria e que ninguém foi capaz de notar.
Jourayj exercia sua profissão e provia as necessidades de
Maria, abastecendo a casa do pouco que ele conseguia encontrar naqueles tempos
difíceis; porém, o pouco que trazia, era milagrosamente aumentado e melhorado,
para grande espanto de Zacarias. O prodígio dos alimentos celestes ─ os tais
“proventos” que o Corão registra claramente e que, consequentemente, toda a
tradição muçulmana proclama com fervor ─ consistia, seja em frutos do Paraíso;
seja no fato de que, na casa onde habitava Maria, o tio encontrava os frutos do
verão durante o inverno e vice-versa; seja na multiplicação e na melhoria ou
aprimoramento da magra e parca alimentação que o tutor de Maria lhe trazia nos
tempos de penúria e escassez.
Não se sabe, de forma precisa, se esse prodígio aconteceu
quando Maria era criança ou quando já era moça. Para a maior parte dos
exegetas, entretanto, a segunda hipótese parece a mais provável, visto que a
resposta de Maria à pergunta de Zacarias “isso vem do Senhor; o Senhor supre
com fartura a necessidade do seu escolhido”(3/36), avivara a fé de Zacarias e
reanimara nele a esperança de, um dia, receber a graça milagrosa de vir a ter
um filho; admite-se que João Batista fosse três meses mais velho que Jesus
Cristo.
O Corão 5 a
anunciação a Maria é assim relatada: E quando os anjos disseram: Ó Maria,
verdadeiramente Allah te anuncia o Seu Verbo, seu nome será o Messias, Jesus,
filho de Maria, honrado neste mundo e no outro, e estará entre os próximos a
Allah..Falará aos homens no berço e na maturidade, e estará entre os virtuosos.
Ela perguntou: Ó meu Senhor, como poderei ter um filho se nenhum homem jamais
me tocou? Ele disse: Assim será Allah cria o que deseja. Quando decreta algo,
Ele apenas diz: "Seja!" e é. Disse-lhe: Como poderei ter um filho, se
nenhum homem me tocou e eu não perdi a castidade? Ele disse: Assim será, pois
teu Senhor disse: Isto é fácil para Mim, e desejamos fazê-lo um sinal para os
homens e uma Misericórdia: Este é um assunto assim decretado.
Alguns estudiosos islâmicos entendem tal nobreza na Virgem
Maria que consideram sua alma de natureza profética, uma vez que, em diversas
passagens do Corão, há indicações de que o Anjo Gabriel lhe dirigiu a palavra.
Isto seria prova suficiente de seu caráter profético, uma vez que o Anjo Gabriel
só desce para manifestar-se a profetas.
Dentre as religiões reveladas, os muçulmanos consideram o
cristianismo a mais próxima, uma vez que, tal como os cristãos, honra e ama
Jesus e sua abençoada mãe, a Virgem Maria: “E lembra-lhes, Muhammad, de quando
os anjos disseram, ‘Ó Maria! Por certo Deus te escolheu e te purificou, e te
escolheu sobre todas as outras mulheres dos mundos. Ó Maria, Sê devota a teu
Senhor e prostra-te e curva-te com os que se curvam (em oração).” (Sura 3:42-43.).
por Alexandre Martins, cm.
Fonte:
1- Alcorão ou Corão (em árabe قُرْآن,
transl. al-qur’ān, "a recitação") é o livro sagrado do Islã. Os
muçulmanos creem que o Alcorão é a palavra literal de Deus (Alá) revelada ao
profeta Maomé (Muhammad). A palavra Alcorão deriva do verbo árabe que significa
declamar ou recitar; Alcorão é portanto uma "recitação" ou algo que
deve ser recitado. Há duas variantes para o nome do livro usadas comumente:
"Corão" e "Alcorão".
2- (árabe) transmissão oral da notícia de um ditado, de um
ato, de um fato.
3- J-M. Abd-El-Jadil,in “Maria e o Islã, p. 17, Ed.
Beauchesne, 1950
4- Sura 66:12
5- Sura 3:45-48 e Sura 3:45-48.
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